sábado, 29 de novembro de 2014

SEU CHICO E O FESTIVAL DE CINEMA




- Tem ido ao cinema, seu Chico? 

- Mas!... É o que mais tenho feito ultimamente. Lá em casa. 

- Pensei que o senhor estava assistindo os filmes do Festival de Santa Teresa. 

- Pois aquela santa fica um pouco longe. E depois, como o senhor há de saber, as sessões são um pouco exclusivas, para uma determinada classe, eles com eles. Imagine se eu chego e eles me vêem assim, pilchado. 

- Acho que o senhor iria fazer o maior sucesso. Pensariam que é um ator. E ainda por cima iam sair a divulgar que até o povo foi ao tal de festival, que eles chamam da fronteira.

- Mas lá em Santa Teresa não é bem fronteira. Ainda se fosse em Aceguá... Além do quê eu não me sentiria bem no meio de toda aquela gente empetecada. 

- Eles não andam mais tão empetecados, seu Chico. A moda agora é a simplicidade. E é gente que gosta de seguir a moda. 

- Eu conheço essa simplicidade... Mas isso pouco me importa, e lhe garanto que até iria ver esse tal de festival de cinema, mas era capaz de me pedirem a carteirinha do partido. 

- Que partido? 

- Aquele que organiza o festival. Segundo estou informado é o Partido dos Dramas Trágicos. 

- Dos males o menor, seu Chico. Já imaginou se fosse o Partido das Tramóias? 

- Com tanta gente patrocinando, não seria uma grande surpresa. Sempre há de sobrar um dinheirinho aqui, outro ali... 

- Nem todos são loucos por dinheiro. 

- Claro que não. Os que não fazem questão... Por falar nisso, o Carnaval está chegando e já tem gente fazendo bloco só pra entrar na vaquinha do prefeito. 

- Que vaquinha, seu Chico? Agora o prefeito tem vacas? 

- Pois não lhe duvido nada. Se seguir o exemplo dos outros, vai terminar o segundo mandato com uma duas ou três estâncias no Uruguai. Mas não é a isso que eu estava me referindo. Falava do dinheirinho aquele que a Prefeitura dá pras organizações carnavalescas e que todo ano vai engordar a conta bancária de muita gente. Ou de alguns. 

- Ah, sei... Esse dinheiro não passa por licitação, não é seu Chico? 

- Se vai passar! Não chega a ser uma grande obra fazer um carnaval num cantinho de rua pro povo fingir alegria por uns dias. Em tempos de inflação, o circo é o que mais funciona. Diz-que grande obra é essa tal de festa do churrasco que era gratuita e agora é paga e deve estar agradando muito os frigoríficos. Só não sei direito qual deles. Aí deve ter licitação, o senhor não acha? 

- Olhe que eu nunca vi a imprensa da terra falar ou escrever nada a respeito. Muito menos o povo, que quer mais é festa. 

- A propósito, voltando à vaca fria, não é também em Santa Teresa que fazem um carnaval à parte, bem longe do povo? 

- Pois é lá mesmo, seu Chico. 

- Mas essa santa está ficando muito famosa! Se ela soubesse... E olhe que era carmelita descalça! 

- As coisas mudam, seu Chico. 

- Mas bah! Tudo em nome da arte.

Um comentário:

  1. Muito boa matéria! É... Simplicidade virou moda, mas elite continua lá e o povo aqui.

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