Falar que carnaval é
símbolo de alienação é pouco. No Rio de Janeiro significa corrupção moral. Já
havia indícios de que a corrupção no Brasil não é somente uma questão
partidária ou política, mas cultural. Agora há provas. A principal delas foi o
desfile da Beija-Flor que, por sinal, ganhou o carnaval carioca. Até aí nada de
mais: volta e meia a Beija-Flor é campeã do carnaval do Rio e sempre que isso
acontece as demais escolas de samba reclamam dos jurados. Há sempre alguma
dúvida se os jurados foram ou não comprados. Isto, porque todos sabem que a
famosa escola de Nilópolis é dirigida por famosos banqueiros do jogo do bicho
que, vez que outra, são presos para investigação, mas sempre encontram um juiz
complacente para soltá-los. E onde há jogo do bicho sobra dinheiro para todas
as demais corrupções.
Carnaval é uma
questão de dinheiro. Época em que muita gente, em todos os rincões do Brasil,
faz o diabo (como diria o Lula) para ganhar o seu dinheirinho extra. É claro
que os políticos estão no meio, pulando e cantando “Me dá um dinheiro aí” – mas
não apenas eles. Milhões de cúmplices pulam junto e a esses milhões a imprensa
chama de “povo brasileiro”, mesmo que o verdadeiro povo brasileiro saiba do carnaval
apenas pela televisão. Quem paga? O governo? Os governos estaduais? As
prefeituras? A Petrobrás? De um jeito ou de outro o dinheiro aparece para os
ricos “foliões” que mandam nas escolas de samba, e todos ficam muito felizes.
Todos eles. Nós, o povo...
O Rio de Janeiro
monopoliza essa alegria dos milhões, terra da Rede Globo e de outras máfias
menos visíveis, que faz do turismo a sua razão de viver, devido às belezas
naturais e ao carnaval que atrai os muito ricos de outros países. E naquela
terra desfilam escolas de samba durante alguns dias, todas no mesmo ritmo sonolento
e monocórdio, o que faz com que os carnavalescos, que são pessoas contratadas
para criar o enredo, as fantasias e alegorias, usem toda a sua imaginação para
atrair os olhares da multidão que acaba acreditando que aquilo é carnaval.
Raras são as boas
músicas, também chamadas de “samba-enredo”. Pouco ou nenhum é o samba, abafado
pelo estrugir das baterias no mesmo eterno compasso de bandas marciais muito
festivas a empurrar uma espécie de boiada que rebola e faz o possível para
parecer muito entusiasmada. O que são aquelas baianas sufocadas em seus imensos
vestidos? Tudo, menos carnaval. Chega a dar pena. E o mais engraçado são as
mulheres nuas ou seminuas. É nelas que se concentra o que apelidaram de
carnaval, como se a nudez fosse uma surpresa tão grande que somente surge deslumbradamente
durante a permitida época dos pulos, máscaras e fantasias, quando todos devem
fingir que estão se divertindo muito.
Os enredos o mais das
vezes são repetidamente ufanistas, ainda que o país esteja desabando e o povo
passando fome. Os carnavalescos nem querem saber. Falam da bela Amazônia, mas
omitem a devastação ambiental e o desmatamento; lembram vedetes, cantores e
celebridades que o Sistema emoldurou para seu uso particular; narram um Brasil
existente somente na tediosa imaginação dos muito embriagados e acomodados em
sua sóbria embriaguez. Na dúvida, se forem muito bem pagos, esse ufanismo todo
será dirigido para a falsa realidade de outros países. É carnaval, e o que
interessa é o dinheiro.
Tudo isso tem sido
muito normal, ano após ano, durante os carnavais cariocas, mas, em 2015, a
Beija-Flor foi além da placidez da sensatez permitida e aceitou “ajuda” do
governo da Guiné Equatorial para fabricar mentiras obscenas, fazendo de um dos
piores países do mundo marcado pela mais terrível ditadura, um lugar de contos
de fadas. Não se sabe quanto a Beija-Flor ganhou do ditador da Guiné Equatorial.
Alguns dizem que foi mais de 10 milhões de reais; outros afirmam que o
pagamento foi em dólares. Os dirigentes da Beija-Flor negam. Dizem que foi só uma
pequena ajuda.
Vendeu-se a
Beija-Flor? Dizem que escolas de samba têm um raro pendor para valorizar ao
máximo os seus sambistas. Sabem o que é a Guiné Equatorial?
A Guiné Equatorial é
um dos maiores países produtores de petróleo do sub-Saara, e o dinheiro dessa
produção vai todo para uma família que domina o país há mais de 35 anos. Tem o
maior PIB per capita do continente africano, mas o povo da Guiné Equatorial
(quase dois milhões de pessoas) é paupérrimo. Somente metade da população tem
acesso à água potável e 20% das crianças morrem antes de completar cinco anos. De
acordo com a ONU, o país ocupa o número 144 em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
Lá, existe trabalho forçado e tráfico sexual.
O ditador da Guiné
Equatorial, Teodoro Obiang, foi apontado pela revista Forbes como o oitavo
governante mais rico do mundo. E foi a própria ONU que ajudou Obiang a redigir
a sua Constituição, logo após a tomada do poder em 1982. Constituição que dá
amplos poderes ao ditador, nomear e destituir membros do gabinete, fazer leis
por decreto, dissolver a Câmara dos Deputados, negociar e ratificar tratados
como comandante em chefe da forças armadas.
O Transparency
International colocou a Guiné Equatorial no top 12 dos países mais corruptos. A
Anistia Internacional tem documentado graves violações de direitos humanos no
país, incluindo torturas, espancamentos, assassinatos e prisões ilegais.
Nominalmente o país é uma democracia multipartidária, mas as eleições têm sido
consideradas grandes farsas.
E a Beija-Flor
aceitou participar da farsa, exaltando a “cultura e a alma africana” da Guiné
Equatorial, que não pode ser exemplo para nenhum país, muito menos retrata a
verdadeira cultura e a verdadeira alma africana. Corrupção. Corrupção moral.
Até o Neguinho da Beija-Flor, que eu tinha por uma pessoa consciente, estava
chorando com a vitória da sua escola. Vozes de túmulos que até então estavam
lacrados pedem uma nova ditadura no Brasil. Será essa uma das razões da nossa
corrupção moral, ou cada povo tem o carnaval que merece? Nós merecemos?
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