Preocupado com as
mudanças que estão sendo feitas na nossa língua, que perde, aos poucos, o
sabor, remendada com gírias formadas em morros cariocas, desertos nordestinos,
festas sertanejas paulistas e mineiras, e também nas escolas de todo o país onde
uma exótica educação fonética é passada para jovens internautas imersos em
brinquedos eletrônicos e balbuciando uma novilíngua autorizada por seres
especializados em sabotagem vocabular, dados a acordos de destruição ortográfica
e todo o apoio ao falar minguado, mínimo, gaguejante, da manipulável massa
informe de eleitores; seres que, se deixarmos, refletirão a sua aculturada
mentalidade anglófila colocando definitivamente um “z” no lugar do “s” de
Brasil, porque, afinal, é assim que se diz, com som de “z”: Brazil com “z” ou
Zé, tão propício aos negócios com outros povos que não entendem o “s” entre
duas vogais, povos bárbaros que usam linguagem binária em suas sintéticas
comunicações; prestigiados piratas que fizeram da pirataria a sua razão de ser
e possuem todo o dinheiro do mundo para comprar toda a madeira da Amazônia e todo
o gado e todos os políticos e todos os insumos agricultáveis e toda a nossa
pobreza mental e física, prostituída em férteis terras d’além-mar e toda a
nossa cultura para ser jogada no lixo e substituída por chiados robotizados e
musicalidade lacrimejante e pútrida, e preferem o português brasileiro
rasamente simplificado, a língua codificada em verbos indeclináveis, o fim da
acentuação tônica, porque mais que o ‘yes-no-question’, o ‘pega-lá-da-cá’, o ‘qual
é o teu preço’ é demasiado para essas pessoas tão necessitadas de açambarcar o
mundo para saciar a sua fome de poder e glória, resolvi entrar para um ou dois
grupos virtuais de Portugal que protestam contra o Acordo Ortográfico, também
chamado de AO90 ou o desacordo que propõe o discordês, provável mutação do
dilmês ou do lulês, quem sabe do cardosês, e constatei que em Portugal, ao
contrário destas terras onde tudo dá, muitos portugueses estão em consciente
vigília.
Pois. Indignados,
verberam contra o AO90, pressionam céus e terras, principalmente terras, a sua
terra, apoquentam os eleitos e corruptíveis donos daquele país que está sendo
levado à bancarrota ou a uma rota de amizade com os banqueiros internacionais,
preterindo o povo que nada sabe de acordos, mas de fome e desemprego, assim
como na Grécia, Itália, Espanha, Irlanda – onde mais? Brasil? -, e, nesses
grupos, reúnem-se os que se sentem ofendidos, despeitados, desrespeitados,
posto que a ortografia não deve ser mudada à força devido aos interesses
comerciais, a leis estéreis e artificiais, mas sofre ligeiras modificações no decorrer
dos séculos, adaptando-se ao costume dos povos, assim como do espanhol derivou
o português e suas alterações, diferenças, semelhanças e dessemelhanças
ocorreram naturalmente nas ex-colônias da nação que conquistou grande parte do
mundo com armas e barões assinalados, que, a partir da ocidental praia lusitana
– como diz o vate, o bardo, o poeta maior da língua que ofendemos com ameaças
de destruição – disseminou hábitos e fecundou culturas com o idioma ainda a
tomar forma, a encontrar os corretos vocábulos, a buscar expressão em frases
conexas, o castiço vernáculo anunciando-se gramaticalmente, eruditos a
esquadrinhar a adequada morfologia, a inquirir do discurso a sintaxe perfeita
na tentativa da ortodoxia dos dicionários – último limite aos barbarismos, à
errada grafia, aos vícios de linguagem, às invasões semânticas, aos truísmos, às
dúvidas da prosódia.
Nas ex-colônias
portuguesas, como Moçambique, Angola, Brasil, Cabo Verde, Açores, Guiné-Bissau,
Timor Leste, Ceuta, São Tomé e Príncipe, Tanger, Ilhas Canárias, Ilhas de Santa
Helena e Macau, a língua portuguesa disseminou-se e se impôs, graciosa e bela,
imperialista e soberba, e mesmo depois das guerras de libertação e de independência
permaneceu como a lembrar o último resquício luso em terras invadidas, a
derradeira herança a nações que foram obrigadas a esquecer os dialetos nativos,
tão nativos e impróprios para povos civilizados, e em cada um dos lugares
libertos fisicamente reina a soberana língua como déspota esclarecida,
permitindo a introdução de variações, mas sempre resguardando a hermenêutica
pureza que permite a perfeita comunicação, apesar dos ataques eventuais de
insidiosos sotaques caipiras.
Eis quê! Lá pela
década de 1990, sábios muito sábios de Portugal, Brasil e alhures reuniram-se
para tentar a uniformidade da língua escrita e consideraram imprescindível que
os oito países (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal
e São Tomé e Príncipe) membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP) estabelecessem um acordo ortográfico, alegando razões pedagógicas e de
comunicação entre os países lusófonos; para isso, sacrifica-se a etimologia em
favor do critério fonético como a dizer que a língua organizada deve obedecer
aos sons e não à estrutura etimológica em gigantesco salto em busca da
linguagem primitiva, babélica e disforme, e cá no Brasil, terra do é dando que
se recebe, aproveitando a carona do retrocesso cultural, doutos membros dos ministérios
da Educação e da Cultura e talvez de outros ministérios menos cultos e
educativos e, quem sabe, ancorados em opiniões ululadas no Palácio do Planalto,
lugar onde inteligentes criaturas usam um falar taquigráfico, pretendem que o português
vulgar – curiosa língua que vem sendo criada na terra onde quase ninguém lê ou
estuda – seja considerado correto, uma vez que é tartamudeado pela imensa
maioria do povo e a democracia estipula que a maioria deve mandar, mesmo quando
está errada, e essa maneira de pensar prevê que a quantidade é superior à
qualidade e se grande número de pessoas fala e escreve mal e, mesmo assim,
consegue se expressar sem grandes impedimentos, o errado passa a ser o certo e
estamos conversados.
Em defesa do Acordo
Ortográfico, muitos intelectuais fisiológicos afirmam que se trata da evolução
da língua que deve ser ratificada através das letras que a traduzem, o que, por
certo, não respeita a verdade, pois não se pode considerar como evolução a
destruição do sistema de ensino ou o curvar-se do Governo à ignorância
generalizada ao ponto de prescrever que o assim denominado “português vulgar” –
uma forma cibernética de falar e expressar, resultado de gírias, anglicismos e
palavras de baixo calão – deve ficar no mesmo nível do que apelidaram de “português
culto”, que nada mais é que a tentativa de falar e escrever corretamente, o que
se torna cada vez mais difícil, visto que a massificação passa necessariamente
pela midiatização do povo, pela alienação das pessoas e pela degeneração dos valores
culturais, mas há aqueles que preferem aceitar passivamente todas as barbáries
e todas as leis, mesmo as mais controversas e ridículas, e vemos que o AO90
promulgado por decreto é uma imposição dos governos interessados e não uma
conseqüência da natural mutação da língua, o que pode ocorrer a cada século com
uma ou duas palavras ou pouco mais, e é sabido que toda prescrição cultural
exibe indícios de fascismo e nenhum povo pode ser considerado verdadeiramente
livre quando até a ortografia da sua língua é resultado de cominação e coerção
social.
Coerção, e não coesão
ortográfica, como os arautos da escatologia da linguagem pretendem passar ao
iludido povo alucinado por futebol e que tudo aceita, desde que receba a sua
dose diária de samba, malandragem e planejada desinformação; e, na dúvida, que
muitos chamam de atroz como se fosse de urgência as calmas e católicas
certezas; na dúvida, mãe da transformadora dialética, entrei em contato com
portugueses que se sentem usurpados em seu direito natural de autores e
guardiães da língua, lutando para que o AO90 seja revogado ou, pelo menos, que
grande número de pessoas não use as novas regras do desacordo, assim como faço
neste blog, e nessas conversas percebi que estamos unidos no mesmo objetivo e,
ironicamente, desejando a retificação do discordês para que possamos continuar
a escrever de maneira diferente palavras da mesma língua.
O que é sumamente
agradável, mesmo que haja suave divergência sobre a apropriada forma de grafar
certas palavras ou de usar ou não determinados acentos tônicos, mas uma única língua
falada e escrita por povos de diferentes heranças culturais sofrerá inevitáveis
modificações que não podem ser retificadas à força, por decreto; ao contrário,
obedecer-se a peculiaridades fonéticas e léxicas de nações distintas sem que a
língua-raiz seja prejudicada em sua principal função, qual seja a de promover a
compreensão respeitando a diversidade de expressão ortográfica, é o que
consiste, de fa(c)to, em verdadeira democracia, embora os doutores da lei,
imbuídos de majestática infalibilidade, acreditem que somente a eles cabe
designar a obrigatória verdade, e o pior – se há algo pior em todo este imbróglio
provocado pelo desnecessário AO90 – é a exploração demagógica, caso típico do
governo brasileiro ao promover, incentivar e vulgarizar o erro com evidentes
objetivos eleitoreiros, deixando claro que a divisão entre classes sociais
também acontece na ortografia.
E se nada mais nos resta, além de protestar - protestemos, ora pois!
E tudo isso para depois recuarem, como já aconteceu em tentativas anteriores de acordos ortográficos. Quem perde é o povo e isso já se começou a notar em larga escala no Brasil e em Portugal, com as mixórdias "acordistas" que se vêem diariamente na TV e jornais, vulgo média. Muito bom artigo e deveras esclarecedor do que se passa nesse lado da batalha. Bem haja.
ResponderExcluirParabéns pela matéria que tão bem passa os porquês e contradições do novo Acordo Ortográfico firmado por decreto entre Brasil, Portugal e demais países onde é falada a língua portuguesa.
ResponderExcluirGostei. Unidos no mesmo objectivo. As grafias que existem estão perfeitamente adaptadas aos modos de cada qual. As consequências no caos ortográfico instalado em Portugal têm sido imensas, com reflexos indutores de alteração na pronúncia de vários vocábulos (os tugas "receção", "deceção", "conceção", por exemplo), maleita prevista ante rem por linguistas, sendo que a realidade ultrapassou as mais pessimistas previsões. Portugal deveria até recuperar o trema, que o Brasil ciosamente guardou — e fez falta, porquanto eta falta alterou pronúncias e suscitou confusões (na pronúncia de "sequestro", por exemplo),
ResponderExcluirMas tiro o chapéu à classe política brasileira, que na matéria está a pedir meças à portuguesa: aquela, com as movimentações de pessoas como os Senadores Ana Amélia Lemos e Cyro Miranda; esta, ignobilmente na sua generalidade a ignorar olimpicamente os sinais de alarme, as denúncias de que o acordês até influencia negativamente a aprendizagem de outras línguas (aparecem formas como "diretion", "rececion" em pseudo-inglês, por exemplo), continuam quase todos a assobiar para o lado, repetindo o mantra "está tudo bem, está tudo bem", a acreditar nos amanhãs que cantam da lusofonia, e outros (lol) à espera de sinais do Brasil.
Tenho mais esperanças que o Brasil deixe cair primeiro o dito, ou que suscite uma coisa nova (tão ou mais daninha como o AO90), isto caso as teses de Ernâni Pimentel triunfem nos círculos senatoriais, do que os políticos portugueses voltem a utilizar o cérebro ao qual decidiram congelar criogenicamente e a envergar o trajo da honra e da decência, começando por reconhecer "errámos, emendemos a mão".
Gostei. Unidos no mesmo objectivo. As grafias que existem estão perfeitamente adaptadas aos modos de cada qual. As consequências no caos ortográfico instalado em Portugal têm sido imensas, com reflexos indutores de alteração na pronúncia de vários vocábulos (os tugas "receção", "deceção", "conceção", por exemplo), maleita prevista ante rem por linguistas, sendo que a realidade ultrapassou as mais pessimistas previsões. Portugal deveria até recuperar o trema, que o Brasil ciosamente guardou — e fez falta, porquanto eta falta alterou pronúncias e suscitou confusões (na pronúncia de "sequestro", por exemplo),
ResponderExcluirMas tiro o chapéu à classe política brasileira, que na matéria está a pedir meças à portuguesa: aquela, com as movimentações de pessoas como os Senadores Ana Amélia Lemos e Cyro Miranda; esta, ignobilmente na sua generalidade a ignorar olimpicamente os sinais de alarme, as denúncias de que o acordês até influencia negativamente a aprendizagem de outras línguas (aparecem formas como "diretion", "rececion" em pseudo-inglês, por exemplo), continuam quase todos a assobiar para o lado, repetindo o mantra "está tudo bem, está tudo bem", a acreditar nos amanhãs que cantam da lusofonia, e outros (lol) à espera de sinais do Brasil.
Tenho mais esperanças que o Brasil deixe cair primeiro o dito, ou que suscite uma coisa nova (tão ou mais daninha como o AO90), isto caso as teses de Ernâni Pimentel triunfem nos círculos senatoriais, do que os políticos portugueses voltem a utilizar o cérebro ao qual decidiram congelar criogenicamente e a envergar o trajo da honra e da decência, começando por reconhecer "errámos, emendemos a mão".
Levei tempo para me posicionar. Até ter que revisar o meu livro de novo e descobrir que a comunidade portuguesa não quer e não vai aderir a esse acordo. Vai acontecer o pior. Por insegurança, vamos misturar tudo!
ResponderExcluirExcelente texto de um Homem lúcido que sabe que o Acordo Ortográfico de 1990, que governantes insensatos querem impingir aos povos lusófonos, não serve a Lusofonia.
ResponderExcluirParabéns ao Fausto Brignol.