quinta-feira, 18 de setembro de 2014

SEU CHICO E OS SINAIS DOS TEMPOS




- E as eleições, seu Chico? 

- Pois é o que se vê: banqueiro pra lá, banqueiro pra cá, a Bolsa sobe, a Bolsa cai e as pesquisas manipulando as pessoas. É o mesmo filme a cada dois anos, e o povo depois se queixa! Depois que vota e pensa que cumpriu um grande dever cívico. Às vezes eu fico pensando que o nosso povo merece ser enganado e roubado, tamanha a passividade. Até parece motorista de táxi, que vive se lamuriando com o sol e a chuva, com o frio e o calor. Ou uma boiada. Esse povo me lembra uma grande boiada que é tocada pra lá e pra cá e quando menos espera está na fila do matadouro, e o mais que faz é mugir, desconsolada.

- E vai votar em quem? 

- Até pensei em anular o voto, mas, se votar, não vai ser em nenhum desses amparados por bancos e banqueiros, esses que vivem se digladiando e que mais aparecem nos programas políticos, uns acusando os outros de roubo e traquinagens e o que mais querem é se eleger para ganhar bastante dinheiro, pagar o investimento da campanha e viver de barriga pro ar, de vez em quando discursando uma coisa e outra, trocando voto pra facilitar os interesses das grandes empresas, se fingindo de santos e achando que são os tais porque conseguiram enganar, mais uma vez, os analfabetos políticos. Nesses eu não voto.

- Pois eu pensava que, como homem campeiro, o senhor ia votar no Aécio. 

- Ah é, seu? Não me leve a mal, mas acho que o senhor está me estranhando.

- Brincadeirinha, seu Chico. 

- Pois de brincadeirinha em brincadeirinha o Brasil está indo pro brejo. Uns brincam aqui, outros brincam ali, o povo ri bastante – que é o que mais faz – e a nossa cultura vai se diluindo em brincadeirinhas. Eu sei que os latifundiários todos vão votar no Aécio. Mas é uma questão de interesse econômico. Querem alguém que lhes garanta a eternidade da desigualdade. E não só os latifundiários. Como tem gente burra neste país, meu Deus! Deve ser pelo excesso de música sertaneja ou por muito rezarem nos templos de Salomão espalhados por aí – que isso é o que não falta. Eu respeito a religião de todos e de cada um, mas tem coisa que não me passa pela garganta. Até tive uma tia que era adventista do sétimo dia, pessoa muito pia... Mas esses de agora... Misturam Cristianismo com Judaísmo, falam em Ezequiel e em Maria Santíssima na mesma missa. Veja o senhor que dia desses eu fui à missa. Sou católico e vez que outra dou um pulinho até a igreja pra ver como vão as coisas. O padre que oficiava tinha uma voz muito engraçada e chamava todos de “queridos”. Daria um bom político, pensei. Lá pelas tantas, ele vem com uma conversa sobre Ezequiel – e é por isso que eu falei no dito cujo – e logo depois dá um salto de milênios até Jesus para dizer que “muitos são os chamados e poucos os escolhidos” e eu louco pra levantar a mão e dizer que Deus chama a todos e não a poucos ou a muitos, mas todos, e veja o senhor que em missa ninguém pode retrucar, o padre é sempre o dono da verdade. Verdade eterna. O máximo que as pessoas fazem é contrapontear coisas decoradas na hora certa. E eu lá, indignado. Nem comunguei, porque para comungar a gente tem que estar com o coração em paz. E se é assim na Igreja Católica, aonde ainda pregam que sexo é pecado e sem pecado só a Virgem Maria, imagine o que não estará se passando nessas outras igrejas, ditas evangélicas!

- As igrejas fundamentalistas, como a tal do Templo de Salomão do Edir Macedo. Gastaram quase 700 milhões naquela obra, só para ostentação. 

- E a tal igreja do Silas Malafaia que dizem que é o mentor espiritual da Marina. Não sei bem que nome essa igreja tem, mas também é evangélica. Agora a Marina tá embretada com os gueis. Aceita mas não aceita, quer mas não quer. Até acho simpática essa moça, com aquela voz sofrida, que já passou fome e começou a ser alfabetizada aos 16 anos. O problema é que ela está sendo manipulada pela direita, não tem ideologia, e os votos dela todos sabem que virão dos evangélicos, porque ela é evangélica, dos negros, porque ela é negra, das mulheres, porque ela é mulher, e se vencer quem vai tomar conta do governo será aquele pessoal reacionário. Mas é bem intencionada, pena que talvez nem ela mesma saiba o que deseja.

- O senhor não deve dizer “negra” ou “negro”, seu Chico. Hoje se usa “pardo” ou “parda”. Caso contrário, podem acusar o senhor de racismo. 

- Pois não é? Veja o senhor que dia desses a minha mulher me pediu para ir buscar na padaria uma torta Nêga Maluca que havia encomendado, e quando eu pedi para a atendente, que era parda, como o senhor diz, ela me respondeu: “Nêga o quê?!” – e eu fiquei ali, sem saber o que dizer, até que eu lembrei das palavras certas e novamente pedi: “uma torta afro-descendente com distúrbios mentais”. Esse negócio de racismo está cada vez mais perigoso, a gente tem que cuidar o que diz e para quem diz. Vai acabar virando um grande negócio. Olhe o caso do goleiro Aranha. Chamaram ele de macaco e quem pagou o pato foi o Grêmio. Tenho comigo que confundiram os bichos.

- Mas chamar de macaco é injúria racial, seu Chico. 

- Eu sei, mas até parece que o preconceito é contra o bicho. Se chamassem o goleiro do Santos de Aranha-Negra, será que ele ia chiar daquele jeito? E olhe que Aranha-Negra era o apelido do grande goleiro Iáchin, da União Soviética, considerado o melhor goleiro do mundo. E ele era branco. Agora, por “dá cá aquela palha” já estão processando. Pior ainda: aproveitaram para tirar o Grêmio da Copa do Brasil por causa de cinco torcedores, e ficou evidenciado, para mim, que queriam favorecer o Santos, que pulou de fase sem fazer esforço. Pois o Santos não fez um gol ilegítimo que só a arbitragem não viu? Conduzir a bola com a mão é falta ou não é?

- E ainda botaram fogo na casa daquela menina que chamou o Aranha de macaco. 

- E será que ela não vai processar a imprensa que açulou a Justiça contra ela? Aqueles que fizeram a fotografia dela gritando e distribuíram para o mundo todo não estavam prejudicando o seu direito à imagem?

- Duvido muito, seu Chico. E isso de botar fogo nas casas dos outros parece que está virando moda. Veja aquele caso no CTG de Livramento. 

- Deve ter sido uma turma de bagual. Só porque duas mulheres queriam se casar... Sinal dos tempos, como diria o meu pai. Querem casar que casem; ninguém tem nada que ver com isso. Só não concordo que fosse em CTG, parecia uma provocação para a bagualada. E olhe que em Livramento eles passam cantando: “Eu sou bagual! Eu sou bagual!” Será que ninguém ouviu?

- Elas acabaram casando no Foro, seu Chico, junto com mais de vinte casais. 

- E vestiram bombachas?

- Ela estava vestida de noiva e ele de smoking. 

- Ela e ele... Mas não eram duas mulheres?

- Pois é, seu Chico, eu não entendo direito dessas coisas, mas, pelo que sei, nessas relações homoafetivas entre casais têm sempre uma que é “ele” e outra que continua sendo “ela”. 

- Quanta mistura! Meu Deus, aonde vamos chegar?!... Mas é a vida... Cada um com seu cada um. Imagine se pega a moda nos CTGs... Eu tô lá dançando com uma “ela” e, de repente, descubro que é “ele”, mesmo que “ele” diga que é “ela”... Se o senhor me permite, acho que vou dar uma sesteada pra descansar a cabeça.

- Bons sonhos, seu Chico. 

- Assim espero!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Faça o seu comentário aqui.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...