O arcebispo Desmond
Tutu, líder da luta contra o apartheid na
África do Sul, Roger Waters, do Pink Floyd, e outras personalidades conscientes
do que representa Israel, hoje, enquanto país racista e segregacionista,
pediram insistentemente a Caetano Veloso e Gilberto Gil que não tocassem em
Israel neste 28 de julho ou em qualquer outra data, com o objetivo de protestar
contra o massacre dos palestinos e a ocupação dos seus territórios. Na sua
última carta aos dois músicos, em vista da recusa ao apelo e depois de afirmar
que “As políticas coloniais e racistas de Israel têm devastado a vida de
milhões de palestinos”, Roger Waters afirmou que Caetano estaria sendo ingênuo.
Engano de Roger Waters. Caetano sabe bem o que faz, e apoiar o sionismo, ou o
fascismo israelense, é uma maneira de dizer que continua coerente com a sua
trajetória e com o seu pensamento.
O grande erro foi
vaiar Caetano, em 1968, no Festival Internacional da Canção, da TV Globo.
Naquela ocasião, foi dada a ele uma dimensão imerecida. O que desejava Caetano?
Comer margarina, beber Coca-Cola e aprender inglês. E ganhar bem pelo seu
trabalho. Ele queria sucesso. Nada mais que isso. Ele, Gil, Tom Zé e todos
aqueles que se rotularam “Novos Baianos”
eram meros repetidores de uma contracultura que nascera na Europa, se espalhara
pelos Estados Unidos e chegava ao amedrontado Brasil com direito a todas as
drogas, principalmente a ditadura militar.
O grande erro da
ditadura militar foi prender Caetano e Gil, que não foram reconhecidos como aliados
– mas o que esperar de militares? Ou terá sido aquela prisão uma estratégia que
visava dizer, indiretamente, que os dois cantores também eram de esquerda, no
exato momento em que estavam sendo acusados de apoiar os governos ditatoriais?
Depois, um show de despedida “Alô torcida
do Flamengo, aquele abraço!” e um auto-exílio em Londres para aperfeiçoarem
o inglês. “London, London” foi
divulgado em primeira mão pela Rede Globo, que sempre foi do governo, de todos
os governos.
Voltar como dois
ex-exilados foi a glória para Caetano e Gil, recebidos no aeroporto por toda a
imprensa, Gil cantando “Expresso 2222”,
Caetano dizendo que era entendido, muito entendido, os dois fazendo o gênero
sei-lá-não-sei. Voltaram sem qualquer medo dos militares, no início dos anos ’70,
época da guerrilha urbana e da malfadada guerrilha do Araguaia. O Brasil
precisava de música, de novos músicos engajados com... a arte pela arte? Por
que não? Toda ditadura necessita de representantes culturais. É de praxe.
Caetano e Gil eram
mais criativos que aquela turma da bossa nova. Queriam dizer alguma coisa
diferente, que chamavam da tropicália, tropicalismo... Uma tentativa de reviver
a geração de ’22, um Modernismo sem Semana de Arte Moderna, a proposta da anti-proposta
cultural, toda uma nova geração da classe média e pequena burguesia estava
ansiosa por novidades, leves novidades, sutis novidades, nada de briga ou de
contestação. Ao contrário, orações ao Senhor do Bonfim, você precisa disso,
você precisa daquilo, consuma, consuma, mesmo que não entenda nada, nada, nada.
Não é mesmo para entender, porque não há o que entender e esta é a verdadeira
revolução.
“Atenção/Tudo é perigoso/ Tudo é divino maravilhoso.” A burguesia
fede, diria, anos mais tarde, Cazuza, mas, naqueles dias, a burguesia babava-se
com as letras tropicalistas. Belchior tentava retrucar: “Eu sou apenas um rapaz/Latino-Americano/Sem dinheiro no banco/Sem parentes
importantes/E vindo do interior/Mas sei que nada é divino/Nada, nada é
maravilhoso/Nada, nada é secreto/Nada, nada é misterioso, não”. Mas quem
ligava para Belchior e sua voz rouca? Afinal, ele não usava roupas de plástico,
peruca, batom, não rebolava e dizia o que todos sabiam: que ainda somos os
mesmos e vivemos como nossos pais. Além do mais, Belchior não é baiano, mas
cearense.
Belchior sabe que é
latino-americano. Gil e Caetano são baianos, mas gostariam de ser
norte-americanos. Ou ingleses. Na Bahia aconteceram dez revoltas armadas: A
Guerra dos Aimorés (1555-1673), o Levante dos Tupinambás (1617-1621), a
Conjuração Baiana (1798), a Revolução Liberal de 1821, a Federação dos Guaranis
(1832), a Revolta dos Malês (1835), a Sabinada (1837-1838), o Motim da Carne
Sem Osso (1858), a Guerra de Canudos (1896-1897) e o Levante Sertanejo
(1919-1930). Todas foram esmagadas e ocorreram alguns massacres históricos,
como na Guerra de Canudos.
A Revolta dos Malês,
em 1835, foi uma mobilização de escravos de origem muçulmana, em Salvador.
Pertenciam às etnias nagô, hauçá, igbomina e picapó, de religião islâmica e
organizaram-se na tentativa de libertarem os demais escravos muçulmanos. “Malê”
é o termo utilizado para referir-se aos escravos muçulmanos. 180 anos depois,
dois músicos baianos – Caetano Veloso e Gilberto Gil – vão a Israel para cantar
para os opressores dos palestinos muçulmanos. E não por desinformação ou ingenuidade,
como pensou Roger Waters.
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