Em um
desses programas de rádio tendendo ao humorismo, ouvi, em minha cidade, que
agora sim o terrorismo seria combatido. Pela França, na Síria. A mesma pessoa,
ou outra – porque são três a se revezarem nos chistes –, “informou” que a
Rússia se limitava a bombardear os curdos, embora ela não soubesse explicar
quem ou o que são os curdos. Surpreso, entre um mate e outro prestei mais
atenção e fiquei sabendo que as fontes de informação desses, por assim dizer,
jornalistas, limitam-se à Globo, Estado de São Paulo, revista Veja, Folha de
São Paulo e correlatos, como Zero Hora & Cia. Então entendi o porque de
tanta desinformação – embora não seja perdoável que jornalistas, por mais
supostos que sejam, não corroborem suas informações com fontes alternativas,
mesmo morando no que já foi apelidado pelos mais maldosos de fim do mundo.
Lá no
outro fim do mundo, na Rússia, Maria Zakharova, porta-voz da chancelaria, em
06/10/2015 perguntou aos jornalistas ocidentais: “Vocês são mesmo jornalistas?”
Zakharova denunciou lapsos e omissões da mídia ocidental, especialmente quando
se trata da ajuda que a Rússia está prestando à Síria no combate ao Estado
Islâmico e outros grupos terroristas e citou vários exemplos de matérias
divulgadas na mídia ocidental que não indicam as fontes de suas informações.
“Se nós falamos de jornalismo de verdade e não de jornalismo que serve aos
interesses de alguém, como podem esses profissionais usar no seu discurso
jornalístico expressões como ‘existe a opinião’? Qual é essa opinião? Indique a
fonte!”
Jornalistas
são, antes de tudo, formadores de opinião, e determinadas empresas
jornalísticas abusam desse direito de formar opinião, distorcendo a realidade,
impingindo mentiras, construindo e desconstruindo fatos de acordo com os
interesses políticos e econômicos dos grupos oligárquicos que dominam a mídia
mundial. No Brasil, a grande massa está acostumada a assistir ao Jornal
Nacional enquanto espera a novela das oito ou das nove ou de que horário
seja... E sofre dupla lavagem cerebral. A massa é massa porque aceita tudo
passivamente. Não é de estranhar, portanto, que em lugares pequenos existam
programas desleixados onde pessoas que fazem as vezes de jornalistas repetem
como papagaios informações recebidas da sua mídia preferida. Mas isso é
qualquer outra coisa, menos jornalismo.
No dia
21 de novembro, a Globo virtual – famosa por compilar informações da mídia
estadunidense e européia - noticiou que os Estados Unidos atacaram 42 objetivos
do Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Fiquei surpreso. Estariam os Estados
Unidos a tentar destruir o seu grupo terrorista preferido? No corpo da matéria
estava escrito que, inclusive, os EUA teriam atingido um campo de extração de
petróleo na Síria, o que é ainda mais surpreendente. Afinal, o Estado Islâmico
e grupos terroristas assemelhados, em troca da ajuda dos seus criadores – como
Estados Unidos, Arábia Saudita, Israel, Turquia... – compram muito barato o
petróleo que o Estado Islâmico rouba da Síria. E esta é uma das principais
razões porque os preços do petróleo vêm caindo no mercado mundial – e
prejudicando a economia de países como Rússia e Venezuela.
Fui
conferir a informação – ou desinformação – e encontrei no Sputnik News a
seguinte chamada: “Pega na mentira! Imprensa americana mostra vídeo de ataque
russo ao EI para ‘provar’ operação dos Estados Unidos”(http://br.sputniknews.com/mundo/20151121/2832420/imprensa-americana-mostra-video-russo-para-provar-operacao-eua.html).
De acordo com a matéria, um programa de notícias norte-americano exibido no
canal PBS usou imagens de ataques aéreos russos contra alvos do Estado Islâmico,
alegando que eram ataques americanos.
Na
última cúpula do G-20, realizada na Turquia, o presidente Vladimir Putin
mostrou uma série de fotografias revelando o volume de petróleo comercializado
pelo Estado Islâmico. “Tenho mostrado a nossos colegas imagens espaciais feitas
através de aviões.” (...) “Colunas de veículos petroleiros estendendo-se por
dezenas de quilômetros, de maneira que a partir de uma altura de 4.000 e 5.000
metros desaparecem no horizonte.” Naquela cúpula, Putin desmascarou os membros
do G-20 que patrocinam o Estado Islâmico.
O
jornalista Pepe Escobar afirma que os Estados Unidos facilitam o contrabando de
petróleo através da Turquia para poder usar a base aérea de Incirlik. “Gurzel
Tekin, um dos membros do partido socialista da Turquia, revelou que o petróleo
comercializado pelo Estado Islâmico é transportado até a Turquia por uma
companhia controlada por Bilal Erdogan, filho do presidente Recep Erdogan.” (https://actualidad.rt.com/actualidad/191965-putin-desmintir-mito-washington-lucha-estado-islamico).
A
partir da cúpula do G-20, o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, disse
que os objetivos russos seriam centrados em liquidar as bases financeiras e
econômicas do Estado Islâmico. Durante quatro dias, de 17 a 20 de novembro,
caças-bombardeiros Sukhói e Tupolev lançaram mais de 100 mísseis de cruzeiro e
1.4000 toneladas de bombas contra o Estado Islâmico, destruindo 60 toneladas de
petróleo destinadas ao mercado negro, além de 23 bases de treinamento, 19
fábricas de armas e explosivos e 47 armazéns com munições e recursos materiais.
Foram 522 missões aéreas e a frota do mar Cáspio lançou 18 mísseis de cruzeiro,
atingindo sete objetivos nas províncias de Raqa, Alepo e Idlib. Mas essas notícias
não são veiculadas pela imprensa brasileira que se veste com a bandeira dos
Estados Unidos.
Outra
mentira que seguidamente aparece nos jornalões brasileiros e, provavelmente, na
mídia internacional, é a “informação” de que a Rússia está lutando contra o
Estado Islâmico em colaboração com os Estados Unidos e sua coalizão. Ao
contrário. A Rússia é o único país que verdadeiramente está combatendo os
exércitos terroristas na Síria a pedido do governo daquele país. Essa
colaboração teve início a 30 de setembro e já se estende por quase dois meses,
período durante o qual foram destruídos mais de 2.700 alvos do Estado Islâmico
e da Frente al-Nusra, filiada à al-Qaeda. De acordo com o analista político
Nikolay Pakhomov “a Rússia tem trabalhado incansavelmente para conseguir o
apoio dos principais interessados na região – Egito, Turquia, Arábia Saudita,
Iraque e Israel”. E tem obtido poucas respostas positivas.
Quanto
aos Estados Unidos, na terça-feira, 17 de novembro o porta-voz do Kremlin,
Dmitry Peskov, afirmou aos jornalistas: “Não há cooperação. Nossos colegas
americanos se recusam a qualquer tipo de cooperação”. No dia seguinte, indagado
se Washington estaria pronta a trabalhar em parceria com Moscou, o porta-voz do
Pentágono, Steve Warren, esclareceu: “Neste momento não temos planos de
conduzir operações coordenadas com os russos”. A Rússia tenta todas as
possibilidades diplomáticas, deixa aberta todas as portas para um entendimento,
faz questão de dizer que seu único inimigo é o Estado Islâmico e chega ao ponto
de fingir que não entende os verdadeiros interesses dos países ocidentais e
seus aliados do Oriente Médio, na Síria.
Depois
dos atentados em Paris, a raivosa reação do governo francês ao mandar
bombardear a cidade síria de Raqa, onde inúmeros civis foram mortos e feridos,
seguidos de ataques contra os campos de petróleo da Síria, o Ministério das
Relações Exteriores da Rússia reagiu. O chefe do departamento das questões de
novos desafios e ameaças do Ministério, Ilya Rogachev, disse: “Não podemos apoiar
tais ações, em primeiro lugar porque são feitas sem aprovação do governo
sírio”. (...) “Se os primeiros golpes fossem feitos contra campos de
treinamento de terroristas na Síria e na seqüência supostamente morressem
cidadãos franceses (existem mais de 1.200 franceses no Estado Islâmico) que
tinham sido treinados como ‘terroristas’, isso poderia ser entendido como
autodefesa. Mas bombardeios contra a infra-estrutura petrolífera são
condicionados, pressupõe-se, por outras razões e não se justificam do ponto de
vista de autodefesa”. (http://br.sputniknews.com/mundo/20151120/2827442/Ataques-Franca-Siria-infraestrutura.html).
Mesmo
assim, e em flagrante contradição com o seu Ministério das Relações Exteriores,
Vladimir Putin, no dia 17 de novembro, ordenou a elaboração de um plano de
ações conjuntas no mar e no ar com a marinha francesa e encarregou o cruzador
Moskvá de entrar em contato com o grupo naval francês no Mediterrâneo. Ou
talvez não seja uma contradição do governo russo. Quem sabe Putin está tentando
cooptar o governo francês para o seu plano de combater o Estado Islâmico na
Síria, mesmo sem a aprovação do governo sírio?
O que
seria um grande erro, porque atrás da França vem a Alemanha, Inglaterra e todos
os demais países da OTAN, e o governo dos Estados Unidos já declarou que está
pretendendo invadir a Síria com o apoio do exército da Turquia. Os Estados
Unidos são assim: quando não alugam mercenários, usam o exército de outros países,
assim como utilizaram o exército brasileiro para a invasão do Haiti. Para
surpresa geral, no entanto, recentemente os Estados Unidos enviaram para a
Síria, quase na fronteira com a Turquia, 50 soldados das suas tropas especiais
– aquele tipo de soldado preparado em laboratório, que faz um pouco de tudo,
desde cozinhar a lavar a roupa, e, nos momentos de lazer se diverte em atirar
em seres vivos. Estão na Síria para ajudar os terroristas a traçar novas
estratégias e talvez preparar a invasão.
Por
enquanto, fingem apoiar os curdos. A etnia curda está sendo expulsa da Turquia
por razões de racismo explícito. Os curdos são um grupo étnico que se considera
nativo de uma região apontada como Curdistão, que inclui partes adjacentes do
Irã, Iraque, Síria, Turquia, Armênia e Geórgia. Há referências de que os curdos
seriam uma amálgama dos antigos povos, medos, hurritas e hititas. Atualmente é
uma nação calculada ente 27 e 30 milhões de pessoas e compreendem 20% da
população da Turquia, de 15 a 20% no Iraque, 7% no Irã, 1,3% na Armênia e 8% na
Síria.
E são
justamente os curdos da Síria que travam uma guerra contra o Estado Islâmico na
região montanhosa daquele país. Por uma questão de espaço vital, de
sobrevivência. Fingindo auxiliá-los, os Estados Unidos estão usando os curdos
para estabelecer no norte da Síria um ponto de apoio estratégico. Ao mesmo
tempo, o governo da Turquia – o mesmo que compra o petróleo do Estado Islâmico
– trama com os Estados Unidos a maneira de invadir a Síria a pretexto de
expulsar os curdos, que considera inimigos, o que, acontecendo, provocará
massiva migração curda para o Iraque e para o Irã.
Por
que a força aérea da França atacou exatamente a Síria e não o Iraque ou outros
países onde o Estado Islâmico tem forte presença? Provavelmente porque a
policia francesa teria encontrado no bolso de um dos terroristas suicidas de
Paris um passaporte sírio. Curioso como aqueles terroristas estavam preparados
para a morte, até passaporte levavam consigo. Para os planos ocidentais de
conquistar a Síria e junto com ela o restante do Oriente Médio, os atentados em
Paris serviram como a desculpa perfeita. Muito parecido aos ataques às torres
gêmeas, que propiciaram aos Estados Unidos o pretexto moral para invadir o Iraque
e o Afeganistão, e Osama Bin Laden era da Arábia Saudita.
O
capitalismo não tem moral. Como o próprio nome diz, é um sistema que gira em
torno do capital, do dinheiro, e pouco se preocupa com as pessoas ou com
valores morais. Que o diga a Rússia. Na corda-bamba da busca de alianças, Putin
mandou um presente para o genocida Netanyahu, primeiro-ministro de Israel: uma
antiga foto de outro genocida, Davi Ben Gurion – no momento em que Israel está
novamente bombardeando a Faixa de Gaza. Na ânsia de mostrar que a Rússia é um país
confiável, Putin está estreitando relações com a Arábia Saudita, que invadiu o
Iêmen e está provocando um massacre na população iemenita. A continuar assim, em
breve Putin estará participando do Clube Bilderberg, que se reúne uma vez por
ano para decidir o destino do mundo.
Perdeu-se
em demasiada diplomacia o governo russo ao aceitar a invasão da França na
Síria, ao aceitar a resolução da ONU contra o terrorismo, que encobre a
possibilidade da OTAN participar da mesma invasão e dividir a Síria em diversas
zonas de influência. Agora, na iminência do espaço aéreo sírio ser declarado
zona de exclusão, a Rússia luta contra o tempo. Intensificou os bombardeios
contra os terroristas e pretende “limpar” a Síria antes que as forças do
império obriguem a Rússia a retirar a sua força aérea da Síria ou a aceitar a
guerra. A outra possibilidade, mais remota, é a Rússia se unir ao império e
aceitar uma pequena fatia da Síria.
Prepara-se
uma grande batalha em Palmira, que poderá ser decisiva para a Síria enquanto
país ainda unido. Se o exército sírio vencer essa batalha o Estado Islâmico
será inexoravelmente expulso da Síria, ou totalmente destruído naquele país.
Esse não é o desejo dos Estados Unidos e de seus vassalos da OTAN, que
necessitam apenas de um incidente para que a guerra contra a Rússia seja
deflagrada.
No
momento em que terminava esta matéria fiquei sabendo que a Turquia derrubou um
avião russo que bombardeava a região de Idlib, sob domínio terrorista, ainda
dentro do território da Síria. Não se trata apenas de um incidente, mas de uma
clara declaração de guerra. Se a Rússia não reagir adequadamente e ficar apenas
na retórica, estará desmoralizada. A covarde ação da Turquia encontra respaldo
dentro da OTAN, da qual faz parte, e Putin, até este momento, ainda não decidiu
se encarna o revolucionário Lênin ou o leniente Gorbachev.
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