O
presidente russo, Vladimir Putin, cometeu o que poderia ser chamado de ‘ato
falho’, pelos seus assessores, ao dizer que Lênin foi o responsável pela
destruição da União Soviética. Segundo a agência Interfax, o líder russo disse
que as ações de Lênin tiveram como resultado a destruição do país. A declaração
ocorreu durante uma conversa sobre a poesia de Boris Pasternak, autor de “Doutor
Jivago”, livro que se queixava do regime soviético e que, por essa razão, foi
muito aplaudido no Ocidente, que lhe deu o prêmio Nobel de Literatura, em 1958.
Baseado no livro, Hollywood fez um filme melodramático enfatizando a maldade
dos comunistas revolucionários da Rússia, e o “Tema de Lara” até hoje é entoado
por saudosistas dos bons tempos do czarismo.
Na ocasião, após ser recitado um poema
de Pasternak em que Lênin é mencionado como uma pessoa que podia controlar o
fluxo do seu pensamento, Putin afirmou: “Controlar o fluxo do pensamento é bom,
mas este pensamento deve trazer um resultado correto, e não como fez Vladimir
Ilich (Lênin), porque, como resultado, o seu pensamento levou à queda da União Soviética.
Houve muitas idéias incorretas: a criação de autonomias nacionais, etc. Puseram
uma bomba atômica sob o edifício chamado Rússia e esta, finalmente, explodiu”.
(https://actualidad.rt.com/actualidad/197476-putin-acusa-lenin-caida-union-sovietica).
A revolução bolchevique aconteceu em
1917, a União Soviética foi criada em 1922 e Lênin morreu em 1924. Acusá-lo de
ser o responsável pela dissolução da União Soviética somente revela o grau de distância
intelectual dos atuais dirigentes russos em relação aos revolucionários de
1917. Entre 1918 e 1921 houve uma guerra civil na Rússia, entre os bolcheviques
e os “brancos” czaristas, apoiados por tropas japonesas, holandesas, estadunidenses
e inglesas. Sem a revolução bolchevique liderada por Lênin, a Rússia não seria
hoje uma das três maiores potências mundiais (junto com Estados Unidos e China),
com tecnologia própria e desenvolvimento sustentável. No máximo, acompanharia o
Brasil como mais um satélite dos Estados Unidos. E Putin, se por acaso fosse
presidente dessa suposta Rússia vendida, não passaria de mais um títere
amestrado, estilo Lula “o Cara do Obama”, ou Dilma Roussef.
É certo que a revolução russa cometeu muitos
erros até achar o caminho para o desenvolvimento que levou a Rússia a se
transformar de um país semi-feudal em uma grande potência mundial. Também é
certo que a derrocada da União Soviética, 67 anos após a morte de Lênin,
deveu-se não só à excessiva burocratização da máquina estatal, que emperrou o
processo revolucionário a partir do governo de Kruschev - político grosseiro que
foi apeado do poder devido aos seus erros políticos e econômicos na condução da
União Soviética – como à derrota desmoralizante do exército vermelho na guerra
do Afeganistão (1979-1989) e a conseqüente conspiração do grupo de Mikhail Gorbachev,
presidente que adotou reformas econômicas que levaram a União Soviética ao colapso
que provocaria a sua desintegração.
O fim da União Soviética não teria
acontecido não fosse a atividade anti-soviética de Gorbachev. A diferença entre
Kruschev e Gorbachev é que a Kruschev lhe retiraram o poder antes que ele
completasse o serviço de desmoralização do socialismo soviético, que começou com
a demonização de Stálin. Gorbachev, contra a vontade do povo soviético, desmantelou
a máquina pública, incluindo o partido comunista e o Estado soviético. Devido a
essas “reformas” de Gorbachev, em 2012, o Sindicato dos Cidadãos da Rússia entrou
com um pedido de abertura de processo criminal por alta traição junto ao Comitê
de Investigação da Rússia, contra o ex-presidente.
Dizem que Gorbachev teria sido comprado
para promover o fim da União Soviética – o que não é impossível nem improvável.
Inclusive, Margareth Thatcher, após uma conversa com Gorbachev teria exclamado “Este
é o nosso homem”. Mas a verdadeira traição, testemunhada pelo mundo inteiro,
aconteceu quando Boris Yeltsin foi eleito chefe do Soviete Supremo da Rússia.
Em 17 de março de 1991, houve um referendo a respeito da permanência ou não da
União Soviética. Tudo muito democrático, conforme pede a cartilha liberal.
77,8% do povo soviético votou “Sim”,
aprovando a continuidade da União Soviética. 22,2% foram contra. Mais de 80 milhões
de votos de diferença. O resultado nas diversas repúblicas: Armênia – 71,6% a
favor, 27,2 contra; Azerbaijão – 94,1% a favor, 5,9% contra; Bielo-Rússia – 82,7%
a favor, 17,3% contra; Geórgia – 98,9% a favor, 0,7% contra; Cazaquistão – 95,6%
a favor, 4,4% contra; Quirguistão – 94,5% a favor, 5,5% contra; Estônia – 95% a
favor, 5% contra; Letônia – 95,1% a favor, 4,9% contra; Lituânia – 98,9% a
favor, 0,5% contra; Rússia – 71,3% a favor, 28,7% contra; Tajiquistão – 96,2% a
favor, 3,8% contra; Turcomenistão – 98,3% a favor, 1,7% contra; Ucrânia – 70,2%
a favor, 29,8% contra; Uzbequistão – 94,8% a favor, 5,2% contra. (http://www.culturabolchevique.com/2014/03/los-pueblos-sovieticos-votaron-en.html).
Apesar da decisão do povo em voto livre
e direto pedindo a permanência da União Soviética, alguns meses depois, Yeltsin,
já no cargo de presidente da Rússia, encontrou-se com o presidente da Ucrânia e
com o presidente da Bielo-Rússia (Leonid Kravchuk e Stanislav Shushkiévich,
respectivamente) e com eles firmou o que foi chamado depois de “Tratado de Belaveja”,
documento em que a União Soviética era dissolvida oficialmente.
Essa violência com aparência de
legalidade não teria acontecido sem o apoio das Forças Armadas e do serviço
secreto, a KGB. As duas instituições haviam sido infiltradas com bastante
antecedência, desde a época de Gorbachev, e serviram de sustentáculo ao golpe
que destruiu a União Soviética. Tanto é assim, que o sucessor de Yeltsin foi o então
primeiro-ministro e ex-chefe da KGB, tenente-coronel Vladimir Putin.
Principalmente agora, quando se desenha
uma guerra contra o império, na qual a Rússia poderá assumir notável
protagonismo, não há como negar o empenho e a capacidade de governar de Vladimir
Putin, que reergueu a Rússia destroçada pela gangue de Gorbachev e Yeltsin. No
entanto, declarações que tendem à leviandade e que, por certo, foram ditas em
momento de irreflexão, não podem passar em branco, principalmente quando acusam
injustamente o verdadeiro pai da Rússia moderna – Vladimir Ilich Ulianov – Lênin.
Em matéria anterior, de 24 de novembro
de 2015, intitulada “Putin Entre Lênin e Gorbachev” eu questiono a excessiva
diplomacia do atual governo russo, que, a continuar assim, se deixará envolver
pela política maquiavélica dos Estados Unidos, e coloco: “Putin, até este
momento, ainda não se decidiu se encarna o revolucionário Lênin ou o leniente
Gorbachev”. Após as suas últimas declarações sobre Lênin eu fico me perguntando
se Putin optou por se tornar um novo Gorbachev...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça o seu comentário aqui.