terça-feira, 2 de março de 2010

BRAZIL CORPORATION E O FIM DO MUNDO


     Reunião de diretoria da empresa Brazil Corporation, em algum dia por estes dias.

- Presidente: - Senhores, convoquei esta reunião extraordinária para resolvermos um assunto que está me inquietando muito ultimamente: O Fim do Mundo.

     (Risos, sussurros, pigarros, olhares atentos, olhares pânicos e olhares surpresos).

     - Sei que os senhores se surpreenderam e que alguns até devem estar achando que eu enlouqueci, mas vou lhes dizer por que isso está me preocupando. Para isso, terei de narrar uma pequena história que aconteceu com um amigo meu.

     - Pois esse meu amigo, que também é empresário, e que não vou citar o nome, recebeu um relatório de um chefe de seção que dizia que um empregado recentemente admitido tinha pedido demissão. A razão? O Fim do Mundo.

     - Aquele empregado, ou ex-empregado, se preferirem, tinha pedido demissão porque dizia que o Fim do Mundo está chegando e que pouco importava para ele estar ou não empregado. Foi na época do terremoto no Haiti.

     - Era comunista?

     - Não, não era comunista e eu peço ao senhor que não me interrompa enquanto eu não terminar. Peço que todos os senhores prestem bastante atenção porque o assunto é muito importante.

     - Continuando... Até aí nada de mais. Poderia ser um desses crentes evangélicos ou qualquer outro tipo de fanático... Sabe-se lá... Foi despedido e fim de papo. Mas, dois ou três dias depois, na hora do cafezinho, esse meu amigo, como bom empresário que é, juntou-se aos seus funcionários para jogar conversa fora, falar sobre futebol e dar uma controlada, é claro... Pois ouviu uma conversa sobre kit de sobrevivência, mas não entendeu muito. Voltou para o escritório, chamou o seu secretário e falou sobre a conversa que tinha ouvido.

     - Compreenderam até aqui?!

     (Pequenas exclamações, pigarros, olhares atentos).

     - Ótimo. Pois o secretário dele, devotadíssimo, de extrema confiança, lhe retrucou assim (palavras textuais dele): “Pois é, chefe, todos temos que estar alertas... Os tempos estão mudando, o senhor sabe, todas essas tempestades, tsunamis, terremotos, o eixo da Terra mudando, o aquecimento global... Não que eu acredite, mas o que o pessoal tem falado é sobre qual o melhor kit de sobrevivência. Nunca se sabe, o senhor já leu a respeito do Calendário Maia?”

     (Profundo silêncio).

     - É claro que o meu amigo ficou apreensivo. Se até o secretário dele está pensando em kit de sobrevivência, então aquele caso do empregado que pediu demissão por causa do Fim do Mundo não era um caso isolado.

     (Alguns poucos pigarros).

     - Daí, que esse meu amigo resolveu informar-se melhor. Pesquisou na Internet, fez algumas teleconferências com as nossas filiais nos outros países...

     - Com as nossas filiais?

     - Senhores, eu pedi silêncio até eu acabar a explanação! Por favor... Eu disse nossas filiais? Deletem – com as filiais da empresa dele, bem entendido?

     (Sussurros, pigarros e mexer de cadeiras).

     - Continuando novamente... É claro que esse meu amigo não ficou preocupado com o Fim do Mundo ou com o Calendário Maia. Senhores, estamos no século vinte e um e os maias já estão bem enterrados há muito tempo!

     (Risadas aliviadas).

     - Pois é. Bem enterrados. Agora, entendam o seguinte. Esse meu amigo inteirou-se que o fenômeno não é só aqui no Brasil. Não que estejam pedindo demissão em massa por causa do Fim do Mundo. É claro que há um ou outro caso, mas nada relevante ainda... Mas está começando uma paranóia nesse sentido que deve ser controlada. Se não está começando ainda, poderá começar.

     - E se isso continuar, podem imaginar as conseqüências para os negócios? As pessoas começarão a comprar apenas kits de sobrevivência! E nada mais! Os negócios internacionais emperrarão, baterá o pânico na população mundial e as nossas empresas irão à falência, senhores!

     (Algumas palavras soltas, exclamações contidas).

     - Não pensem que eu estou entrando em pânico. Longe disso. Mas todos nós sabemos que o nosso dever enquanto elite mundial é controlar o povo. É claro que já controlamos os exércitos e os governos, mas todo o povo é mais difícil. O povo, quando coloca uma idéia nova na cabeça – desde que não seja uma idéia que nós lhe damos – pode chegar a conseqüências imprevisíveis.

     (Murmúrios de aprovação).

     - Senhores, esse meu amigo e eu resolvemos unir nossas forças com empresários de todos os países e elaboramos um plano que deve ser seguido à risca. Mandem entrar o Clodoaldo!

     (Entra Clodoaldo, com papéis embaixo do braço).

     - Senhores, tenho certeza que todos aqui conhecem o Clodoaldo, meu secretário fiel há mais de dez anos.

     (Cumprimentos alegres a Clodoaldo).

     - Pois o Clodoaldo, senhores, foi o encarregado de copiar e imprimir o nosso plano. Ele é mais que um secretário, é um amigo fiel e é claro que o Clodoaldo não acredita mais nessas balelas de Fim do Mundo, não é Clodoaldo?

     (Um sussurro de “sim senhor”).

     - O Clodoaldo, agora, está passando o plano aos senhores diretores. Cada um receberá apenas a parte que lhe cabe no plano, de acordo com a sua função. Mas vou ler para todos o plano em seu conjunto. Agora pode ir, Clodoaldo.

     - (“Sim senhor”. Sai Clodoaldo).

     Não existe nem haverá Fim do Mundo. O que está acontecendo no clima mundial é circunstancial, mera coincidência.

     As pessoas estão confundindo catástrofe global com aquecimento gradativo da atmosfera.

     Esse aquecimento é cíclico e deverá acabar em menos de uma década, quando tudo deverá voltar ao normal.

     - Estes primeiros três pontos são essenciais para o plano. Eu quero a partir de amanhã, o mais tardar depois de amanhã, ligar a televisão e ver - em todos os canais sem restrição – entrevistas, enquetes, programas os mais diversos, como os telejornais, programas de auditório e até pegadinhas, programas de humor, reality shows, ou, mesmo, nos intervalos das partidas de futebol, nas novelas, etc... Eu quero ver sumir a expressão “catástrofe global”. Deverá ser substituída por palavras como “coincidência”, “ciclo climático”, ou qualquer outra expressão ou palavra amena.

     - Outra expressão que deverá sumir da mídia é “Fim do Mundo”. Critiquem, desmoralizem, investiguem as vidas das pessoas que falarem essa triste expressão e mostrem os seus podres, porque nós sabemos que todos tem o seu ponto fraco. Não é para minimizar! É para acabar com essa onda.

     - Neste exato momento estamos em tratativas com uma grande empresa de informática – que não vou citar o nome, é claro – para que, gradativamente, sem que os internautas percebam, blogs e sites que falam de teorias da conspiração, Fim do Mundo, catástrofe global e coisas semelhantes sejam bloqueados definitivamente. Ao mesmo tempo, teremos a ficha de cada dono ou participante desses sites e blogs, até os grupos de discussão... Se eles persistirem, teremos que tomar outras medidas mais drásticas. Mas não é de nossa política nem desejamos que isso venha a acontecer.

     (Sussurros, pigarros, engasgos).

     - No entanto, senhores, como devem já ter percebido, desta forma cairemos no vácuo informativo. Todos aqui conhecem a Teoria do Vácuo Informativo, senão não estariam aqui, certo?

     (Sussurros de aprovação).

     - Pois esse vácuo que irá se formar deverá ser preenchido. E vamos preenchê-lo com os seguintes fatores que constam do plano:

     A culpa do aquecimento global, que deve ser sempre lembrado que é mínimo, é da superpopulação da China. Achem as maneiras: seja pelo excesso de consumo de oxigênio deles, ou pelo gás carbônico emitido pelas suas fábricas - que deveremos sublinhar sempre que são velhas, mal administradas e não cumprem as regulamentações internacionais a respeito da emissão de CO2.

     - Ficou claro, senhores?

     (Palavras alegres, gritos de “genial”).

     Muitas promoções esportivas. Vamos induzir as pessoas a se dedicarem a algum esporte, mesmo os mais velhos. Além das Olimpíadas e campeonatos das diversas modalidades esportivas, promoveremos os mais diversos eventos. As pessoas deverão ficar envolvidas de tal maneira que não tenham tempo nem disposição para pensar naquelas palavras e expressões que já estão proibidas desde agora.

     (Palavras alegres, pigarros).

     - Senhores, atenção! O sexto item é igualmente importante e vem diretamente da World Corporation. Não sei se os senhores perceberam que o Vácuo Informativo ainda não foi bem preenchido no 4º e no 5º item do plano.

     (Silêncio.)

     - Vou lembrar a todos que a Teoria do Vácuo Informativo prova que mesmo que o povo seja induzido a consumir, a pensar de determinada forma e a agir conforme os costumes que desejarmos e impusermos, mesmo assim ela gera uma resistência “interna”. Vamos lembrar da Teoria:

     “Haverá um Vácuo Informativo sempre que o povo não se sentir dono da Informação. Sentir-se dono da Informação, para o povo, significa o exercício da criatividade não só através das diversas atividades artísticas e culturais que emanam do povo, mas, de tempos em tempos, o surgimento de idéias independentes que formarão o núcleo de uma idéia central. Esta idéia central germina e propaga-se na forma de cultos, lendas e mitos, às vezes bizarros, mas que dá ao povo a sensação de ser o dono da Informação”.

     - Correto?

     (Silêncio atento).

     - E mais adiante:

     “No caso da formação indesejável do Vácuo Informativo, ou seja, dos mitos criados de alguma forma pelo próprio povo e assimilados como cultura popular, com a diminuição da criatividade popular poderão ocorrer períodos de depressão, ocasionando desinteresse, pessimismo e drástica diminuição do consumo”.

     - É claro que não queremos que isso aconteça, não é?

     (Sussurros de aprovação).

     - Pois bem, com a propalada “catástrofe global”, com a onda do “Fim do Mundo”, “Calendário Maia” e até da aproximação de um novo planeta que poderá colidir com a Terra...

     (Risos abafados).

     - Senhores, por favor... Toda essa carga de informação, segundo pesquisas recentes, preenche, neste momento, o Vácuo Informativo na medida em que o povo, em suas diversas camadas, sente-se o dono dessa informação global e interage com ela como se verdadeira fosse.

     - Mas, de acordo com os três primeiros itens do plano é forçoso que este mito seja desconstruído. E a palavra de ordem é esta: “desconstrução desse mito”. Mas, para que não surja o Vácuo Informativo devemos construir um novo mito. E é aqui que surge o 6º item do plano, emanado da própria World Corporation.

     É verdade que passamos por mudanças climáticas leves, que podem afetar algumas regiões do mundo, conforme tem acontecido através de terremotos, nevascas, tsunamis, etc. Mas, também, a partir de agora, passa a ser verdade que esses acontecimentos são sinais da Renovação Cíclica da Humanidade. Será do interesse de todos participar dessa renovação que terá como objetivo maior a vinda de um Salvador que trará a paz e a fraternidade mundial.

     (Silêncio expectante).

     - Senhores, com a aplicação global deste 6º item do plano teremos a criação do novo mito que preencherá o Vácuo Informativo que ameaçava se formar.

     - Agora não se trata mais de “catástrofe global”, “Fim do Mundo”, “Calendário Maia” ou qualquer coisa parecida. Os problemas climáticos são as dores do parto que antecedem a vinda do Salvador mundial. Deveremos, portanto, moldar a opinião pública no sentido de desejar essa vinda e agradecer sempre que acontecer alguma mudança climática inesperada.

     - Haverá a possibilidade do surgimento de seitas esperando o “Salvador” – e nós teremos pessoas de confiança nelas. Haverá a necessidade de um ressurgimento místico planetário. Isso será bom para os negócios. Imaginem o Dalai Lama sendo levado de volta para o Tibete nos ombros de hordas de fanáticos enfurecidos e armados. E com o nosso apoio, é claro. E mais um grande mercado se abrirá... Mas isso é apenas um exemplo, que poderá acontecer a médio prazo. Há múltiplas possibilidades.

     - Outro detalhe: vamos fabricar kits de sobrevivência, é claro. Não podemos perder esse grande negócio. Só teremos que mudar o nome. Não serão mais kits de sobrevivência, mas “kits da fraternidade universal”.

     - A propósito do “Salvador”, quando percebermos o momento certo, ele aparecerá. Não se preocupem quanto a isso. Já estamos pensando em várias possibilidades.

     - Senhores, vejo um grande futuro à nossa frente! Vamos ao trabalho!

     (Aplausos retumbantes).

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