domingo, 4 de janeiro de 2015

A QUADRILHA E O ASSASSINATO DE CELSO DANIEL




Os brasileiros mais atentos estão “estarrecidos” (como diria a Dilma) com a recente anulação do processo sobre a morte do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, assassinado em 2002. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal acolheu um pedido para anular o processo, com base em divergências entre o Ministério Público, que apontava motivação política, e a polícia civil, que afirmou que foi um crime comum. Embora essa decisão do STF não extinga outra ação penal que está respondendo Sérgio Sombra (o único beneficiado com a decisão, por enquanto), todos os procedimentos realizados durante o curso da ação, desde 2003, ficaram anulados, incluindo depoimentos de testemunhas, perícias, interrogatórios e sustentações orais dos advogados e promotores.

   A ação contra Sombra deverá ser refeita desde a fase dos interrogatórios, em 2003. Não é a primeira vez que isso acontece no caso do assassinato de Celso Daniel, onde o Partido dos Trabalhadores é suspeito de ser o mandante do crime, que teria sido urdido por Sérgio Sombra a pedido de líderes partidários.

   O assassinato de Celso Daniel ocorreu em janeiro de 2002. Celso Daniel e seu assessor e segurança Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, jantaram em um restaurante de São Paulo, na noite de 18/01/2002. Na volta para Santo André foram seguidos por três carros, a partir da Vila das Mercês, zona sul de São Paulo, um caminho não usual para se chegar a Santo André. O carro onde estava o prefeito era dirigido por Sombra e, mesmo sendo blindado, parou depois de ser alvejado. Celso Daniel foi obrigado a entrar em outro carro, enquanto Sombra era deixado em liberdade, armado e com telefone celular. No dia 20, o corpo do prefeito foi encontrado em uma estrada de Juquitiba, alvejado com onze tiros (outras versões afirmam que foram 13 tiros) e marcas de tortura. 

   Afirma o Ministério Público que Celso Daniel descobrira um esquema de corrupção na Prefeitura de Santo André para financiar campanhas do PT, envolvendo empresários do setor de transporte e integrantes do governo municipal. Os políticos favoreceriam determinadas empresas em troca de propinas mensais. O dinheiro iria para uma “Caixa 2” do PT. Celso Daniel estaria disposto a revelar um dossiê (que teria desaparecido após o assassinato) contendo todo o esquema de corrupção, incluindo nomes dos políticos envolvidos. Por esta razão, membros do PT teriam ordenado a morte do prefeito, e o seqüestro seria uma desculpa para caracterizar crime comum. As torturas que precederam o assassinato de Celso Daniel provavelmente tinham como objetivo descobrir onde o ex-prefeito guardara o dossiê. 

   Após a morte de Celso Daniel, sete testemunhas foram assassinadas, incluindo o agente funerário e o legista que atestou marcas de tortura no cadáver. Em agosto de 2010, a promotora Eliana Vendramini, responsável pela denúncia que apura o assassinato de Celso Daniel, teve o seu carro atingido repetidas vezes por outro automóvel, fazendo com que capotasse três vezes. Salva pelo air-bag e pela blindagem do carro, a promotora sofreu leves escoriações. 

    O site “247” (http://www.brasil247.com), em 18 de janeiro de 2012 publicou matéria de Claudio Julio Tognolli, onde o ex-juiz João Carlos da Rocha Mattos é entrevistado sobre o caso Celso Daniel. Rocha Mattos, com 62 anos de idade na época da entrevista, em 2011, até então tinha sido o único réu preso no caso do assassinato do ex-prefeito de Santo André. A razão, segundo ele: estava de posse de fitas comprometedoras, que a Polícia Federal teria editado e apagado. Na entrevista (http://www.brasil247.com/pt/247/poder/1216/Exclusivo-Rocha-Matttos-reabre-caso-Celso-Daniel.htm) Rocha Mattos afirma que a Polícia Federal não é independente do governo, mas sim “uma polícia do governo, ela é comandada pelo Presidente da República e pelo Ministro da Justiça”. As “fitas comprometedoras” sobre o caso Celso Daniel, que foram apagadas e editadas, segundo Rocha Mattos, pela Polícia Federal, podem ser ouvidas no site “247”, enquanto não forem censuradas ou “hackeadas”, neste endereço: http://www.brasil247.com/pt/247/poder/36280/Vozes-do-além-as-fitas-do-caso-Celso-Daniel 

   Nas gravações aparece o nome de Gilberto Carvalho, que exercia cargo de Secretario de Governo na prefeitura de Santo André, na época do assassinato. Segundo a deputada Mara Gabrilli, ele era conhecido como “o homem do carro preto”, aquele que fazia a coleta das propinas para o PT junto aos empresários. Gilberto Carvalho é considerado um dos homens mais poderosos do Brasil. Foi Chefe de Gabinete de Lula e Secretario Geral da Presidência, durante o primeiro mandato de Dilma. Sabe tudo o que acontece dentro do PT e do Governo. 

   Recentemente deixou de ser ministro, talvez para poupar a imagem da Presidente ou para se auto-preservar de possíveis lembranças quando do caso Celso Daniel. Ao entregar o ministério para seu sucessor, Miguel Rosseto, Gilberto Carvalho repetiu a frase: “Não somos ladrões!” Acrescentou: “A quem diz que perdeu as eleições para uma quadrilha, quero responder que é essa a nossa quadrilha. Para eles, pobre é quadrilha, essa é a quadrilha dos pobres, que foram injustamente vencidos na história, que foram o tempo todo marginalizados e agora estão sendo tratados minimamente com dignidade. Com muito orgulho quero dizer que pertenço a essa quadrilha e vamos continuar mudando o país”. 

   Provavelmente os pobres, que são mais de 6 milhões no Brasil, não sabem que estão sendo supostamente amparados, em sua pobreza que rende votos, por uma quadrilha, à qual Gilberto Carvalho confessou pertencer. A confissão de Gilberto Carvalho faz parte da desesperada manobra do PT, que tenta lançar as camadas mais pobres da população contra os seus adversários políticos que denunciam a escancarada roubalheira na Petrobras. Sem contar o Mensalão e outros escândalos que o partido governista tenta acobertar. 

     Um deles, talvez o mais sério porque implica em assassinatos, é o caso Celso Daniel. Outra versão a respeito é a de João Francisco Daniel, que afirma que Celso Daniel sabia do esquema de corrupção que envolvia, inclusive, José Dirceu. Conta o irmão do ex-prefeito que algumas pessoas começaram a desviar para suas contas pessoais o dinheiro que já era desviado ilegalmente para o PT, e Celso Daniel descobriu e preparou um dossiê, que sumiu após o seu assassinato. Em 2012, Marcos Valério, operador do Mensalão, afirmou à Procuradoria que o ex-presidente Lula e o ex-ministro Gilberto Carvalho estavam sendo extorquidos por um criminoso envolvido no caso Celso Daniel. 

    O que mais chamou a atenção foi o fato de membros do PT, como Gilberto Carvalho e José Dirceu, em todos os momentos defenderem a tese do crime comum. Não se preocuparam em examinar outras hipóteses e contaram com o apoio da Polícia Civil de São Paulo - na época sob governo do PSDB - que defendeu a mesma tese. Não seria a primeira vez que PT e PSDB trocariam favores. Os dois partidos que hoje se anunciam opositores, na verdade são complementares e tem grande interesse em transformar o prisma político-partidário brasileiro em somente duas únicas vertentes políticas (a exemplo dos Estados Unidos, com Conservadores e Democratas) que se revezariam no poder, eternizando o mesmo projeto capitalista. 

     Tanto é assim, que Lula (e, posteriormente, Dilma) deu continuidade à política aliancista e entreguista de Fernando Henrique Cardoso, embora tenha aprofundado o discurso demagógico. É risível observar que petistas se desculpam dos roubos dizendo que o pessoal do PSDB também roubou - o que significa, apenas, que seguiram o exemplo, roubando muito mais “em nome dos pobres”. 

    Roubar e assassinar. O móvel do crime, de acordo com o Ministério Público seria o roubo descoberto por Celso Daniel, que se dispunha a tornar público em um famoso dossiê que sumiu. Quem também sumiu, com medo de ser assassinado, foi o engenheiro e professor de economia Bruno Daniel, o outro irmão de Celso Daniel. Depois de sofrer seguidas ameaças de morte, passou quase seis anos na França. Ele pertencia ao PT e não acreditava na hipótese de crime comum. 

    De acordo com Bruno Daniel e com o Ministério Público, Celso Daniel foi assassinado sob encomenda do PT, ou de alguns dos seus membros. Elementos pertencentes à organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) teriam sido contratados para efetuar o assassinato. Alguns deles já estão presos, e insistem que foi um crime comum; outros, que sabiam mais, foram assassinados. Sérgio Sombra, o provável mentor intelectual do crime, está solto. Estão soltos também aqueles que induziram Sérgio Sombra a organizar o assassinato. 

    O processo do assassinato de Celso Daniel foi anulado, a pedido do advogado de Sombra, sob a alegação de que a defesa não pode fazer questionamentos aos outros réus e que haveria um conflito entre a versão da Polícia Civil e a do Ministério Público. Dos sete réus do processo, seis já estão condenados, prevalecendo a tese do Ministério Público de que houve “crime de mando”. Os seis são bandidos comuns, que teriam sido contratados para matar Celso Daniel. Restava Sérgio Sombra, acusado de ser o mandante. Foi solto porque Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli acolheram o pedido da defesa, enquanto Luís Barroso e Rosa Weber não admitiram o habeas corpus. O ministro Luís Fux, que foi indicado para a Corte com o apoio de Antonio Palloci e dos réus do Mensalão, omitiu-se de votar, permanecendo ausente da sessão. Com o empate, prevaleceu a defesa. 

   E prevaleceu a impunidade, novamente. A dependência subserviente do Judiciário e do Legislativo ao poder Executivo enseja a prática de crimes políticos, remete a Justiça ao banco dos réus da opinião pública e torna a palavra “político” sinônimo de criminoso. Todo o processo do assassinato de Celso Daniel terá de ser refeito a partir da fase de interrogatórios, e alguém duvida que a impunidade continuará a prevalecer? Vivemos em uma ditadura “branca” civil, que sucedeu dignamente a ditadura militar em prepotência, roubos e assassinatos. Quando Gilberto Carvalho disse “Não somos ladrões” deveria ter acrescentado “Não somos assassinos”. Seria mais coerente.

Um comentário:

  1. Matéria de cunho investigativo e muito bem embasada. Boa lembrança, Blogueiro, pois este País não tem memória ou nos quer desmemoriados. Parabéns!

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