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E como vai aquele seu processo que já dura mais de dez anos? – perguntei ao seu
Chico na tarde quente e pachorrenta de domingo, tão quente que dava preguiça
até de caminhar e tão pachorrenta que os passarinhos cantavam devagar, abrindo
o bico por obrigação do ofício.
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Mais enrolado que namoro de cobra – respondeu o seu Chico, enquanto me passava
o chimarrão. – Pois saiba o senhor que o Papa, depois da sua declaração
anticapitalista não vai aparecer mais na imprensa, exceto em supostos casos de
escândalo no Vaticano. Vão fazer de tudo pra liquidar com o Bergoglio, desde
nova quebradeira no Banco do Vaticano – e para isso eles têm as suas máfias, o
senhor deve imaginar -, passando por insinuações malévolas e até, se eles
julgarem necessário, o assassinato, assim como fizeram com João Paulo I. Conforme
disse o Papa, não é notícia a morte de um mendigo, e sim a queda de um ponto na
Bolsa.
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Concordo com o Papa, seu Chico, mas aquele seu processo que parece que não vai
terminar nunca e, se não estou enganado, tem ganho de causa líquido e certo...
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Certo, o senhor pode apostar que sim, quanto a líquido dependerá sempre da
liquidez do bolso dos litigantes, como diria um juiz mui moderno. E sobre isso,
o Papa disse que o dinheiro governa, em lugar de servir. Há uma crise de
ausência de ética e rechaçar a ética corresponde a rechaçar a Deus. Oigalê Papa
macho!, não é à-toa que é argentino e toma chimarrão. E dizem que foi ligado à
ditadura...
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Eu mesmo escrevi no meu blog sobre isso, seu Chico, quando ele foi eleito.
Surgiram informações seguras de que ele seria amigo dos ditadores argentinos.
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Pois estou começando a pensar que essas “informações seguras” podem ter sido
plantadas. O sistema nunca gostou dos padres jesuítas, justamente porque eles
escolheram o verdadeiro cristianismo, que diz não às riquezas. Não foram eles
que criaram a república comunista-cristã dos guaranis, aqui no Rio Grande? Na
mesma época, os seus inimigos jurados, os maçons, inventavam o capitalismo. E quando viram que a república dos guaranis funcionava, os jesuítas foram banidos da
Igreja e de todos os principais países da Europa, onde governavam os maçons, e
depois enviaram um exército formado por portugueses e espanhóis para liquidar
com os guaranis e transformar em ruínas aquela bela república que transformava
bichos-do-mato em homens de verdade.
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E em seguida a contrapropaganda em cima, seu Chico. Os paulistas, os mamelucos,
escreveram tratados e teses infindáveis para dizer que a culpa era dos
jesuítas. Veja que os próprios escravagistas afirmaram que os jesuítas
escravizavam os índios, quando acontecia exatamente o contrário. Até Voltaire,
no seu “Candido” escreve coisa parecida e hoje, seu Chico, quando eu pensava
que a onda anti-jesuítica tinha amainado, certo dia comprei um livro de
História de um desses modernosos muito aplaudidos, um daqueles que faz parte da
turma que está refazendo a História do Brasil – e o senhor pode imaginar de que
jeito... -, e ele afirma que os jesuítas eram aliados dos escravagistas mamelucos
e que só fizeram o mal no Brasil.
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Os jesuítas fizeram o mal para os donos do dinheiro, porque são anti-consumistas
e isso era um grande perigo para a ideologia do capital que estava sendo
implantada a ferro e fogo. O Papa também escreveu que a ética é
contraproducente neste mundo do dinheiro, considerada como uma ameaça (adivinhe
para quem!), porque está fora das categorias do mercado. O que é uma grande
verdade! Onde já se viu ética no mercado? Considera-se o ser humano como um bem
de consumo, que se pode usar e logo jogar fora, como escreveu o Papa na sua
exortação apostólica.
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Vejo que o senhor decorou as palavras do Papa, seu Chico.
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Algumas delas, as mais importantes. Na verdade eu salvei e guardei o texto,
porque algo me diz que logo vai sumir da internet. E aconselho o senhor a fazer
o mesmo. O título é EVANGELII GAUDIUM. Dentre as pessoas que detém algum poder poucas
são as verdadeiramente corajosas e o Papa é uma delas. E isso me alertou para
uma coisa, veja só... É muito triste ter que dizer isso, mas neste mundo em que
todos estão à venda nada se faz sem dinheiro e é ingenuidade imaginar que se
pode conseguir alguma coisa através da honestidade. O capitalismo, que é o
verdadeiro materialismo, está na mente das pessoas que estão acostumadas a
ouvir que ganha sempre aquele que tem mais. E acabam acreditando nisso. E num
sistema assim não cabe religião, amor, caridade ou qualquer senso de justiça.
As pessoas estão ficando podres por dentro.
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No Brasil, já faz parte da cultura popular endeusar o malandro que passa a perna
nos outros e sempre se sai bem, seu Chico. Não o malandro estereotipado, aquele
das favelas, mas os grandes malandros, como esse pessoal do mensalão e de
tantos outros mensalões que ainda serão julgados, eu espero. E uma vez
malandro, sempre malandro. Não é que os deputados condenados no mensalão estão
renunciando para ter direito ao dinheiro da aposentadoria? E ainda dizem que é
por dignidade. Se forem cassados perdem a aposentadoria e outras vantagens
mais.
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Dizem que aqui é terra de ninguém, mas, na verdade é terra de poucos. Dos que
tem dinheiro. O resto fica lambendo o chão para eles passarem. E desejando ser
iguais a eles, que dão o mau exemplo. E olhe que aqui é o sul, onde tudo nasce!
Aqui é o Rio Grande, terra de gente guapa e honrada, em sua maioria. Imagine
como não estará a coisa lá pra cima... Ainda bem que existe alguém, como o
Papa, que diz, alerta, xinga esse sistema cheio de aberrações e que destrói o
ser humano. Um verdadeiro cristão jamais deveria aceitar o capitalismo que
degrada o homem. Como o senhor deve saber, Jesus era um homem forte, audaz, que
fazia lá os seus milagres, mas também pregava a fé, a coragem, o destemor, a
ousadia. Não era nenhum santinho do pau oco, como muitos querem fazer o povo
acreditar. Antes de tudo era alguém do povo, que sabia das suas necessidades e
da opressão que sofria. Ser cristão é muito mais que fazer obras de caridade.
Ser cristão é lutar para reformar o mundo. Não é para qualquer um, muito menos
para esses acomodados que passam a vida consumindo ou deixando acontecer, com
medo de se incomodarem. E o medo é o principal inimigo do homem. Quem tem medo
não tem fé – o senhor me acredite.
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Mas, voltando à vaca fria, seu Chico... Aquela pergunta que eu lhe fiz...
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Sobre o meu processo que está ganho e nunca termina? Pois veja o senhor que a
minha consciência não me permite, como vou lhe dizer... O senhor sabe que os
juízes são seres humanos, antes de tudo, muito humanos... Em todo processo há
dois lados. Às vezes, um dos lados dá uma forçadinha... Não é o meu caso. Eu
prefiro esperar. Esperar e confiar na justiça, principalmente na justiça
divina. A justiça dos homens é uma moça muito bonita, que infelizmente é cega e
veste roupas muito bonitas, muito caras, o senhor me entende?
Excelente matéria! Prá variar S.Chico sabe muito bem como cutucar os males do nosso mundo, onde o capitalismo é o pior deles. Parabéns!
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