"Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro, e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia. A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos, numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa.
"Acrescente-se na fraqueza dos amigos que não defenderam, nas posições que ocupavam, à felonia de hipócritas e traidores a quem beneficiei com honras e mercês, à insensibilidade moral de sicários que entreguei à Justiça, contribuindo todos para criar um falso ambiente na opinião pública do país contra a minha pessoa.
"Se a simples renúncia aos posto a que fui levado pelo sufrágio do povo me permitisse viver tranquilo e esquecido no chão da pátria, de bom grado renunciaria. Mas tal renúncia daria apenas desejo para, com mais fúria, perseguirem-me e humilharem-me. Querem destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas.
"Velho e cansado, preferi prestar contas ao Senhor, não dos crimes que não cometi, mas de poderosos interesses que contrariei, ora porque se opunham aos próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e humildes. Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o sangue dum inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus.
Agradeço aos que de perto ou de longe me trouxeram o conforto de sua amizade. A resposta do povo virá mais tarde..."
(Carta manuscrita de Getúlio Vargas, divulgada em 1967 por sua filha Alzira Vargas, através da revista O Cruzeiro).
Enganava-se Getúlio Vargas: a resposta do povo foi o silêncio dos medrosos. Dez anos após a sua morte, em 1964, quando o golpe se concretizou com a deposição de João Goulart, o povo continuava solitário e desarmado. A revolução brasileira, anunciada por tantos intelectuais, hoje fisiológicos ao poder, não é uma revolução e sim burla. Não se pode vencer militares vendidos à ideologia do capital e da exploração com um povo idiotizado e suspeitas eleições em urnas virtuais.
Os militares tomaram o poder em 1945, depondo Getúlio ao final da 2ª Guerra Mundial, da qual participaram ouvindo e obedecendo as ordens do império que então se formava e planejava um Brasil obediente com o apoio dos vassalos fardados e armados. 1964 foi apenas o referendo do golpe de 1945, da tentativa de ultraje à Constituição que levou Getúlio ao suicídio em 24 de agosto de 1954 e do ensaio golpista de 1962.
A redemocratização em 1989 foi uma farsa que se tornou evidente com a morte de Tancredo no dia anterior à sua posse como Presidente, no governo de Sarney e na sequência de Presidentes inermes e abastardados pela pressão militar dos bastidores.
Só houve um Presidente realmente corajoso e que desejava um Brasil independente e livre: Getúlio Vargas. Até hoje as aves de rapina saboreiam o seu sangue.
O escritor Paulo Monteiro, membro da Academia Passofundense de Letras e da Academia Literária Gaúcha, em seu artigo "Atualidade da Carta-Testamento de Getúlio", escreve, referindo-se às "aves de rapina":
"É interessante o fato de que Vargas usa a expressão "aves de rapina" para caracterizar os inimigos do povo brasileiro. Não é mera coincidência, pois o mais ferrenho inimigo do então Presidente da República chamava-se Carlos Lacerda. E era conhecido como "Corvo", nome popular dado a uma ave de rapina, o carniceiro urubu.
"Carlos Lacerda era um renegado comunista, como tantos ex-comunistas que hoje governam o Brasil, que se vendeu aos "grupos econômicos e financeiros internacionais" aliados aos "grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho". Isso fica patente quando vemos as mudanças colocadas em prática recentemente na política salarial e previdenciária e denúncias ligando altos dignitários político-partidários com organizações criminosas e elementos facinorosos.
"Por isso, a atualidade da "Carta-Testamento", a confissão de um homem, que mesmo gerado no seio das elites nacionais foi cada vez mais se identificando com as camadas marginalizadas da população, ao contrário de muitos que, nascidos do ventre mais miserável da população brasileira, cada vez mais se identificam com "as forças e os interesses contra o povo"."
"Povo que não tem virtude acaba por ser escravo" - diz parte da letra do hino da República Rio-Grandense. O povo brasileiro assumiu a preguiça mental e física e a covardia que está se tornando congênita. Luta somente nos campos de futebol e adora dançar. Não todo o povo. Os muito pobres servem de exercício de tiro para o exército que adora invadir favelas. Criminaliza-se a pobreza e mata-se impunemente. Enquanto isso, os juízes discutem no grande tribunal dos enfastiados.
"Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim.
"Não me acusam, insultam, não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. À campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se a dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A Lei de Lucros Extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional, a potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás. Mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
"Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.
"Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo para defender o povo, que agora se queda desamparado. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
"Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia, não abateram o meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte, nada receio. Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história."
(Carta-Testamento de Getúlio Vargas).
Saudades de Getúlio Vargas quando observo o povo brasileiro como um todo. Dói na alma a iniqüidade, o descaso e principalmente a submissão ao capital. Parabéns! Ótima matéria e respectivas análises.
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