“(...) A data
coincide com o aniversário de um ano dos ataques de Israel a Gaza, nos quais
mais de duas mil palestinas e palestinos foram mortos, incluindo mais de 500
crianças. (...)”
“(...) Tocar em
Israel é endossar políticas e práticas racistas, coloniais e de apartheid –
ilegais sob o direito internacional. Ademais, o governo israelense apresenta os
shows em Israel como sinal de aprovação a suas políticas. (...)”
“(...) Nosso pedido
faz coro ao chamado de artistas e da sociedade civil palestina para que
artistas não se apresentem em Israel. Entre aqueles que responderam a esse
chamado, cancelando seus shows no país, estão Lauren Hill, Roger Waters (Pink
Floyd), Snoop Dog, Carlos Santana, Cold Play, Lenny Kravitz e Elvis Costello.
(...)”
“(...) Não ignorem
esse chamado. Tropicália não combina com apartheid!”
A primeira carta,
datada de 22 de maio, foi encaminhada aos músicos brasileiros pelo BDS
(Boicote, Desinvestimento e Sanções), um movimento global com estratégias para
pressionar Israel visando o fim da ocupação dos territórios palestinos. A carta
também é assinada por Roger Waters. Destaco dois trechos.
“(...) Como vocês
sabem, artistas internacionais preocupados com direitos humanos na África do
Sul do apartheid se recusaram a atravessar a linha de piquete para tocar em Sun
City. Naqueles dias, Little Steven, Bruce Springsteen e cinqüenta ou mais
músicos protestaram contra a opressão cruel e racista dos nativos da África do
Sul. Aqueles artistas ajudaram a ganhar aquela batalha, e nós, no movimento
não-violento de Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS) pela liberdade,
justiça e igualdade dos palestinos, vamos ganhar esta contra as políticas
similarmente racistas e colonialistas do governo de ocupação de Israel. (...)”
“(...) Caros Gilberto
e Caetano, os aprisionados e os mortos estendem as mãos. Por favor, unam-se a
nós cancelando seu show em Israel. (...)”
Gilberto Gil leu as
duas cartas e disse que não respondeu e não responderá. Caetano Veloso foi mais
educado. Escreveu uma carta onde entre outras coisas, comunica que cantou nos
Estados Unidos quando O presidente era George Bush e o Iraque estava sendo
invadido. Foi incisivo: “Eu me lembro que Israel foi um lugar de esperança.
Sartre e Simone de Beauvoir morreram pró-Israel”.
É verdade, mas não se
pode culpá-los por isso. Sartre e Simone pertenceram àquela geração de
intelectuais franceses que ficaram de joelhos ante os Estados Unidos, que
apelidaram de “América”. Acreditavam terem sido salvos do nazismo pelos
estadunidenses e cultivavam uma imensa raiva da União Soviética, o país que
realmente venceu a Segunda Guerra. Sartre chegou a participar de um grupo que
se autodenominava “maoísta” e que era radicalmente contra os comunistas
pró-soviéticos.
É certo que Sartre e
Simone propunham-se um engajamento que poderia ser chamado de liberal-esquerdista,
uma vez que denunciavam a ocupação francesa na Argélia e na Indochina e, ao
contrário de Koestler e de Camus, não praticaram um anticomunismo histérico.
Procuravam um caminho que unisse liberdade e socialismo e mesmo nos piores
momentos da guerra fria não se deixaram envolver pela propaganda fascista.
Antes de tudo, Sartre
julgava necessário participar dos combates do seu tempo. Ser e Fazer são verbos
que, para o pensamento de Sartre, se interpenetram, mesmo sabendo que existe a
liberdade de Não-Ser e de Não-Fazer. Para Sartre, era impossível não se
comprometer, e isso significava ser o sujeito da sua história e da própria
História. O contrário seria agir como um alienado moral, tratando as demais
pessoas sem reflexão, sem questionamentos sobre justiça, igualdade, semelhanças
e diferenças.
Sartre tentou ser
coerente com o seu pensamento e acredito que não apoiaria Israel se tivesse acesso
a maiores e melhores fontes de informações sobre a questão palestina. Durante e
após a Guerra dos Seis Dias Israel posou como vítima de anti-semitismo na falta
de argumentos por ter invadido a terra dos palestinos. Defender Israel era uma
imposição da mídia que fabricava pessoas massificadas, uniformizadas em um
pensamento que julgavam livre de estereótipos, até entre a intelligentsia européia.
O que não se entende é
como uma pessoa inteligente, como Sartre confundiu anti-semitismo com
anti-sionismo, mesmo porque a expressão “anti-semita” não se restringe unicamente
ao povo judeu. O termo “semita” designa o conjunto composto por uma família de
vários povos que possuem as mesmas raízes culturais e lingüísticas. A família
semítica abrange o acadiano, ugarítico, fenício, hebraico, aramaico, árabe,
etíope, egípcio, copta-gala, afar-saho, assírio e caldeu – palestinos, sírios,
líbios, afegãos, iraquianos, egípcios e os povos árabes em geral. O termo
“semita” define todos os povos do Oriente Médio. Tampouco Judaísmo é sinônimo
de semitismo. Judaísmo é uma religião, assim como Cristianismo ou Islamismo – e
não designa um povo, uma raça, uma etnia ou uma nacionalidade.
Sionismo, por seu
lado, é uma ideologia racista composta predominantemente por uma minoria de
judeus que detêm os principais meios de comunicação mundiais, bancos, empresas
multinacionais e, atualmente, dominam o Estado de Israel. O seu objetivo
primeiro é restaurar os limites históricos e bíblicos da Terra de Israel ou
Grande Israel (em hebraico: Eretz Yisrael
Hahslemah). Os sionistas israelenses utilizam esse conceito para justificar
as guerras árabe-israelenses e a ocupação da Cisjordânia, Faixa de Gaza e
Colinas de Golam. Theodore Herzl, fundador do sionismo, defendia que a Grande
Israel é um estado judeu alongado desde o rio Nilo, no Egito, até o Eufrates,
no Iraque, incluindo partes da Síria e do Líbano.
E, no entanto, Sartre
defendeu o sionismo. Em 1975, a ONU adotou a Resolução 3379, considerando o
sionismo equivalente a racismo, com 72 votos a favor, 35 contra e 32
abstenções. A Resolução 3379 afirmava que “o sionismo é uma forma de racismo e
discriminação racial” e “o regime racista na Palestina ocupada e o regime
racista no Zimbabwe e na África do Sul têm uma origem imperialista comum,
formando um todo e tendo a mesma estrutura racista e sendo organicamente
ligados na sua política destinada à repressão da dignidade e integridade do ser
humano”.
Sartre, Simone de
Beauvoir, Bernard Henry-Levy, Raymond Aron e outros intelectuais protestaram
contra a Resolução 3379. Em 1976, Sartre recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de
Jerusalém. Em 1991, sob pressão de George Bush, a Assembléia Geral da ONU
revogou a Resolução 3379.
A mesma ONU, a partir
da Resolução 181 da sua Assembléia Geral, tinha criado artificialmente o Estado
de Israel, em novembro de 1947, dentro do território palestino. A criação de
Israel provocou a imediata expulsão de mais de 750.000 palestinos do seu
território por um exército muito bem armado de colonos judeus oriundos da
Europa devastada pela 2ª Guerra. Em 1949, ao final dos combates, Israel havia
expandido as suas fronteiras, passando a ocupar 78% da Palestina histórica.
Era apenas
desinformação de Sartre ou o fato de estar cercado por pessoas como Aron,
Lanzmann, Levy e reacionários afins que, muitas vezes, passavam por pacíficos
revolucionários, influenciaram o seu pensamento? O pacifismo que se diz
revolucionário foi uma das piores pragas geradas durante a segunda metade do
século XX, porque previa o quietismo, a sonolência, a contemplação e a
passividade. O pacifismo que se diz revolucionário participou do Maio de ‘68,
mas não chegou a junho, mês em que se recolheu ao escritório para escrever
belas teses que defendiam a sua inação. O pacifismo que se diz revolucionário
deixou como herança uma geração de acadêmicos apaixonados pela própria inteligência
e que desejam, em primeiro lugar, ficar em paz com os opressores e donos do
mundo.
Em maio deste ano, a
Rússia, em resposta às sanções européias publicou uma lista com 89
personalidades proibidas de entrar no território russo. Entre elas,
Bernard-Henry Levy e Daniel Cohn-Bendit. Assim como Sartre, ambos de origem
judia e, ao contrário de Sartre, ambos defensores do capitalismo selvagem.
Cohn-Bendit passou-se por anarquista no Maio de ’68 e hoje é um líder
direitista da Aliança Livre Européia. Bernard-Henry Levy é um empresário
francês que escreveu vários livros antimarxistas e participa de revistas
pseudo-esquerdistas. Defendeu o boicote dos Jogos Olímpicos de 1980, na União
Soviética, e atualmente é a favor da invasão da França na Síria.
A jornalista
portuguesa Ana Navarro Pedro, correspondente do jornal “Público”, escreveu uma
matéria muito lúcida intitulada “Sartre Revisitado”, a respeito do livro de
Bernard-Henry Levy “O Século de Sartre” (http://www.publico.pt/culturaipsilon/jornal/sartre-revisitado-139057).
Recomendo a leitura e destaco a frase final.
“Compreende-se assim
melhor que, ao cabo de 650 páginas de escrita ligeira como a espuma do melhor
champanhe, não se saiba o que resta de Sartre hoje em dia: se as suas teses têm
ou não alguma actualidade, se o autor de “As Palavras” ou de “O Ser E O Nada”,
é ainda lisível. Ou se houve, ou não, impostura intelectual.”
A direita também tem
os seus defensores travestidos de intelectuais que se dizem de “esquerda”, uma
nova esquerda que sempre pende para a direita carregando consigo medrosos
pensadores de todos os lugares, que preferem pensar o estabelecido na tentativa
de dar-lhe novas cores. Não é de estranhar que Caetano e Gil se apóiem em
Sartre e Simone para defender o Estado fascista de Israel. Nem Caetano nem Gil
são conhecidos como pensadores, ou filósofos, mas em muitas de suas letras
influenciaram gerações entontecidas entre a ditadura militar e a falsa
democracia civilista.
Gil e Caetano sentem uma certa náusea em falar em
política e talvez não saibam que, inevitavelmente, todos os seus atos são
referências políticas para os seus fãs. Tocar em Tel-Aviv será uma tomada de
posição a favor do sionismo, o que fará com que Tropicália passe a combinar com
apartheid.
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