Naquele
1º de maio de 1964 desfilam os tanques. Ao lado, temerosos soldadinhos com o
dedo no gatilho das suas novíssimas armas tentam manter o garbo ante as vaias
da multidão. Fala-se de grandes manifestações em todo o país, mas nada se sabe
de concreto. Começou a era da desinformação e o povo, ressentido pelo golpe dos
gorilas, repete inúmeros boatos.
Os
Estados Unidos teriam invadido o Brasil a pedido de Carlos Lacerda, o corvo que
havia premeditado a morte de Getúlio com o apoio da CIA; Jango e Brizola
estariam organizando a resistência a partir do exterior; maçonaria e Igreja
estavam unidas e tinham formado o CCC (Comando de Caça aos Comunistas),
organização que entrava impunemente na casa dos que julgavam subversivos; quem
era aquele general que agora se dizia Presidente, ostentando o pomposo nome de
Castelo Branco e que, contraditoriamente, lembrava um sapo? Um traidor,
ex-ministro do Jango. Todos os militares seriam traidores da nação?
Não.
Somente os gorilas, oficiais de alto escalão que desejavam mudar o nome do país
de Estados Unidos do Brasil para Brasil dos Estados Unidos. Sargentos e muitos
tenentes haviam tentado reagir. Em um dos quartéis da cidade toda a
oficialidade teria sido presa no Cassino e os canhões foram apontados para o
quartel-general, prontos para disparar. Soldados em armas para defender o
Presidente e a Constituição. Desiludiram-se e depuseram as armas quando chegou
a notícia da fuga de Jango.
O
Jango fugiu? O Jango fugiu, lembram as pessoas que assistem o improvisado
desfile militar de 1º de maio de 1964. Não é bem um desfile, mas uma ostentação
de força. Uma declaração de que para o povo, a plebe, nem plebiscito restará. Foi
através de um plebiscito que João Goulart, em 1962, voltou à presidência da
República, depois da tentativa de golpe em 1961, abortado pela resistência
gaúcha liderada por Leonel Brizola.
Dizem
que Brizola, depois de ligar para o Presidente repetidas vezes insistindo para
que resistisse e recebendo sempre a mesma resposta – Jango não queria o sangue
derramado dos brasileiros – teria se pilchado, com direito a chapéu e lenço no
pescoço, tomado um ônibus – “Junto com alguns amigos”, ressalta uma voz
esperançosa – e vindo para a fronteira, de onde se refugiou no Uruguai. “Eu bem
que desconfiei daqueles gaúchos que passaram na frente da minha casa” – diz
uma voz triste, entrando no assunto que
é de todos. “Estavam fingindo de bêbados e um deles lembrava muito o Brizola”.
Alguns
soldados passam curvados, com o peso do dever escravo machucando a alma. Jango
tinha fugido e deixado o povo órfão. Logo ele que, não fazia ainda dois meses,
no dia 13 de março, no comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, perante
trezentas mil pessoas, todas trabalhistas, decretara a nacionalização das
refinarias de petróleo e a desapropriação, para reforma agrária, de
propriedades às margens das ferrovias, rodovias e zonas de irrigação dos açudes
públicos. Gente como o Lacerda, porta-voz dos gorilas que estavam sempre
conspirando, chamaram o Jango de comunista.
Comunista!
“Vejam só!” – rebate uma voz esquecida – “Logo comunista! O Partido Comunista é
tão pequeno que jamais conseguiria eleger sequer um vice-prefeito. Trabalhista
sim! Esses gorilas não tem mais o que inventar e dizem que deram esse golpe
para acabar com os comunistas. O medo deles é do trabalhismo, da verdadeira
união do povo pela pátria, do verdadeiro patriotismo”.
Poucos
dias depois da fuga de Jango, os gorilas mandaram os soldadinhos encherem as
paredes de uma das galerias da cidade com “material subversivo” e convocaram a
população para ler aqueles papéis. Todos foram. Quem não comparecesse seria
tido como perigoso esquerdista e sujeito a prisão e maus tratos. No mínimo. Formaram-se
imensas filas. As pessoas entravam e liam rapidamente convocações para
reuniões, palavras de ordem, textos com expressões pouco inteligíveis sobre a
União Soviética. Material do minúsculo e estático PCB, que apelidava o PTB de
populista. Que revolução poderiam fazer, se já existia um partido que levantava
o povo em nome do nacionalismo?
“Tenho
comigo que esses gorilas são americanos” – resmunga uma voz perdida, ao ver
passar oficiais com óculos escuros fazendo continência para uma bandeira
esfarrapada. “E agora, qual será o futuro do Brasil?” – interroga uma voz tímida.
“Vão mandar os pelegos, depois que os gorilas cansarem!” – responde uma voz
indignada. “E não se pode fazer nada?” – pergunta uma voz minguada. “Eles vão
acabar trocando o nome do Dia do Trabalhador para Dia do Trabalho!”
No
dia seguinte ao golpe, vereadores, Prefeito e vice-Prefeito se reuniram na
grande casa de esquina que abrigava Prefeitura e Câmara de Vereadores,
colocaram um alto-falante em uma das janelas e congregaram o povo para resistir
ao golpe. Não se sabia com certeza o que estava acontecendo em Brasília. Foram
imediatamente cercados por tropas do exército, armadas de metralhadora. O povo,
em multidão, cercou o exército.
“E
o que aconteceu?” – pergunta uma voz ansiosa. “Um capitão subiu as escadas da
Prefeitura com um revólver na mão e foi desarmado e preso. Todos os vereadores
estavam armados, mas, para evitar um massacre concordaram em desligar o
alto-falante e pedir ao povo que se retirasse das ruas. Em seguida, foram
detidos e saíram sob os aplausos da multidão.” – narra uma voz destemida.
“Aqueles
foram os últimos verdadeiros representantes do povo” – diz uma voz profética.
“E o que vamos fazer agora?” – pergunta a voz ansiosa. “Resistir” – responde a
voz destemida. “Como? Vaiando?” – reclama a voz triste. “Por enquanto...” –
conclui a voz esperançosa.
Muito boa postagem sobre o nosso muito triste e pobre 1º de Maio. Onde estão as outroras manifestações de nossos trabalhadores? Parabéns pelas informações sobre a Revolução de 1964, hoje, já sendo esquecidas.
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