sábado, 28 de fevereiro de 2015

O MEDO DE DILMA E OS ABUTRES DE PLANTÃO




Dilma Roussef nunca teve qualquer postura ideológica que vá além da defesa das mulheres ou dos direitos LGBT. A sua prática como governante vem mostrando esse amor à superficialidade política, que caberia a um Fernando Henrique – aquele que repudiou os próprios livros – ou a um Aécio Neves, que repete a triste trajetória golpista do seu avô Tancredo, que, em 1954, aconselhou Getúlio Vargas a renunciar. Dilma é o resultado do simulacro de esquerda em que se disfarça o PT e que levou milhões de pessoas a acreditar que aquele partido mudaria o Brasil, quando, na verdade, as únicas mudanças patrocinadas pelos quase treze anos de PT no governo foi o aprofundamento das relações com os Estados Unidos e União Européia, entrega da Amazônia para as multinacionais, alianças com setores oligárquicos e empresariais, eternização das promessas de reforma agrária e urbana e uma grande capacidade para iludir ainda mais o povo esperançoso. 

   Ou seja, mudanças ficcionais que repetem a prática da direita desde os tempos da República Velha, enfatizadas com o golpe de abril de 1964. Para os setores mais reacionários, Dilma é a presidente ideal, e seria perfeita caso o PT não detivesse tantos cargos no governo e grande número de cadeiras no Congresso Nacional. Isso possibilita ao desmoralizado partido do governo roubar tanto ou mais do que os governos anteriores, não dando chance a que a direita explícita volte a desfrutar do resultado do assalto aos cofres públicos ao qual já estava mal acostumada desde 1964. 

   Então, o golpe. Não somente pelo dinheiro, que eles poderiam barganhar com o PT, fingindo-se de aliados assim como faz o PMDB. Não acontecem golpes na América Latina sem que haja, primeiro, ordem dos Estados Unidos, e os Estados Unidos não precisariam golpear o nosso frágil estado de direito, através de seus capangas no Congresso, na imprensa e nas Forças Armadas, se não estivesse preparando uma guerra contra a Rússia. 

   A exemplo dos anos ’60 quando da invasão do Vietnã, que, em última análise, resultou em uma guerra indireta contra a União Soviética, e diversos golpes de estado (Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai, Argentina...) articulados em Washington foram concretizados no “quintal” norte-americano, também conhecido como América do Sul, para assegurar o domínio da retaguarda e garantir o roubo das nossas riquezas com o apoio das oligarquias nacionais, agora também os Estados Unidos estão tentando limpar o terreno com a tentativa de golpes em diversos países, como Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador e – por  que não? – Brasil. Chile, Colômbia e Paraguai já estão sob o domínio da política norte-americana, o Peru ainda é uma questão a ser resolvida e o Uruguai – assim como a Guiana e o Suriname – por enquanto não tem peso na balança. 

   Mais do que a característica ganância da direita, a tentativa de golpe – ou o golpe em andamento, como preferem alguns – prevê a retomada do poder pelos cartéis, através de seus representantes políticos que assumiriam o poder após a necessária farsa do “impeachment” e entregariam de vez o que resta do Brasil para as multinacionais. Principalmente a Petrobrás, que possui as maiores reservas de petróleo do mundo e mesmo que seja uma empresa de capital misto ainda pertence ao Estado brasileiro. 

   Privatizar a Petrobrás é o grande objetivo dos Estados Unidos e de seus aliados imperialistas. Se o PT caiu na armadilha de receber propinas para facilitar licitações e vários dos seus membros acharam que era natural enriquecer com o governo, prática comum no capitalismo, e se mais de dois bilhões foram roubados da Petrobrás pelos políticos, desde 2005 (o que terá acontecido antes de 2005?), a privatização da Petrobrás, sob o pretexto de que o governo não sabe gerenciar os bens do povo significaria a entrega de 100% de nossas riquezas petrolíferas nas mãos dos verdadeiros ladrões, em troca de royalties insignificantes. 

    Em defesa de nossas riquezas, Getúlio Vargas lutou de 1930 a 1945, quando foi deposto pelos militares que voltavam da guerra da Itália, onde foram convencidos pelos estadunidenses - de quem recebiam ordens - de que governos nacionalistas fazem muito mal ao capital internacional. Em 1950, Getúlio voltou à presidência da República e foi bombardeado pelos agentes de Washington desde o primeiro dia do seu governo. As razões: nacionalização da Petrobrás e da Eletrobrás e a Lei de Remessas de Lucros, que impedia as multinacionais que tinham filiais no Brasil de enviar mais que 8% de seus lucros para o exterior. Foi assassinado ou preferiu o suicídio quando todos os velhos amigos – inclusive Tancredo Neves – negaram-lhe o apoio na hora decisiva. 

    O mesmo aconteceu com João Goulart quando do golpe de 1964, já ensaiado em 1962 com a covarde renúncia de Jânio Quadros. Apesar disso, ao tomarem o poder, os militares, provavelmente tentados por todas as corrupções – e existe maior corrupção do que trair o próprio país? – não entregaram completamente as nossas riquezas. Preferiram usufruí-las. 

   Com a redemocratização dos anos ’80 – mesmo que tenha sido uma farsa para colocar uma nova geração de civis amigos no poder – os governos que se sucederam não ousaram ir além do que entregar algumas fatias das nossas riquezas ao capital estrangeiro, e nessa onda de privatizações Fernando Henrique mereceu o título de doutor Honoris Causa. 

   Lula foi eleito para continuar o governo de Fernando Henrique, e teve sucesso no item privatizações, mas, ao invés de entregar a Petrobrás preferiu assaltá-la. Tendo como assistentes pessoas como o mafioso José Dirceu, o traidor José Genoíno (vide guerrilha do Araguaia), o mercantilista Mercadante, o eternamente suspeito Palocci e outros que tais, Lula conseguiu terminar o seu governo de oito anos sem maiores percalços que a descoberta do Mensalão e encarregou a inepta Dilma Roussef de dar continuidade ao seu trabalho.  

   Por razões que fogem ao raciocínio lógico o PT acreditou que ficaria no poder por vinte anos ou mais, comprando senadores e deputados para aprovar os seus projetos, aparelhando o STF para defendê-lo de eventuais falcatruas e, vez por outra, quando o mercado exigia, favorecendo os interesses de empresários e latifundiários. 

   Perdeu-se o PT pela linha de fundo ao priorizar a superestrutura do poder e deixar o povo de lado. Cometeu o erro de todos os governos dependentes do capital financeiro internacional, tornou-se raquítico nas suas tentativas de reformas sociais, vulnerável e demagógico nas políticas públicas nem sempre felizes, que seguiram o modelo ultrapassado do PSDB, DEM e comparsas, caindo em todos os embustes e artimanhas da direita, deixando-se enlear e enlamear de tal maneira que não mais se reconhece o que restou do PT como partido que se dizia socialista. 

  Transformou-se num partidinho qualquer, tão insignificante ideologicamente como o PSDB, o PP, o PR ou o trapaceiro PMDB e está às vésperas de ter os seus principais líderes indiciados pela Procuradoria Geral da República, devido ao escândalo do Petrolão. Como conseqüência, se a Petrobrás for privatizada e entregue às multinacionais do petróleo, deve-se atribuir essa façanha de lesa-pátria não somente à direita oficial e aos seus abutres de plantão, mas principalmente à perfídia de alguns políticos petistas que não hesitaram em lançar mão do dinheiro público para comprar aliados nas sombras do Congresso e formar uma base política que hoje se revela podre. 

   A todas essas, Dilma Roussef aparenta estar com medo de perder o emprego. Após vencer as eleições, adotou todas as teses da oposição. Formou um ministério que foi saudado até pela inescrupulosa revista Veja, dando todos os poderes para Joaquim Levy, economista que sempre esteve a soldo das empresas multinacionais e que está encarregado de detonar a economia do país e provocar a reação popular que dará respaldo ao golpe. 

    Tendo a última chance para reerguer na prática as teses do antigo PT, com apoio da voz popular que a elegeu, Dilma prefere o suicídio. Afasta-se politicamente de países como Venezuela e Argentina, renova os seus apelos de amizade aos Estados Unidos, entrega um ministério importante para a predadora latifundiária Kátia Abreu, tira a roupa vermelha e posa de convicta conservadora – o que, talvez, seja a sua verdadeira face política. 

  A continuar assim, em breve veremos Dilma saudando os ataques genocidas de Israel à Faixa de Gaza, atacando o presidente Nicolás Maduro, da Venezuela, apoiando Raul Castro nas suas tentativas de fazer de Cuba um modelo de país capitalista, denunciando as guerrilhas latino-americanas e afastando-se do grupo BRICS, que se transformará em RICS, onde Rússia, China, África do Sul e Índia revelam brio e independência em relação ao império. Dilma está com medo, muito medo. Se não reagir imediatamente, o seu medo se transformará em realidade.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

CORRUPÇÃO MORAL RIMA COM CARNAVAL CARIOCA?





Falar que carnaval é símbolo de alienação é pouco. No Rio de Janeiro significa corrupção moral. Já havia indícios de que a corrupção no Brasil não é somente uma questão partidária ou política, mas cultural. Agora há provas. A principal delas foi o desfile da Beija-Flor que, por sinal, ganhou o carnaval carioca. Até aí nada de mais: volta e meia a Beija-Flor é campeã do carnaval do Rio e sempre que isso acontece as demais escolas de samba reclamam dos jurados. Há sempre alguma dúvida se os jurados foram ou não comprados. Isto, porque todos sabem que a famosa escola de Nilópolis é dirigida por famosos banqueiros do jogo do bicho que, vez que outra, são presos para investigação, mas sempre encontram um juiz complacente para soltá-los. E onde há jogo do bicho sobra dinheiro para todas as demais corrupções. 

   Carnaval é uma questão de dinheiro. Época em que muita gente, em todos os rincões do Brasil, faz o diabo (como diria o Lula) para ganhar o seu dinheirinho extra. É claro que os políticos estão no meio, pulando e cantando “Me dá um dinheiro aí” – mas não apenas eles. Milhões de cúmplices pulam junto e a esses milhões a imprensa chama de “povo brasileiro”, mesmo que o verdadeiro povo brasileiro saiba do carnaval apenas pela televisão. Quem paga? O governo? Os governos estaduais? As prefeituras? A Petrobrás? De um jeito ou de outro o dinheiro aparece para os ricos “foliões” que mandam nas escolas de samba, e todos ficam muito felizes. Todos eles. Nós, o povo... 

   O Rio de Janeiro monopoliza essa alegria dos milhões, terra da Rede Globo e de outras máfias menos visíveis, que faz do turismo a sua razão de viver, devido às belezas naturais e ao carnaval que atrai os muito ricos de outros países. E naquela terra desfilam escolas de samba durante alguns dias, todas no mesmo ritmo sonolento e monocórdio, o que faz com que os carnavalescos, que são pessoas contratadas para criar o enredo, as fantasias e alegorias, usem toda a sua imaginação para atrair os olhares da multidão que acaba acreditando que aquilo é carnaval. 

    Raras são as boas músicas, também chamadas de “samba-enredo”. Pouco ou nenhum é o samba, abafado pelo estrugir das baterias no mesmo eterno compasso de bandas marciais muito festivas a empurrar uma espécie de boiada que rebola e faz o possível para parecer muito entusiasmada. O que são aquelas baianas sufocadas em seus imensos vestidos? Tudo, menos carnaval. Chega a dar pena. E o mais engraçado são as mulheres nuas ou seminuas. É nelas que se concentra o que apelidaram de carnaval, como se a nudez fosse uma surpresa tão grande que somente surge deslumbradamente durante a permitida época dos pulos, máscaras e fantasias, quando todos devem fingir que estão se divertindo muito. 

    Os enredos o mais das vezes são repetidamente ufanistas, ainda que o país esteja desabando e o povo passando fome. Os carnavalescos nem querem saber. Falam da bela Amazônia, mas omitem a devastação ambiental e o desmatamento; lembram vedetes, cantores e celebridades que o Sistema emoldurou para seu uso particular; narram um Brasil existente somente na tediosa imaginação dos muito embriagados e acomodados em sua sóbria embriaguez. Na dúvida, se forem muito bem pagos, esse ufanismo todo será dirigido para a falsa realidade de outros países. É carnaval, e o que interessa é o dinheiro. 

    Tudo isso tem sido muito normal, ano após ano, durante os carnavais cariocas, mas, em 2015, a Beija-Flor foi além da placidez da sensatez permitida e aceitou “ajuda” do governo da Guiné Equatorial para fabricar mentiras obscenas, fazendo de um dos piores países do mundo marcado pela mais terrível ditadura, um lugar de contos de fadas. Não se sabe quanto a Beija-Flor ganhou do ditador da Guiné Equatorial. Alguns dizem que foi mais de 10 milhões de reais; outros afirmam que o pagamento foi em dólares. Os dirigentes da Beija-Flor negam. Dizem que foi só uma pequena ajuda. 

   Vendeu-se a Beija-Flor? Dizem que escolas de samba têm um raro pendor para valorizar ao máximo os seus sambistas. Sabem o que é a Guiné Equatorial? 

   A Guiné Equatorial é um dos maiores países produtores de petróleo do sub-Saara, e o dinheiro dessa produção vai todo para uma família que domina o país há mais de 35 anos. Tem o maior PIB per capita do continente africano, mas o povo da Guiné Equatorial (quase dois milhões de pessoas) é paupérrimo. Somente metade da população tem acesso à água potável e 20% das crianças morrem antes de completar cinco anos. De acordo com a ONU, o país ocupa o número 144 em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Lá, existe trabalho forçado e tráfico sexual. 

    O ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, foi apontado pela revista Forbes como o oitavo governante mais rico do mundo. E foi a própria ONU que ajudou Obiang a redigir a sua Constituição, logo após a tomada do poder em 1982. Constituição que dá amplos poderes ao ditador, nomear e destituir membros do gabinete, fazer leis por decreto, dissolver a Câmara dos Deputados, negociar e ratificar tratados como comandante em chefe da forças armadas. 

   O Transparency International colocou a Guiné Equatorial no top 12 dos países mais corruptos. A Anistia Internacional tem documentado graves violações de direitos humanos no país, incluindo torturas, espancamentos, assassinatos e prisões ilegais. Nominalmente o país é uma democracia multipartidária, mas as eleições têm sido consideradas grandes farsas. 

    E a Beija-Flor aceitou participar da farsa, exaltando a “cultura e a alma africana” da Guiné Equatorial, que não pode ser exemplo para nenhum país, muito menos retrata a verdadeira cultura e a verdadeira alma africana. Corrupção. Corrupção moral. Até o Neguinho da Beija-Flor, que eu tinha por uma pessoa consciente, estava chorando com a vitória da sua escola. Vozes de túmulos que até então estavam lacrados pedem uma nova ditadura no Brasil. Será essa uma das razões da nossa corrupção moral, ou cada povo tem o carnaval que merece? Nós merecemos?

domingo, 15 de fevereiro de 2015

O PT NA CONTRAMÃO DA HISTÓRIA






O que aconteceu ao PT? Em que momento o partido que deveria ser uma frente de esquerda deu a guinada que o levaria inevitavelmente às práticas sujas da direita e a ela se uniu, resguardando-se demagogicamente nos discursos ufanistas e nas vestes vermelhas que enganam os parvos? Por que e como aceitou, o partido que deveria ser dos trabalhadores, a manobra que o atraiu para o centro do poder, aliando-se justamente aos inimigos dos trabalhadores – cartéis, trustes, empresários, latifundiários -, aceitando a globalização, o neoliberalismo econômico, um plano a médio e longo prazo de domínio imperialista sobre a América Latina? O que levou o PT, em seu processo de transformação de abóbora em carruagem real, a afastar do partido todos os grupos de esquerda e a eleger sucessivas direções de membros reacionários que aceitam os postulados do capitalismo? O que fez o que restava de inteligência no PT a concordar com a corrupção como norma – desde as prefeituras petistas até o Governo Federal nos seus três poderes – sob a pífia desculpa de pragmatismo político?

   Entre tantos fatores que levaram o Partido dos Trabalhadores a visitar o sistema e conviver com suas esquivas e lodosas sombras, destaco dois como mais importantes e, talvez, determinantes:

1.   A sacralização do ícone “trabalhador” na figura de Lula, uma nova versão do culto à personalidade, com objetivos essencialmente demagógicos.

2.   O surgimento de um curioso partido, denominado Partido Revolucionário Comunista (PRC), que tinha muito pouco de comunista, nada de revolucionário e preferiu a auto-extinção enquanto partido para ajudar a levar o PT para a direita e buscar uma política de alianças que o tornaram refém do capitalismo.


   Inicialmente formado por correntes de todas as tendências do variado espectro da diáspora esquerdista após as tentativas de guerrilha urbana e rural, o PT era um partido de muitas siglas, nas quais os militantes, quase obrigatoriamente, abrigavam-se, muitas vezes sem saber exatamente o significado ideológico da sua tendência política dentro do partido que, na verdade, foi criado por sindicalistas paulistas - como Lula e Jair Menegheli – inspirados no sindicato direitista Solidariedade, da Polônia, que recebeu ajuda da CIA para combater o socialismo.

   Inclusive, Lula era muito parecido fisicamente com Lech Walesa, o líder do Solidariedade, que mais tarde elegeu-se presidente da Polônia depois de transformar o sindicato em um partido político. A exemplo de Lech Walesa, Lula nunca foi marxista, seja por convicção ou por incapacidade de estudar e assimilar a teoria. Era meramente um sindicalista carismático que liderou greves de metalúrgicos e que sabia fazer acordos satisfatórios com os patrões.

   Isso chamou a atenção de diversos setores, inclusive de grupos de esquerda que logo o adotaram como totem, mitificando-o como símbolo da luta dos trabalhadores, mesmo que essa luta ficasse restringida a um cantinho do Brasil, a região do ABC paulista. E também chamou a atenção de grupos da “direita esclarecida”, notadamente empresários de todos os setores que já estavam fartos de uma ditadura militar que começava a atrapalhar os grandes negócios e precisavam de uma liderança “popular e democrática” para ajudar a forçar uma redemocratização que ao fim e ao cabo iria ao encontro dos desejos do capital nacional e internacional.

   Nunca, em período de ditadura, greves e passeatas de trabalhadores foram tão veiculadas pelos meios de comunicação aliados aos interesses do capital. E todos sabem que quando eles não querem, mesmo que milhares passem gritando na sua frente, não publicam. Os verdadeiros donos do Brasil sabiam que Lula nada tinha de nacionalista e que, mesmo aparentando ser o líder de um partido de suposta esquerda que estava sendo gerado a partir das greves, poderia ser manobrado gradativamente para aceitar as premissas capitalistas e, quem sabe, assim como Lech Walesa, recebesse em troca, em futuro não muito distante, a presidência do país. É dando que se recebe.

   Além disso, um partido que congregasse a esquerda, limitando-a a determinados preceitos organizacionais era uma ótima idéia que evitaria novas guerrilhas, ou, mesmo, uma tentativa de revolução. E, melhor que isso, um partido que usava o título pomposo de “Partido dos Trabalhadores” poderia, com o tempo, abafar de vez o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – este sim um partido muito perigoso, na medida em que se revelava nacionalista, contendo ideais subversivos, como o amor à pátria, a defesa das nossas riquezas e o desenvolvimento sem dependência externa.

   Lula serviu a todos os interesses e a todos os interessados que desejavam um país de joelhos frente ao capital internacional e aliado das grandes potências imperialistas. Lula agia como agente catalisador das emoções de um povo frustrado que tinha perdido a sua referência histórica com a deposição de João Goulart e que estava carente de líderes e de projetos para o país. Ali no ABC paulista teve início uma trama que visava unir todos os elos de uma esquerda esfacelada por guerrilhas suicidas e que, com o seu internacionalismo entreguista, nunca fora representativa dos anseios do povo brasileiro por um país unido e forte e buscando uma personalidade própria – assim como fizera o antigo PTB de Getúlio Vargas e João Goulart.

   E o que parecia um grande acerto do PT a nível interno, apontando Lula como salvador da pátria para uma nova geração que não vivera o período anterior ao golpe de 1964 e que era incentivada à alienação em relação à própria história, detendo-se apenas no momento ufanista das “Diretas Já” e da Constituinte, também foi o seu grande erro – provavelmente um erro calculado e tido como acerto – ao reeditar no Brasil o culto à personalidade de alguém que ainda era uma promessa salvífica e que passou a deter as esperanças de milhões de pessoas desarvoradas ideologicamente e com pouca compreensão do seu passado e que eram incentivadas a acreditar que o presente - nos anos ’80 da “abertura democrática” – abria portas para um futuro de progresso e verdadeira independência – a partir do momento em que Lula fosse eleito Presidente e o Partido dos Trabalhadores tomasse o poder.

   Lula somente foi eleito quando concordou em se aliar ao capital nacional e internacional, cumprindo a agenda que o império propusera para o Brasil – um país subserviente com um governo que facilitaria todas as demandas das multinacionais e do empresariado sequioso por aumentar as suas riquezas. Em troca, o PT dominaria os sindicatos a ponto de amordaçá-los e eternizaria a luta pela reforma agrária. Nos dois setores – campesinato e operariado – imporia um forte controle, através da cooptação dos seus líderes para importantes cargos, no Congresso e fora dele, e imporia às massas uma visão idealista de um socialismo passivo e reformista. Para fins políticos, o PT poderia conservar a cor vermelha, o que provocaria dois resultados: iludir o povo e diminuir a força pedagógica dos partidos da verdadeira esquerda, empurrados para esquecidos nichos onde, inevitavelmente, acabariam por se diluir em cego burocratismo e abstrusas teses.

   Para que esse plano fosse realizado, faltava ainda fazer do PT não um partido frentista composto por tendências as mais diversas, mas unificá-lo em torno de idéias que, aos poucos, com o passar dos anos e a diminuição do fervor político dos militantes, poderia dar o necessário giro para a direita, aliando-se aos setores que antes combatia e que lhe daria a possibilidade de conquistar o poder e, quem sabe, todas as regalias, inclusive a aberta corrupção. Para este fim, uma das tendências internas do PT, o Partido Revolucionário Comunista (PRC), contribuiu com muita disposição e entusiasmo.



O PRC

   O Partido Revolucionário Comunista surgiu nos meios universitários durante os anos 1970 e foi organizado clandestinamente primeiramente como dissidência do PCdoB, que tivera a maioria dos seus quadros mortos na tentativa de guerrilha na região do Araguaia. No entanto, o PRC somente ficou conhecido nacionalmente a partir de 1984, quando se integrou ao PT como uma de suas tendências políticas.

   Dizia-se o PRC um partido marxista-leninista que repudiava toda e qualquer tentativa de conciliação com setores da burguesia. A princípio, o PRC considerava o PT como um partido tático - “uma organização político-frentista hegemonizada por posições reformistas, aprisionada nos marcos da ideologia burguesa”. Como partido tático, o PT poderia ser utilizado não como um objetivo de luta pelo poder nos padrões tradicionais, mas como uma alternativa para desestabilizar o projeto de Nova República, evitando que se consolidasse a “democracia dos monopólios” para que fosse criada uma correlação de forças favorável “ao avanço da luta por uma estratégia revolucionária”, pautando a possibilidade de construção de uma alternativa democrática, operária e popular, contrapondo-se à estratégia meramente democrática e popular formulada pela Articulação, que era a tendência majoritária no PT.

   O PT é um partido composto de siglas que encobrem nomes. A Articulação dos 113 surgiu a partir do Manifesto dos 113, em 1983, e logo se constituiu na tendência majoritária do PT. Era composta por sindicalistas, membros das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e ex-integrantes de organizações de esquerda como a ALN (Aliança Libertadora Nacional). A Articulação se impôs como a verdadeira classe dirigente do PT, como o próprio PT; mais que uma tendência, geria o comportamento das tendências dentro do partido, obrigando-as a seguir os rumos por ela estipulados. O líder de direito era o Lula, eterno presidenciável; o líder de fato era José Dirceu.

   Mas a Articulação necessitava de alianças com outras tendências para continuar no poder. Em 1987, a Articulação chamou o PRC e teve uma longa conversa com membros dessa tendência que se dizia de esquerda. Também chamou os líderes da Democracia Socialista (DS) e os intimou a um comportamento adequado à nova realidade petista. A Articulação, enquanto PT (ou o PT, enquanto Articulação), desejava impor as suas teses e tornar as tendências internas submissas a elas. Um documento assinado por José Dirceu e Wladimir Pomar, intitulado “Contra o socialismo legalista” dava o tom do que o PT (ou a Articulação) se pretendia enquanto partido.

   O documento chamava as demais tendências de sectárias e idealistas e as obrigava moralmente a assumir o PT-Articulação como único partido de esquerda no Brasil – uma esquerda que se propunha conservadora, que adotava a conciliação de classes e a luta meramente político-partidária. As tendências que não aceitassem as teses da Articulação estariam indo contra o PT e, naturalmente, seriam alijadas do partido. Dava-se um prazo para que as tendências se alinhassem à doutrina da Articulação e, em 1991, quando duas das tendências internas do PT – Convergência Socialista e Causa Operária – persistiram na sua integridade, foram expulsas do partido.

   Tendências políticas inexpressivas, como “O Trabalho” e “Democracia Socialista”, continuaram formalmente como tendências internas do PT, mas docilmente subordinadas à Articulação. Na Articulação destacam-se nomes como Ricardo Berzoini, José Dirceu, Chico Macena, Luiz Dulci, Marco Aurélio Garcia e Lula. Alguns deles são conhecidos da Justiça, outros esperam a sua vez. Atualmente, a Articulação adotou o apelido “Construindo um novo Brasil”.

   No revolucionário PRC, entre outros pontuavam José Genoíno, Adelmo Genro Filho e Tarso Genro. Alguma coisa aconteceu na reunião entre PRC e Articulação, em 1987. Dois anos depois, o PRC (Partido Revolucionário Comunista) mudava de nome e de ideologia. Passava a se chamar Nova Esquerda (depois Democracia Radical e hoje...) e aderia ao capitalismo. Entenda-se “Nova Esquerda” por “Nova Direita” – uma esquerda sem ideologia. Com esse apoio, a Articulação fortaleceu-se enquanto tendência de direita que mandava no PT e não mais deixou a direção partidária, mesmo que tenha trocado o nome algumas vezes.

   Nova Esquerda não foi um nome gratuito, encontrado por acaso. O movimento “New Left” (Nova Esquerda) atingira o seu pico em 1968 nos Estados Unidos e Europa. Nos Estados Unidos, devido, principalmente, aos protestos contra a guerra do Vietnã; na Europa, por medo do comunismo, e seus teóricos arriscaram a expressão “eurocomunismo” para designar movimentos apáticos formados por uma geração temerosa de mudanças que fossem além da liberdade sexual e da liberdade de usar drogas. Liberdade. A Nova Esquerda norte-americana e européia, formada por uma classe média ascendente e desejosa de participação no poder, lutava por mudanças nos costumes e a isso intitulava de liberdade. Nessa luta também entravam os direitos humanos, principalmente os dos negros dos Estados Unidos. Luta que foi sufocada, com o assassinato de líderes como o pacifista Martin Luther King e o revolucionário Malcolm X. Organizações como “Panteras Negras” e “Black Power” foram esmagadas, o movimento negro foi dissolvido e os negros discriminados refugiaram-se na música gospel ou preferiram uma passiva participação parlamentar, que acabou originando, entre outros, o reacionário Barack Obama.

    Longe de se colocar contra o capitalismo, a Nova Esquerda Européia das décadas de ’70 e ’80 visava a reforma de um sistema que estava se tornando caduco e asfixiante devido ao excesso de autoritarismo, às guerras fabricadas para enriquecer banqueiros e empresas multinacionais e às diferenças cada vez maiores entre as classes sociais. A direita ocidental, o “establishment”, necessitava de um aperfeiçoamento urgente ou corria o risco de ser suprimida pela ascensão do marxismo em todos os países. A Nova Esquerda, diferente do que classificava como “Velha Esquerda” (a esquerda marxista), teve origem nas universidades e não dentro de sindicatos ou devido à luta dos trabalhadores.

    Não se tratava, portanto, de luta de classes, mas do seu contrário: protestos de jovens dentro das classes dominantes objetivando reformas nos costumes burgueses, uma nova sociedade deveria emergir do pós-guerra, aparentemente tentando derrubar todas as formas de opressão social, desde que as estruturas do poder não fossem tocadas. Ao mesmo tempo, as novas tecnologias do chamado “primeiro mundo” auspiciavam a essa juventude supostamente rebelde uma vida cheia de facilidades. A geração que deveria assumir o poder alguns anos depois dos movimentos estudantis disporia de melhores meios para continuar alienando e subjugando os operários.

   No Brasil, por falta de um programa político claro, principalmente na área econômica, o PT assumiu a Nova Esquerda – uma mistura de misticismo New Age com dieta vegetariana, pensamentos ecológicos e algumas pinceladas do pensamento de Gramsci e Foucault – somente os pensamentos. E a reforma agrária no papel. Ao lado desse nada - que era muito para uma nação que nunca teve uma tradição socialista e que, em sua maioria, continuava a acreditar que comunistas são pessoas muito más que desejam escravizar os povos – o PT assumia-se como anti-nacionalista, namorava o neo-liberalismo econômico (para depois assumi-lo completamente) e demonstrava uma grande inveja de oligarcas como Sarney, Collor e Maluf, que, com o tempo, tornaram-se grandes aliados dos petistas. Principalmente em época de eleições.

    Enquanto a verdadeira esquerda brasileira saía em massa do PT, que preferira tornar-se um partido menchevique, os novos partidários petistas – em sua grande maioria pessoas que poderiam participar de qualquer partido de direita, como PMDB, PP ou, mesmo, PDT – tornou-se massa de manobra partidária, acreditando em mitos como “Lula salvador da pátria” e aceitando a idéia de que ser de esquerda é o mesmo que lutar pela emancipação das mulheres, patrocinar o movimento LGBT, dar mesadas para o povo miserável e cotas para os negros.

    O PRC, que já havia mudado de nome, dava à Articulação, que também se tornava camaleônica, o norte ideológico. A nova esquerda deveria promover a inclusão social das minorias discriminadas dentro do sistema capitalista. Como as empresas necessitam de constante rotatividade de trabalhadores para que o salário mínimo continue baixo e os lucros aumentem, a educação deveria ser sistematicamente facilitada para que todos tivessem condições de passar de ano e entrar para o mercado de trabalho, mesmo que isso implicasse no aviltamento da cultura e do sistema educacional.

    O operariado, seguindo a ilusão de “progressismo” e reforma petista tem sido alienado progressivamente da sua realidade de classe que poderia ser transformadora, ainda que no país do carnaval, e aceita a submissão e o peleguismo ditados pelos líderes petistas como atitudes ‘politicamente corretas’. Dominados pelo petismo anti-marxista, a maioria do operariado baixa a cabeça servilmente, aceitando o redil proposto pelo PT.

    Na política internacional, o PT serve aos Estados Unidos e seu império. Em algum momento da ascensão de Lula ao poder, foi-lhe acenada a possibilidade de dominar política e economicamente a América do Sul, como autêntica filial dos Estados Unidos. Não fosse Hugo Chávez ter liderado um movimento de países anticapitalistas, o Brasil de Lula teria aderido à ALCA (Área de Livre Comércio da Américas), que proporcionaria aos Estados Unidos dominar toda a economia da América Latina. Em contrapartida, os governos do PT (Lula e Dilma) não aderiram à ALBA (Aliança Bolivariana das Américas), deixando claro que seu projeto de governo é capitalista e neo-liberal.

    A aceitação do capitalismo sob uma fachada de “nova esquerda” que atrai multidões desinformadas tornou mais fácil para a cúpula petista aderir às práticas capitalistas; entre outras, a corrupção desenfreada. Curiosamente, os petistas acreditaram que roubar a nação não era corrupção, uma vez que governos anteriores, como o de FHC, tinham feito o mesmo. Ou, como disse Paulo Maluf quando foi convidado a apoiar a campanha do petista Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo: “Agora somos iguais”.

    Com o “Mensalão”, o “Petrolão” e outras ações ilegais que ainda poderão vir à tona, o PT não só tornou-se igual à oposição que antes condenava como conseguiu superá-la em muito no que concerne ao montante roubado ao povo. Adotando o capitalismo pseudo-reformista o PT caiu em todas as suas armadilhas. E gostou. Até o momento em que alguns de seus principais líderes começaram a ser presos pela Polícia Federal.

    Descaracterizou-se tanto o PT de seu projeto anterior de partido que a Presidente Dilma, em seu segundo mandato, preferiu formar um ministério pautado todo ele por uma política entreguista de direita, na contramão da História, justamente no momento em que as nações de alguns países, como Grécia e Espanha, estão a repudiar o capitalismo. E Lula, segundo consta, anda tão desarvorado com a possibilidade de, cedo ou tarde, vir a ser indiciado por algum crime que, como a avestruz, não sabe onde esconder a cabeça.

     Pior que todas essas ridicularias é o fato do PT ter deixado aberta uma imensa brecha política por onde estão a penetrar os partidos da direita oficial, além de favorecer a propaganda paranóica golpista que, mesmo não surtindo qualquer efeito na prática – porque as Forças Armadas estão muito felizes com o PT no governo  - passa às multidões que adoram futebol e carnaval e mais nada que a esquerda é corrupta, quando é exatamente o contrário: foi por ter assumido o papel de partido direitista fantasiado de esquerda que o PT, juntamente com seus aliados, passou a adotar a corrupção como prática de governo.

     A ideologia da reforma dentro do capitalismo que já havia sido explicada ad nauseam como um equívoco político, entre outros autores por Rosa Luxemburgo em seu livro “Reforma ou Revolução?”, ao ser adotada pelo PT enquanto ainda era uma frente de esquerda, agora que está sendo desmascarada também no Brasil faz do partido que já foi uma esperança para a nação, autor de um desmoronamento de expectativas principalmente naquela parte da população mais desavisada e que está acostumada às benesses do governo em troca de votos.

   Por outro lado, coloca em pauta o debate ideológico, que tanto o PT tem desejado abafar. Sabe-se que no país de Rosa Luxemburgo, a Alemanha, a socialista e reformista “República de Weimar” foi destroçada com o advento do nazismo. Mas a Alemanha sempre foi um país de pensadores. Infelizmente, não acredito que no país do carnaval e da preguiça mental, após o retrocesso histórico da revolução brasileira representado pelos governos do PT, as esquerdas se unam deixando de lado pequenos desacordos ideológicos, para combater a imensa vaga direitista que se avoluma no horizonte. No entanto, não convém desacreditar de todo.
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