- E as eleições, seu Chico?
- Pois é o que se vê: banqueiro
pra lá, banqueiro pra cá, a Bolsa sobe, a Bolsa cai e as pesquisas manipulando
as pessoas. É o mesmo filme a cada dois anos, e o povo depois se queixa! Depois
que vota e pensa que cumpriu um grande dever cívico. Às vezes eu fico pensando
que o nosso povo merece ser enganado e roubado, tamanha a passividade. Até
parece motorista de táxi, que vive se lamuriando com o sol e a chuva, com o
frio e o calor. Ou uma boiada. Esse povo me lembra uma grande boiada que é
tocada pra lá e pra cá e quando menos espera está na fila do matadouro, e o
mais que faz é mugir, desconsolada.
- E vai votar em quem?
- Até pensei em anular o voto,
mas, se votar, não vai ser em nenhum desses amparados por bancos e banqueiros,
esses que vivem se digladiando e que mais aparecem nos programas políticos, uns
acusando os outros de roubo e traquinagens e o que mais querem é se eleger para
ganhar bastante dinheiro, pagar o investimento da campanha e viver de barriga
pro ar, de vez em quando discursando uma coisa e outra, trocando voto pra
facilitar os interesses das grandes empresas, se fingindo de santos e achando
que são os tais porque conseguiram enganar, mais uma vez, os analfabetos
políticos. Nesses eu não voto.
- Pois eu pensava que, como
homem campeiro, o senhor ia votar no Aécio.
- Ah é, seu? Não me leve a mal,
mas acho que o senhor está me estranhando.
- Brincadeirinha, seu Chico.
- Pois de brincadeirinha em
brincadeirinha o Brasil está indo pro brejo. Uns brincam aqui, outros brincam
ali, o povo ri bastante – que é o que mais faz – e a nossa cultura vai se
diluindo em brincadeirinhas. Eu sei que os latifundiários todos vão votar no
Aécio. Mas é uma questão de interesse econômico. Querem alguém que lhes garanta
a eternidade da desigualdade. E não só os latifundiários. Como tem gente burra
neste país, meu Deus! Deve ser pelo excesso de música sertaneja ou por muito
rezarem nos templos de Salomão espalhados por aí – que isso é o que não falta.
Eu respeito a religião de todos e de cada um, mas tem coisa que não me passa
pela garganta. Até tive uma tia que era adventista do sétimo dia, pessoa muito
pia... Mas esses de agora... Misturam Cristianismo com Judaísmo, falam em
Ezequiel e em Maria Santíssima na mesma missa. Veja o senhor que dia desses eu
fui à missa. Sou católico e vez que outra dou um pulinho até a igreja pra ver
como vão as coisas. O padre que oficiava tinha uma voz muito engraçada e
chamava todos de “queridos”. Daria um bom político, pensei. Lá pelas tantas,
ele vem com uma conversa sobre Ezequiel – e é por isso que eu falei no dito
cujo – e logo depois dá um salto de milênios até Jesus para dizer que “muitos
são os chamados e poucos os escolhidos” e eu louco pra levantar a mão e dizer
que Deus chama a todos e não a poucos ou a muitos, mas todos, e veja o senhor
que em missa ninguém pode retrucar, o padre é sempre o dono da verdade. Verdade
eterna. O máximo que as pessoas fazem é contrapontear coisas decoradas na hora
certa. E eu lá, indignado. Nem comunguei, porque para comungar a gente tem que estar
com o coração em paz. E se é assim na Igreja Católica, aonde ainda pregam que
sexo é pecado e sem pecado só a Virgem Maria, imagine o que não estará se
passando nessas outras igrejas, ditas evangélicas!
- As igrejas fundamentalistas, como a tal
do Templo de Salomão do Edir Macedo. Gastaram quase 700 milhões naquela obra,
só para ostentação.
- E a tal igreja do Silas Malafaia que
dizem que é o mentor espiritual da Marina. Não sei bem que nome essa igreja
tem, mas também é evangélica. Agora a Marina tá embretada com os gueis. Aceita
mas não aceita, quer mas não quer. Até acho simpática essa moça, com aquela voz
sofrida, que já passou fome e começou a ser alfabetizada aos 16 anos. O
problema é que ela está sendo manipulada pela direita, não tem ideologia, e os
votos dela todos sabem que virão dos evangélicos, porque ela é evangélica, dos
negros, porque ela é negra, das mulheres, porque ela é mulher, e se vencer quem
vai tomar conta do governo será aquele pessoal reacionário. Mas é bem
intencionada, pena que talvez nem ela mesma saiba o que deseja.
- O senhor não deve dizer “negra”
ou “negro”, seu Chico. Hoje se usa “pardo” ou “parda”. Caso contrário, podem
acusar o senhor de racismo.
- Pois não é? Veja o senhor que
dia desses a minha mulher me pediu para ir buscar na padaria uma torta Nêga
Maluca que havia encomendado, e quando eu pedi para a atendente, que era parda,
como o senhor diz, ela me respondeu: “Nêga o quê?!” – e eu fiquei ali, sem
saber o que dizer, até que eu lembrei das palavras certas e novamente pedi: “uma torta afro-descendente com distúrbios mentais”. Esse negócio de racismo está cada vez
mais perigoso, a gente tem que cuidar o que diz e para quem diz. Vai acabar virando um grande negócio. Olhe o caso do
goleiro Aranha. Chamaram ele de macaco e quem pagou o pato foi o Grêmio. Tenho
comigo que confundiram os bichos.
- Mas chamar de macaco é
injúria racial, seu Chico.
- Eu sei, mas até parece que o
preconceito é contra o bicho. Se chamassem o goleiro do Santos de Aranha-Negra,
será que ele ia chiar daquele jeito? E olhe que Aranha-Negra era o apelido do
grande goleiro Iáchin, da União Soviética, considerado o melhor goleiro do
mundo. E ele era branco. Agora, por “dá cá aquela palha” já estão
processando. Pior ainda: aproveitaram para tirar o Grêmio da Copa do Brasil por
causa de cinco torcedores, e ficou evidenciado, para mim, que queriam favorecer
o Santos, que pulou de fase sem fazer esforço. Pois o Santos não fez um gol
ilegítimo que só a arbitragem não viu? Conduzir a bola com a mão é falta ou não
é?
- E ainda botaram fogo na casa
daquela menina que chamou o Aranha de macaco.
- E será que ela não vai
processar a imprensa que açulou a Justiça contra ela? Aqueles que fizeram a
fotografia dela gritando e distribuíram para o mundo todo não estavam
prejudicando o seu direito à imagem?
- Duvido muito, seu Chico. E
isso de botar fogo nas casas dos outros parece que está virando moda. Veja
aquele caso no CTG de Livramento.
- Deve ter sido uma turma de
bagual. Só porque duas mulheres queriam se casar... Sinal dos tempos, como
diria o meu pai. Querem casar que casem; ninguém tem nada que ver com isso. Só
não concordo que fosse em CTG, parecia uma provocação para a bagualada. E olhe
que em Livramento eles passam cantando: “Eu sou bagual! Eu sou bagual!” Será
que ninguém ouviu?
- Elas acabaram casando no
Foro, seu Chico, junto com mais de vinte casais.
- E vestiram bombachas?
- Ela estava vestida de noiva e
ele de smoking.
- Ela e ele... Mas não eram
duas mulheres?
- Pois é, seu Chico, eu não
entendo direito dessas coisas, mas, pelo que sei, nessas relações homoafetivas
entre casais têm sempre uma que é “ele” e outra que continua sendo “ela”.
- Quanta mistura! Meu Deus, aonde
vamos chegar?!... Mas é a vida... Cada um com seu cada um. Imagine se pega a
moda nos CTGs... Eu tô lá dançando com uma “ela” e, de repente, descubro que é “ele”,
mesmo que “ele” diga que é “ela”... Se o senhor me permite, acho que vou dar
uma sesteada pra descansar a cabeça.
- Bons sonhos, seu Chico.
- Assim espero!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça o seu comentário aqui.