Acuada por sanções e
ameaças, temerosa de sofrer novos bloqueios em suas aspirações comerciais,
sentindo-se fraca ante as imposições da OTAN e dos Estados Unidos, alarmada
pela possibilidade de uma guerra que destruiria seus planos presentes e
futuros, quase em pânico por se sentir repudiada por seus parceiros europeus, desejosa
de mais carinho, apoio, compreensão, amor da comunidade internacional, a Rússia
recua em todas as frentes e, a continuar assim, pouco faltará para que entregue
a Criméia novamente para a Ucrânia, com um tímido pedido de desculpas.
Enganaram-se os que
pensavam que a Rússia poderia representar uma forte oposição ao império, que a
pretende submissa. Confundiram a Rússia de hoje com a altiva União Soviética,
que perdeu o garbo quando foi dividida e tornou-se a apequenada Rússia, mesmo
que dona de um imenso território. Mas o Brasil também tem grande território e
uma das tradições brasileiras é o servilismo dos seus governos – durante e após
a ditadura militar – aos interesses dos Estados Unidos. Gigantes pela própria
natureza às vezes obedecem a anões morais. Ou a outros gigantes mais bem
armados.
Na véspera da posse
de Petro Poroshenko como presidente da Ucrânia, Putin conversou com ele em
Paris. Dizem que foi por somente quinze minutos, mas o significado do encontro,
do aperto de mãos entre os dois presidentes é bem maior que as poucas palavras
que terão trocado. Com esse encontro, o presidente da Rússia admitiu a
legitimidade do novo governo ucraniano e, por conseguinte e subliminarmente, a
legitimidade dos golpistas de Kiev, que depuseram o presidente Yanukovich –
porque foram eles que organizaram e fizeram as novas eleições, que seriam
consideradas ilegítimas pela Rússia, se esta perdurasse em afirmar que houve um
golpe em Kiev.
Queixavam-se a OTAN e
os Estados Unidos que armas e soldados estariam entrando pela fronteira russa
com a Ucrânia para sustentar os insurgentes de Donetsk e Lugansk. No dia
seguinte ao encontro com Poroshenko, Putin deu ordens para que o serviço
secreto russo (FSB) tomasse a si a responsabilidade de evitar que tal
continuasse a acontecer.
De um momento para o
outro, a Rússia tornou-se não exatamente inimiga, mas adversária do movimento
separatista da Ucrânia. Inclusive, a oficial e multimídia “Voz da Rússia” mudou
o tom. A notícia de que alguns soldados ucranianos foram feridos na fronteira
foi comunicada de maneira lacônica, e que esses fatos teriam sido causados por
“indivíduos desconhecidos”.
Há mais de duas
semanas que se percebe nos jornais russos a tendência a esquecer o que está
acontecendo no país vizinho. Já não se fala mais em guerra civil, minimiza-se a
força política dos federalistas em armas do sudeste da Ucrânia e enfatiza-se o
desejo pela paz, mesmo que seja uma paz à custa de centenas de mortos civis
massacrados por mercenários e pelas Forças Armadas ucranianas. Moscou quer vender
seu gás que passa pelos gasodutos ucranianos em direção à Europa. O governo russo
quer voltar a ter boas relações com os países europeus e, talvez, quem sabe,
até com os Estados Unidos.
Entre países
capitalistas, a guerra faz muito mal aos negócios. Ao contrário do que muitos
pensam, a indústria bélica não necessita de grandes guerras para fabricar e
vender as suas armas. Bastam algumas tensões regionais aqui e ali, combates,
palavras de ordem, promessas guerreiras, pequenos e grandes assassinatos para
que armas e munições sejam vendidas à profusão. Em seguida, promovem-se eleições
e a grande massa acéfala passa a acreditar que tudo mudou.
Não é curioso que
justamente o serviço secreto russo esteja encarregado de evitar a entrada de
homens e armas para os revolucionários ucranianos? Essa missão caberia aos
guardas de fronteira e, até, ao exército. No entanto, Putin não quer mais o seu
exército na fronteira com a Ucrânia. Não apenas pelo medo de provocar uma
guerra; provavelmente teme que seus aguerridos generais tomem impulso e
ultrapassem a fronteira.
Putin está cheio de
temores. No início de maio - acatando ordens dos Estados Unidos e da OTAN - anunciou
que o exército estava se retirando da fronteira. O exército russo nem se mexeu.
Satélites ocidentais constataram o fato e comunicaram ao presidente russo.
Putin reiterou as ordens de retirada. Nada. A situação agravava-se no sudeste
ucraniano. Em Odessa houve o primeiro grande massacre da guerra civil: civis
foram encurralados em um edifício e queimados vivos. Putin lamentou e enviou condolências
para os parentes dos mortos.
A imprensa russa
esbravejou; a ocidental somente constatou o fato: os fatos, às vezes, são
veiculados por aqui, de maneira distorcida, mas veiculados. Naquele momento,
especulava-se que, finalmente, a Rússia iria defender o povo do sudeste da
Ucrânia. A “Gazeta Russa” escrevia, em 06/05/2014, em matéria intitulada “Kremlin
pode revidar operação anti-terrorista na Ucrânia”: “Especialistas russos
acreditam que o governo russo não deve ficar inerte frente aos últimos
acontecimentos em Odessa e no sudeste da Ucrânia (...)”.
O Kremlin preferiu a
inércia. Dizem que o medo paralisa. Mas os revolucionários ucranianos
acreditaram que a Rússia estava do seu lado e até uniram forças entre as duas
repúblicas auto-proclamadas de Lugansk e Donetsk, formando a “Nova Rússia”.
Talvez tenham errado o nome. A OTAN e os Estados Unidos insistiam sobre a
retirada das tropas russas da fronteira ucraniana e Putin não tinha mãos para
tantos telefonemas para os líderes europeus. Dava explicações, pedia desculpas
pela demora.
O que estava
acontecendo? Por que o exército não obedecia à ordem de retirada das
fronteiras? Não é impossível nem improvável que alguns dignos generais russos
concluíssem que o mais honrado seria partir para a luta. O Ministro da Defesa,
Sergei Shoigu, antes de ser um guerreiro é um grande vendedor de armamentos. Prefere
a paz que favorece os negócios, e talvez tenha sido ele quem influenciou Putin a
tomar a decisão derrotista, mas, provavelmente, o Chefe do Estado-Maior, Valery
Gerasimov, um dos penalizados pelas sanções ocidentais, pense de maneira
diferente. Há quem especule que próprio Vice-Presidente Dmitri Medvedev não
estaria muito feliz com o súbito recuo nada estratégico. E aqui também há uma
surda luta pelo poder. Shoigu aspira ser o sucessor de Putin e, para isso,
precisaria do apoio da mídia ocidental; Medvedev, que já foi Presidente, também
deseja o mesmo cargo.
Finalmente, às
vésperas das eleições na Ucrânia o grupo de Putin venceu e a Rússia retirou o
seu exército da fronteira com a Ucrânia. Recuou. E continua recuando. Os mais
pessimistas acreditam que recuará até entregar a Criméia e pedir para fazer
parte da OTAN, o que acabaria com todos os litígios. O governo russo é como o
do Brasil: sobrevive através da propaganda. E essa propaganda fez com que os
índices de popularidade de Vladimir Putin alcançassem mais de 80%, depois da
reintegração da Criméia. Fizeram dele uma espécie de herói. No entanto,
observando bem, Putin lembra mais o Gorbachev que destruiu a União Soviética do
que o Lênin que a construiu. É mais um político, e os políticos costumam ceder,
quando lhes é conveniente.
Enquanto isto, o
iludido povo do sudeste da Ucrânia continua a ser massacrado. Agora com o apoio
tácito da Rússia.
Muito boa análise sobre a Rússia atual.
ResponderExcluirobviamente Putin não lembra Gorbachev, Putin trabalha com uma situação bem complicada, elegendo entre o relativo "bem estar" de 140 milhões de um lado e a posição oportunista de 10 milhões dos pro-russos no Sudeste. O Sudeste não dá motivos para o apoio do exército russo: não vemos manifestações contra o novo governo golpista, contra as massacres praticadas cada dia pelo exército ucraniano, vigilado pelos radicais neonazistas, formados na Guardia Nacional. Por que o povo esta calado? Por que o povo não vem para as milicias? Se a Rússia introduz as tropas agora, isso será uma intervenção!
ResponderExcluirMas eu estou de acordo que a perda da Ucrânia é uma das consecuências da política alienada e relaxada dos últimos anos.
A gente do Sudeste não tem muita pressa para se incorporar à Rússia, porque os melhores de ahí ja estão na Rússia e os demais não esperam muito da Rússia, porque a Rússia ja não é aquela URSS, pela qual a gente de muitos lugares do planeta estava pronta de sacrificar suas vidas.