terça-feira, 19 de maio de 2015

IMORTAL FELIPÃO




“Neste país de rancorosos só se começa a ter um grande nome quando se deixa de sê-lo.” Ernesto Sábato – “Sobre Heróis e Tumbas”.


Felipão fez bem em pedir demissão do cargo de treinador do time do Grêmio. Não tinha mais ambiente e a campanha contra ele, desde que Romildo Bolzan Júnior assumiu como presidente do clube chegou a um momento insuportável. Só restava a demissão. Felipão agüentou o que deu, e as manifestações agressivas de um grupo de torcedores durante a chegada da delegação do Grêmio de Curitiba foi o sintoma mais claro de que a turma do Bolzan estava forçando a sua saída do Grêmio. Em seguida, instalou-se uma crise criada artificialmente, em parte pela imprensa porto-alegrense, em parte pelos amigos da nova direção gremista. 

   Luiz Felipe Scolari sempre foi uma pessoa de temperamento forte, do tipo que não leva desaforo pra casa. E também por isso, e não gratuitamente, sempre foi hostilizado por aquele tipo de jornalista esportivo pago para desagregar pessoas com temperamento independente e insubmisso – o que serve perfeitamente para os dirigentes do nosso corrupto futebol, ciosos por seus rendimentos pessoais. 

   Recentemente, quando da derrota da seleção brasileira para a Alemanha por 7x1, teve a dignidade de assumir toda a responsabilidade pelo fiasco dos jogadores. E a imprensa do Rio e São Paulo, que detesta Felipão, aproveitou a deixa para desviar a atenção dos jogadores que entregaram o jogo para o treinador que não entrou em campo. Queriam dar a entender ao povo mais bisonho intelectualmente, que a culpa do péssimo futebol apresentado pelos jogadores era somente do treinador, como se aqueles não tivessem qualquer responsabilidade pelos seus atos e fossem manipulados virtualmente. O grande erro de Felipão foi ter aceitado o cargo de treinador da seleção que havia sido treinada pelo Mano Menezes em acordo com empresas que exigiam a convocação e escalação de determinados jogadores. 

   A mesma imprensa que ficou furiosa quando Felipão ajudou a conquistar o penta-campeonato mundial como treinador da seleção brasileira na Coréia do Sul. Desejavam vê-lo derrotado, e tanto o criticaram, mesmo e apesar da vitória, que depois da Copa, Felipão não voltou ao Brasil e foi direto treinar a seleção de Portugal. E vibrou muito quando, em um dos seus primeiros amistosos, a seleção portuguesa venceu a seleção brasileira. E a seleção portuguesa treinada por Felipão, pela primeira e única vez em sua história, foi vice-campeã européia. 

   Luiz Felipe Scolari somente voltou para o Grêmio a convite do velho amigo e então presidente Fábio Koff. E foi com o apoio de Fábio Koff, que proporcionou ao treinador um time de qualidade, que o Grêmio alcançou brilhantes vitórias no campeonato brasileiro de 2014, incluindo a goleada de 4x1 sobre o Internacional. 

   Com a substituição de Fábio Koff pelo atual presidente Romildo Bolzan Júnior, a direção gremista resolveu desmontar completamente o time. Dava como desculpa a existência de dívidas ou de pouco lucro. Felipão que se virasse. E ainda mais: começaram a pressioná-lo para que conquistasse o campeonato gaúcho com jogadores muito inferiores aos que tinha encontrado quando chegou ao Grêmio. Quando o time perdeu, como era previsto, começou a campanha pedindo a sua demissão. E bastou um início ruim de campeonato brasileiro – o que também era previsível – para que a hostilidade contra Felipão aumentasse, e só lhe restou pedir demissão para salvar, pelo menos, a dignidade. 

   Não se pode aspirar a ganhar qualquer título com jogadores contemplativos e temerosos. Para dizer o mínimo. Enganou-se a torcida gremista ao idolatrar Yuri Mamute, um jogador que poderia ser um bom segundo reserva para o ataque, e não mais que isso. Enganou-se Felipão ao escalar repetidamente um lateral-direito abúlico e distraído, mas a direção não lhe deu melhor opção. Quando se tornou urgente a contratação de um armador, trouxeram um jogador cansado e sem inspiração. O ataque, formado por jogadores muito fracos, não agride, não chuta, perde-se em devaneios; o meio de campo, que não é mais que medíocre, fica assoberbado, porque a bola sempre volta para aquele setor e na defesa existem somente dois destaques: Rhodolfo e Marcelo Grohe. Qual o treinador que agüenta com um time desses, condenado, a continuar assim, à segunda divisão? 

    Felipão pediu demissão, e fez muito bem. A direção gremista em breve contratará um novo treinador que, com certeza, será agradado com novas contratações, o time voltará a ter bons resultados e a torcida será induzida a acreditar que a substituição do treinador foi correta. Torcida, por definição, sempre age emocionalmente. Felipão é um dos últimos treinadores decentes e nobres do futebol brasileiro e deixará saudade dos tempos em que o futebol gremista era jogado com garra e coração – e não somente visando lucros. Felipão deu alguns dos maiores títulos ao Grêmio, e isso ficou imortalizado.

Um comentário:

  1. Pouco entendo de futebol, mas a matéria faz juz ao talento de Luiz Felipe Scolari. Dignidade tem nome no futebol brasileiro.

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