sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

PUTIN PREFERE GORBACHEV?




O presidente russo, Vladimir Putin, cometeu o que poderia ser chamado de ‘ato falho’, pelos seus assessores, ao dizer que Lênin foi o responsável pela destruição da União Soviética. Segundo a agência Interfax, o líder russo disse que as ações de Lênin tiveram como resultado a destruição do país. A declaração ocorreu durante uma conversa sobre a poesia de Boris Pasternak, autor de “Doutor Jivago”, livro que se queixava do regime soviético e que, por essa razão, foi muito aplaudido no Ocidente, que lhe deu o prêmio Nobel de Literatura, em 1958. Baseado no livro, Hollywood fez um filme melodramático enfatizando a maldade dos comunistas revolucionários da Rússia, e o “Tema de Lara” até hoje é entoado por saudosistas dos bons tempos do czarismo.

   Na ocasião, após ser recitado um poema de Pasternak em que Lênin é mencionado como uma pessoa que podia controlar o fluxo do seu pensamento, Putin afirmou: “Controlar o fluxo do pensamento é bom, mas este pensamento deve trazer um resultado correto, e não como fez Vladimir Ilich (Lênin), porque, como resultado, o seu pensamento levou à queda da União Soviética. Houve muitas idéias incorretas: a criação de autonomias nacionais, etc. Puseram uma bomba atômica sob o edifício chamado Rússia e esta, finalmente, explodiu”. (https://actualidad.rt.com/actualidad/197476-putin-acusa-lenin-caida-union-sovietica).

   A revolução bolchevique aconteceu em 1917, a União Soviética foi criada em 1922 e Lênin morreu em 1924. Acusá-lo de ser o responsável pela dissolução da União Soviética somente revela o grau de distância intelectual dos atuais dirigentes russos em relação aos revolucionários de 1917. Entre 1918 e 1921 houve uma guerra civil na Rússia, entre os bolcheviques e os “brancos” czaristas, apoiados por tropas japonesas, holandesas, estadunidenses e inglesas. Sem a revolução bolchevique liderada por Lênin, a Rússia não seria hoje uma das três maiores potências mundiais (junto com Estados Unidos e China), com tecnologia própria e desenvolvimento sustentável. No máximo, acompanharia o Brasil como mais um satélite dos Estados Unidos. E Putin, se por acaso fosse presidente dessa suposta Rússia vendida, não passaria de mais um títere amestrado, estilo Lula “o Cara do Obama”, ou Dilma Roussef.

    É certo que a revolução russa cometeu muitos erros até achar o caminho para o desenvolvimento que levou a Rússia a se transformar de um país semi-feudal em uma grande potência mundial. Também é certo que a derrocada da União Soviética, 67 anos após a morte de Lênin, deveu-se não só à excessiva burocratização da máquina estatal, que emperrou o processo revolucionário a partir do governo de Kruschev - político grosseiro que foi apeado do poder devido aos seus erros políticos e econômicos na condução da União Soviética – como à derrota desmoralizante do exército vermelho na guerra do Afeganistão (1979-1989) e a conseqüente conspiração do grupo de Mikhail Gorbachev, presidente que adotou reformas econômicas que levaram a União Soviética ao colapso que provocaria a sua desintegração.

    O fim da União Soviética não teria acontecido não fosse a atividade anti-soviética de Gorbachev. A diferença entre Kruschev e Gorbachev é que a Kruschev lhe retiraram o poder antes que ele completasse o serviço de desmoralização do socialismo soviético, que começou com a demonização de Stálin. Gorbachev, contra a vontade do povo soviético, desmantelou a máquina pública, incluindo o partido comunista e o Estado soviético. Devido a essas “reformas” de Gorbachev, em 2012, o Sindicato dos Cidadãos da Rússia entrou com um pedido de abertura de processo criminal por alta traição junto ao Comitê de Investigação da Rússia, contra o ex-presidente.

    Dizem que Gorbachev teria sido comprado para promover o fim da União Soviética – o que não é impossível nem improvável. Inclusive, Margareth Thatcher, após uma conversa com Gorbachev teria exclamado “Este é o nosso homem”. Mas a verdadeira traição, testemunhada pelo mundo inteiro, aconteceu quando Boris Yeltsin foi eleito chefe do Soviete Supremo da Rússia. Em 17 de março de 1991, houve um referendo a respeito da permanência ou não da União Soviética. Tudo muito democrático, conforme pede a cartilha liberal.

    77,8% do povo soviético votou “Sim”, aprovando a continuidade da União Soviética. 22,2% foram contra. Mais de 80 milhões de votos de diferença. O resultado nas diversas repúblicas: Armênia – 71,6% a favor, 27,2 contra; Azerbaijão – 94,1% a favor, 5,9% contra; Bielo-Rússia – 82,7% a favor, 17,3% contra; Geórgia – 98,9% a favor, 0,7% contra; Cazaquistão – 95,6% a favor, 4,4% contra; Quirguistão – 94,5% a favor, 5,5% contra; Estônia – 95% a favor, 5% contra; Letônia – 95,1% a favor, 4,9% contra; Lituânia – 98,9% a favor, 0,5% contra; Rússia – 71,3% a favor, 28,7% contra; Tajiquistão – 96,2% a favor, 3,8% contra; Turcomenistão – 98,3% a favor, 1,7% contra; Ucrânia – 70,2% a favor, 29,8% contra; Uzbequistão – 94,8% a favor, 5,2% contra. (http://www.culturabolchevique.com/2014/03/los-pueblos-sovieticos-votaron-en.html).

    Apesar da decisão do povo em voto livre e direto pedindo a permanência da União Soviética, alguns meses depois, Yeltsin, já no cargo de presidente da Rússia, encontrou-se com o presidente da Ucrânia e com o presidente da Bielo-Rússia (Leonid Kravchuk e Stanislav Shushkiévich, respectivamente) e com eles firmou o que foi chamado depois de “Tratado de Belaveja”, documento em que a União Soviética era dissolvida oficialmente.

    Essa violência com aparência de legalidade não teria acontecido sem o apoio das Forças Armadas e do serviço secreto, a KGB. As duas instituições haviam sido infiltradas com bastante antecedência, desde a época de Gorbachev, e serviram de sustentáculo ao golpe que destruiu a União Soviética. Tanto é assim, que o sucessor de Yeltsin foi o então primeiro-ministro e ex-chefe da KGB, tenente-coronel Vladimir Putin.

    Principalmente agora, quando se desenha uma guerra contra o império, na qual a Rússia poderá assumir notável protagonismo, não há como negar o empenho e a capacidade de governar de Vladimir Putin, que reergueu a Rússia destroçada pela gangue de Gorbachev e Yeltsin. No entanto, declarações que tendem à leviandade e que, por certo, foram ditas em momento de irreflexão, não podem passar em branco, principalmente quando acusam injustamente o verdadeiro pai da Rússia moderna – Vladimir Ilich Ulianov – Lênin.  

     Em matéria anterior, de 24 de novembro de 2015, intitulada “Putin Entre Lênin e Gorbachev” eu questiono a excessiva diplomacia do atual governo russo, que, a continuar assim, se deixará envolver pela política maquiavélica dos Estados Unidos, e coloco: “Putin, até este momento, ainda não se decidiu se encarna o revolucionário Lênin ou o leniente Gorbachev”. Após as suas últimas declarações sobre Lênin eu fico me perguntando se Putin optou por se tornar um novo Gorbachev...

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