domingo, 25 de janeiro de 2015

SEU CHICO, NICOLAU I E O PAÍS DO FAZ-DE-CONTA





- Seu Chico, o senhor já ouviu falar no imperador Nicolau I? 

- Assim-assim não dá pra lembrar, esse menino, mas imperador é que não faltou na Europa. 

- Não é europeu, seu Chico, é aqui dos pampas. 

- Mas não me diga! E quem seria esse imperador dos pampas? 

- Nicolau Nheenguiru. 

- O chefe guarani que deu combate aos mamelucos e espanhóis? 

- Esse mesmo. 

- Me conte essa novidade. 

- Lhe conto. Pois eu estava lendo um livro sobre a história de Bagé e entre umas e outras coisas me deparo com a afirmação de que Nicolau Nheenguiru – que no livro é chamado de Lenguiru – se autodenominou Nicolau I, imperador dos guaranis, pois o autor, Eurico Salis, afirma que os guaranis eram imperialistas, formavam um império. 

- Mas olha só!... E eu que acreditava que a República Guarani foi uma república, como o nome está dizendo e como afirma Clóvis Lugon no seu livro que trata especificamente dos guaranis. E agora essa... Mas então era um império? 

- Pois é. E tem mais. Fiquei sabendo que aqui em Bagé era uma redução guarani. Redução que durou pouco tempo, porque não existiam índios guaranis nesta região, que era povoada por guenoas, charruas, minuanos... Índios nômades que foram todos assassinados. O senhor conhece algum índio guenoa, minuano ou charrua, seu Chico? 

- Só de ouvir falar. Mataram todos. Não restou nem um pra remédio. Um verdadeiro genocídio! Mas esse autor cita as fontes? 

- Ele diz lá que tem os seus documentos particulares. Fala até de dois padres jesuítas que teriam vindo pra cá lá de Buenos Aires, veja só a distância! - especialmente para fundar essa redução que não deu certo. 

- Mas não é de espantar? Então eram dois padres meio desgarrados. Os outros padres que fundaram as verdadeiras reduções guaraníticas tinham como apoio o vice-rei de Assunção, no Paraguai, e fizeram as reduções, também chamadas de Missões, para tentar salvar os guaranis da sanha escravagista dos mamelucos de São Paulo. O senhor deve saber que todas aquelas entradas e bandeiras eram para caçar índios, que eram vendidos a peso de ouro para os latifundiários. É claro que os historiadores oficiais enfeitaram a coisa escrevendo que os bravos bandeirantes estavam atrás de ouro e pedras preciosas. Na verdade, eram escravagistas. A pior espécie de gente! 

- Ensinam tudo errado para as crianças, seu Chico. 

- Um erro fabricado, o senhor há de convir. Fizeram de bandidos - como João Ramalho, Raposo Tavares, Fernão Dias Paes Leme –, heróis. A História é fabricada de acordo com os interesses dos donos do poder e a história da escravidão indígena é pura mentira! Eu fico indignado só de pensar no que aconteceu. Sabe qual é a desculpa que dão para as crianças de escola, e para outros que não são tão crianças assim? Pois dizem que graças aos bandeirantes os portugueses aumentaram o Brasil devido ao desbravamento de novas terras que seriam dos espanhóis. Mas não é o mesmo que justificar o assassinato pelo roubo? E passam subliminarmente para esses alunos que recém estão formando a sua personalidade a idéia de que é justo matar para roubar. Sem contar o racismo: dão a entender que os indígenas eram inferiores aos brancos e mereciam ser mortos e escravizados. 

- Pois esse autor, que já morreu e escreveu um livro bem interessante, principalmente devido às fotografias, acreditava ou queria acreditar que os indígenas eram imperialistas e até deu o título de Nicolau I para o Nheenguiru. 

- Quanto ao título deve ter sido imaginação, por supuesto. Mas não é de descartar que ele tenha sido influenciado pela propaganda paulista. Todo sistema político, por mais podre que seja, tem os seus defensores e até ideólogos. Recentemente eu li um livro sobre história do Brasil, escrito pelo Eduardo Bueno. “Li” é força de expressão, porque me decepcionei quando chegou justamente nas Missões dos guaranis, que ele passa por alto ou se omite da denúncia. Os guaranis foram criteriosamente massacrados durante séculos, e o que resta da nação guarani está no Paraguai ou morrendo pelos cantos em pequenas reservas que são uma vergonha. 

- Eu acho que se ficarem no Brasil eles correm o perigo de extinção, seu Chico. A política indigenista do Governo é a pior possível. 

- Principalmente agora que a Dilma obedece a tudo que os donos das terras disserem e fizerem. Nunca vi um governo tão reacionário no Brasil! Nem tão entreguista. E quem sofre mais com isso são os mais pobres, os índios, com as suas terras sendo tomadas pelos ruralistas e companhias mineradoras. A mentalidade é a mesma da época do Brasil colônia. 

- E a escravidão indígena continua, seu Chico. Já foram descobertos casos de trabalho análogo à escravidão aqui mesmo, no Rio Grande – em Itaimbezinho e Bom Jesus. E no Mato Grosso do Sul todos sabem que existe escravidão indígena e ninguém faz nada a respeito. 

- Mas este não é o país do faz-de-conta, esse menino? Faz de conta que não há desmatamento, faz de conta que vivemos em uma democracia, faz de conta que existe paz e liberdade, faz de conta que há justiça social, faz de conta que não temos inflação – e até faz de conta que aqui se joga o melhor futebol do mundo. Também faz de conta que não há escravidão, faz de conta que a usina de Belo Monte vai trazer progresso e não devastação ambiental e faz de conta que não estão nos roubando diariamente. O país do faz-de-conta é um país de fantasia, que só existe como realidade para uma turma de corruptos, e para o povo continua sendo o país do futuro. Falta sangue neste povo! 

- Sangue, seu Chico? 

- Sangue, força, bravura, destemor. É um povo anestesiado, cheio de melindres, com medo de tudo. 

- E os que não se melindram são perseguidos de uma maneira ou de outra, seu Chico. Perdem emprego... 

- Mas não é preferível lutar que ficar parado, gemendo e se queixando? Quando é que os brasileiros vão aprender a ser gente, como outros povos que vão pra rua ao primeiro sinal de despotismo?

Um comentário:

  1. S.Chico, como sempre, enxergando longe, e desmitificando a história oficial e suas mentiras Excelente matéria !

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