Seu Chico estava com um olhar de admiração na beira da praça Silveira Martins, olhando os carros de som que iam e vinham fazendo propaganda de candidatos quando eu o encontrei.
- Como vai, seu Chico? Pegando um solzinho?
- Tentando. Neste inverno que finge virar primavera e depois volta a ser inverno a gente nunca sabe de que lado da rua está o sol. Como certos políticos. O senhor tem visto a propaganda política?
- Só por descuido, seu Chico.
- Pois num destes descuidos eu fiquei assistindo e me divertindo.
- Gostou, seu Chico?
- Se gostei! Melhor que programa de humor!
- E o que lhe chamou mais a atenção?
- Pois foi justamente pela ausência de qualquer coisa que chamasse a atenção que eu me diverti. Foram-se os tempos em que os candidatos defendiam alguma causa, algum programa de governo. Acabaram-se os ideais políticos.
- É uma tristeza, não é seu Chico?
- De certa forma. O senhor há de ponderar comigo que pior do que está é impossível. Logo, se o país não se diluir em cascatas, cachoeiras, mensalões e mensalinhos, a tendência inevitável será melhorar. Quando é que é a grande pergunta.
- Talvez quando mudarem os governantes, seu Chico.
- Mas é isso que eu estou falando, homem de Deus! Não tem como mudar os governantes!
- Não estou entendendo, seu Chico.
- Todos eles, os que se dizem situação e os que se dizem oposição, estão presos uns aos outros através de alianças, acordos, todo o tipo de coisa que o senhor possa imaginar. São farinha do mesmo saco! Antigamente, por muito menos que isso que estamos assistindo se fazia uma revolução; hoje eles fazem corrupção. Estão até ficando enfastiados de tanta corrupção.
- Mas os mensaleiros estão sendo condenados, seu Chico.
- Claro que estão sendo condenados! É a única maneira de deixar eles soltos. Oito anos de condenação para um corrupto reconhecido é lá condenação? Vai entrar na prisão só para visitar, quando muito! No dia seguinte estará solto. Esse julgamento é para soltar e não para prender. Condena, prende, solta e deixa solto, como tem acontecido com todos os que tem dinheiro sobrando.
- É verdade, seu Chico.
- Por isto que eu digo que trocar de governantes não adianta. Temos aí as eleições, e o que vemos? Pois não é que aqui nesta nossa cidade que já foi capital do Rio Grande aos tempos de Joca Tavares e que vem diminuindo como a água das torneiras o candidato a prefeito do PSDB diz que o que está errado é o Sistema? E os candidatos do PT querem o continuísmo da apatia...
- É verdade, seu Chico, está tudo invertido.
- Mais invertido que galo chocando!
- Mas o senhor disse os candidatos do PT. Que eu saiba só tem um.
- Na aparência tem um. Mas olha a outra, que é do PTB, ou PT do B, como andam dizendo. Qual é o grande programa de campanha dela? Não é dizer, redizer e continuar dizendo que é amiga íntima de um deputado do PT, que já foi prefeito? Foi prefeito e o que fez, o senhor lembra?
- Lembro que as praças foram desmontadas e montadas de novo; canteiros de flores, festa de churrasco... E deve ter tido mais alguma coisa. Eu quase não saio de casa, o senhor sabe.
- Festas e alianças. Qual é o grande problema desta cidade? Não é a falta d’água? E ele construiu alguma barragem? Teve oito anos para isso. Deixou para o próximo, como todos os prefeitos anteriores. Barragem não dá dinheiro, o senhor há de convir.
- E o próximo não era exatamente quem ele desejava...
- De outra corrente do mesmo partido. E aí o que aconteceu? A base na Câmara de Vereadores foi esvaziada, com os vereadores daquele prefeito mudando para outros partidos para poderem votar contra o atual prefeito e dizer, agora, que ele não fez nada.
- Jogo de interesses, seu Chico.
- Jogo de interesses e quem paga é o povo. Ouça só esses carros de som: o candidato do PT oficial diz que tem o apoio da Dilma e a candidata do PT do B diz que tem o apoio da Dilma, do governador e do ex-prefeito, além de afirmar que já está na hora da cidade ter uma mulher como prefeita, para pegar os votos das mulheres.
- E o candidato a prefeito do PSDB, que seria a direita oficial, a defensora do Sistema, diz que o Sistema está errado. E ainda mais: diz que quer enxugar a máquina pública. Isso não é um tiro no pé, seu Chico? Enxugar a máquina pública é o mesmo que ameaçar de demissão centenas de funcionários, e por trás dos funcionários tem as famílias deles... É perder votos.
- Mas o que o vivente iria dizer? Que também tem o apoio da mãinha Dilma? Terá, se for eleito, porque aquela faz alianças com todos os partidos, mas na hora da campanha política a coisa é diferente. É um tal de acusa aqui e defende lá que chega a sair poeira.
- E no final todos se abraçam, seu Chico.
- Mas!... No fim das eleições, os que ganham fazem festa e os perdedores fingem muita chateação, mas já no dia seguinte começam os telefonemas e as alianças. Um pedido de secretaria pra um, uma autarquia pra outro e tudo acaba ficando em paz. Por isso que eu digo que não adianta mudarem os governantes. Eles tem lá as suas panelinhas, bem distante do povo que dizem defender.
- E fazer o que, seu Chico?
- Com este povo que aceita tudo? Desmemoriado, quase analfabeto, que só quer festa... Acho muito difícil... Já estaremos mortos quando se resolver a fazer alguma coisa de verdade.
- Quem sabe uma revolução, seu Chico, daqui a décadas.
- Duvido! Eles preferem assistir novela ou futebol. E a coisa só tende a piorar.
- Quem sabe com a ajuda de Deus, seu Chico?
E assim fomos espichando a conversa, enquanto a tarde esmaecia e os carros de som dos candidatos a prefeito e a vereador se revezavam proclamando o grande amor à cidade, ao povo...
S.Chico é muito inteligente, e parece ter pegado com muita lucidez o que se passa em nossa cidade e no resto do país. Com ele tenho em comum a lucidez, e confesso minha confusão mental em torno de eleições, política, ideologia... É difícil ter esperanças com o quadro atual, mas o esforço para tal é necessário. Muito boa a postagem.
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