- E então, seu Chico, foi ver o Tchê Garotos?
- Pois eu fiquei sabendo que estavam tocando num
dos clubes, mas não me abalei até lá, porque eu gosto mesmo é de boa música
gaúcha.
- Mas esse grupo não é de música gaúcha? Não é
“Tchê”?
- Pra mim, isso está mais pra “Tcham” do que pra
“Tchê”. O senhor já ouviu falar de música gaúcha com ritmo de frevo, axé,
lambada, forró e outros que tais? Até respeito esses ritmos que refletem a cultura
de outros povos, mas aqui na República Rio-Grandense – que devemos honrar – não
se pode dizer que esses ritmos sejam nossos, muito pelo contrário.
- E a liberdade de expressão, seu Chico?
- Vai muito bem, obrigado. Atualmente, essa senhora
anda vestindo só roupa importada, de preferência com estampas da bandeira dos
Estados Unidos. Ou do time do Barcelona. E dançando maxixe com grupos
carunchosos e malacaras auto-apelidados de “Tchê”.
- O que eu queria saber...
- Eu sei. Me desculpe o desabafo. E quanto à dona
liberdade de expressão que fique amparando os seus “Tchês”, se assim o desejar,
o que não me impede de usar a minha liberdade de consciência para repudiar a
invasão alienígena na nossa cultura. Perceba que essa onda de “Tchê” isso e
“Tchê” aquilo é mais uma das insistentes tentativas do modelo neo-liberal e
globalizante ansioso pela diluição das culturas regionais em um único caldo
malcheiroso a ser oferecido para as massas, que, por isso mesmo são massas. E
não de graça! Tem muito dinheiro por trás de tudo isso. Grandes empresários,
gravadoras...
- E muita propaganda, não é seu Chico?
- Se não fosse a propaganda eles não conseguiam
sair da casca.
- Fiquei sabendo que até em CTGs eles andaram
cantando.
- Apesar da proibição do Movimento Tradicionalista
Gaúcho. Devem existir CTGs que não são filiados ao MTG, mas os que são
filiados...
- E por que o MTG proibiu esses grupos de se
apresentarem nos CTGs?
- A razão é simples. CTG, ou Centro de Tradição
Gaúcha deve preservar o que ainda resta da nossa cultura. É uma questão de resguardar
as raízes ou morreremos enquanto nação. E essas bandas ou grupos de suposta
música gaúcha, consciente ou inconscientemente são compostas por pessoas que
desejam o lucro, o dinheiro fácil e entram na onda do sertanejo, que não tem
nada do autêntico sertanejo, mas é uma cópia falsa da música country dos
Estados Unidos; misturam o vaneirão com forró, com lambada, com maxixe, com o
diabo-a-quatro e atraem uma gurizada desmiolada que quer mais é dançar, se
sacudir, e pouco está se importando com cultura, raízes ou tradição. E o que
acontece? Passam a usar guitarra elétrica, bateria e outros instrumentos
completamente alheios à música gaúcha nos shows; desprezam as pilchas, a
indumentária gaúcha e, pior ainda: fazem músicas com letras de péssima
qualidade que nada dizem dos nossos pagos. Sabe qual é o apelido que a imprensa
deu para esses grupos musicais?
- Qual?
- “Tchê Music”! Não é ridículo? Nem português conseguem
falar. Por que não “Música Tchê”? Não. Tem que ser “Music”. Veja a que ponto de
aculturação eles chegaram. E tudo isso induzido pela propaganda do eixo Rio de
Janeiro - São Paulo - Minas Gerais que, por sua vez, está totalmente dominado
pela cultura norte-americana. Quando um povo despreza a própria cultura, acaba
adotando a cultura estrangeira predominante, e é o que está acontecendo com
eles há muito tempo.
- E conosco também, seu Chico. Basta ligar em uma
rádio FM para se ouvir música em inglês. É avassalador, e o povo engole tudo. Principalmente
o nosso povo ignorante que tem como principal desejo visitar os Estados Unidos
e nada sabe do Brasil, da América Latina e quase nada do Rio Grande do Sul. E
com a Internet ficou ainda pior. Toda hora noticiam sobre o que entendem como “celebridades”
e as pessoas, querendo ou não, acabam comentando se Justin Bieber bebeu ou se
Lady Gaga gaguejou.
- Cabeças ocas! Quando as pessoas param de ler e de
raciocinar, aceitam qualquer coisa que lhes botarem na cabeça. Viram robôs
programados, massa de manobra, alvo de políticos e corruptos em geral – com o perdão
da redundância.
- E tem mais, seu Chico: aos poucos eu fui me dando
conta que tem muita gente que acredita que gaúcho só existe no Rio Grande do
Sul.
- Santa ignorância! Como se fosse um produto do
pampa. Ser gaúcho é mais um estado de espírito que se traduz em gosto pela liberdade,
em altivez sem sobranceria ou arrogância. O sentimento de gauchismo, por assim dizer, vai muito além de fronteiras estabelecidas fisicamente. Mas, para essas
pessoas, o senhor poderá informar que gaúchos são aqueles que moram nos três
estados do sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Além disso, diga
que existem gaúchos espalhados por todo o Brasil, que costumam se reunir em
mais de 3.000 CTGs para cultuar as nossas tradições. Ainda mais: acrescente que
gaúchos são os castelhanos, os platinos ou argentinos e até os paraguaios, e
que esse sentimento de independência e força tem se espalhado pela América
Latina. Toda vez que um país – como Venezuela, Bolívia e Equador, mais
recentemente – declara novamente a
sua independência, defende a sua cultura, tenta salvar a sua economia e
imunizar a sua nação da asfixiante globalização estará agindo com verdadeira
alma gaúcha, mesmo que não use a palavra. É claro que nas enciclopédias está
escrito que gaúcho é o homem que vive no pampa, mas, na verdade, é muito mais
que isso. E, mesmo assim, tem muita gente que pensa que ser gaúcho é andar
pilchado, falar grosso e freqüentar CTG e rodeio.
- E não é, seu Chico?
- Isso é mais um estereótipo, um desvio cultural.
Desde quando é necessário falar grosso para ser gaúcho? Ou vestir bombachas? Ou
ir a festas campeiras? Isso é a moldura, mas não o conteúdo. No entanto, é
necessário que existam os CTGs e o MTG para que essa moldura proteja o quadro.
E é dentro dos CTGs que se conservam as tradições, que se educa a consciência
das pessoas. Na verdade, são centros de educação cultural essenciais para
abrigar e até para salvar e cultivar as nossas verdadeiras tradições.
- Há quem diga que isso é excesso de
conservadorismo e até reacionarismo.
- Será que é conservadorismo proteger a plantação?
É reacionarismo não aceitar a invasão da cultura estrangeira que, fatalmente,
irá nos destruir enquanto nação? Se for assim, então sejamos reacionários e conservadores,
porque a causa é justa. Mas aposto que esses que afirmam essas coisas não têm
raízes e nem entendem o significado da palavra. E, com certeza, devem se achar
muito radicais – veja só a contradição. Os povos só se sustentam enquanto
conservam as suas características originais, mesmo que estas evoluam para novos
patamares, mas sempre cuidando para que as origens não sejam esquecidas,
apagadas, dispersas. E origem é sinônimo de raiz. Ser radical, antes de tudo é
cuidar da essência primeira, da semente, da causa, da procedência. Em outras
palavras: tratar com carinho a chama da pátria.
- E o “Tchê Music”?
- Tenho até pena dessa gurizada, resultado da era
da ganância. Já ouvi falar de grupos que até fazem palhaçadas nos shows para
atrair público. Não é de dar pena? Tudo por dinheiro. Tenho esperança de que
seja somente um modismo passageiro. Os verdadeiros gaúchos não necessitam de
espetáculos com canhões de luz colorida, guitarra elétrica, bateria e outras
bugigangas. Em clubes populares, tudo bem. Em CTGs, é vergonhoso. O verdadeiro
gaúcho se revela com o violão, o acordeom, a harpa missioneira o bumbo legüero,
o violino, a rabeca e outros instrumentos clássicos da nossa terra. E se
apresenta com simplicidade: letras bem feitas, música pujante e verdadeiro
prazer em usar as pilchas. E não necessita de marca registrada em inglês.
Excelente matéria à respeito do gaúcho e sua tradição. Parabéns!
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