“Neste país de
rancorosos só se começa a ter um grande nome quando se deixa de sê-lo.” Ernesto
Sábato – “Sobre Heróis e Tumbas”.
Felipão fez bem em pedir
demissão do cargo de treinador do time do Grêmio. Não tinha mais ambiente e a
campanha contra ele, desde que Romildo Bolzan Júnior assumiu como presidente do
clube chegou a um momento insuportável. Só restava a demissão. Felipão agüentou
o que deu, e as manifestações agressivas de um grupo de torcedores durante a
chegada da delegação do Grêmio de Curitiba foi o sintoma mais claro de que a
turma do Bolzan estava forçando a sua saída do Grêmio. Em seguida, instalou-se
uma crise criada artificialmente, em parte pela imprensa porto-alegrense, em
parte pelos amigos da nova direção gremista.
Luiz Felipe Scolari
sempre foi uma pessoa de temperamento forte, do tipo que não leva desaforo pra
casa. E também por isso, e não gratuitamente, sempre foi hostilizado por aquele
tipo de jornalista esportivo pago para desagregar pessoas com temperamento
independente e insubmisso – o que serve perfeitamente para os dirigentes do
nosso corrupto futebol, ciosos por seus rendimentos pessoais.
Recentemente, quando
da derrota da seleção brasileira para a Alemanha por 7x1, teve a dignidade de
assumir toda a responsabilidade pelo fiasco dos jogadores. E a imprensa do Rio
e São Paulo, que detesta Felipão, aproveitou a deixa para desviar a atenção dos
jogadores que entregaram o jogo para o treinador que não entrou em campo. Queriam
dar a entender ao povo mais bisonho intelectualmente, que a culpa do péssimo futebol
apresentado pelos jogadores era somente do treinador, como se aqueles não
tivessem qualquer responsabilidade pelos seus atos e fossem manipulados
virtualmente. O grande erro de Felipão foi ter aceitado o cargo de treinador da
seleção que havia sido treinada pelo Mano Menezes em acordo com empresas que
exigiam a convocação e escalação de determinados jogadores.
A mesma imprensa que
ficou furiosa quando Felipão ajudou a conquistar o penta-campeonato mundial
como treinador da seleção brasileira na Coréia do Sul. Desejavam vê-lo
derrotado, e tanto o criticaram, mesmo e apesar da vitória, que depois da Copa,
Felipão não voltou ao Brasil e foi direto treinar a seleção de Portugal. E
vibrou muito quando, em um dos seus primeiros amistosos, a seleção portuguesa
venceu a seleção brasileira. E a seleção portuguesa treinada por Felipão, pela
primeira e única vez em sua história, foi vice-campeã européia.
Luiz Felipe Scolari
somente voltou para o Grêmio a convite do velho amigo e então presidente Fábio
Koff. E foi com o apoio de Fábio Koff, que proporcionou ao treinador um time de
qualidade, que o Grêmio alcançou brilhantes vitórias no campeonato brasileiro
de 2014, incluindo a goleada de 4x1 sobre o Internacional.
Com a substituição de
Fábio Koff pelo atual presidente Romildo Bolzan Júnior, a direção gremista
resolveu desmontar completamente o time. Dava como desculpa a existência de
dívidas ou de pouco lucro. Felipão que se virasse. E ainda mais: começaram a
pressioná-lo para que conquistasse o campeonato gaúcho com jogadores muito
inferiores aos que tinha encontrado quando chegou ao Grêmio. Quando o time
perdeu, como era previsto, começou a campanha pedindo a sua demissão. E bastou
um início ruim de campeonato brasileiro – o que também era previsível – para que
a hostilidade contra Felipão aumentasse, e só lhe restou pedir demissão para
salvar, pelo menos, a dignidade.
Não se pode aspirar a
ganhar qualquer título com jogadores contemplativos e temerosos. Para dizer o
mínimo. Enganou-se a torcida gremista ao idolatrar Yuri Mamute, um jogador que
poderia ser um bom segundo reserva para o ataque, e não mais que isso.
Enganou-se Felipão ao escalar repetidamente um lateral-direito abúlico e
distraído, mas a direção não lhe deu melhor opção. Quando se tornou urgente a
contratação de um armador, trouxeram um jogador cansado e sem inspiração. O
ataque, formado por jogadores muito fracos, não agride, não chuta, perde-se em
devaneios; o meio de campo, que não é mais que medíocre, fica assoberbado,
porque a bola sempre volta para aquele setor e na defesa existem somente dois
destaques: Rhodolfo e Marcelo Grohe. Qual o treinador que agüenta com um time
desses, condenado, a continuar assim, à segunda divisão?
Felipão pediu
demissão, e fez muito bem. A direção gremista em breve contratará um novo
treinador que, com certeza, será agradado com novas contratações, o time
voltará a ter bons resultados e a torcida será induzida a acreditar que a
substituição do treinador foi correta. Torcida, por definição, sempre age
emocionalmente. Felipão é um dos últimos treinadores decentes e nobres do
futebol brasileiro e deixará saudade dos tempos em que o futebol gremista era
jogado com garra e coração – e não somente visando lucros. Felipão deu alguns
dos maiores títulos ao Grêmio, e isso ficou imortalizado.
Pouco entendo de futebol, mas a matéria faz juz ao talento de Luiz Felipe Scolari. Dignidade tem nome no futebol brasileiro.
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