A extrema hipocrisia
dos países liderados por Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos faz com que a
mídia ocidental coloque a Rússia como a grande infratora dos direitos
internacionais devido ao referendo que deu à Criméia a possibilidade de voltar
a unir-se com a Rússia e desligar-se definitivamente da Ucrânia – um país
atualmente governado por fascistas que tomaram o poder através de um golpe de
estado apoiado pela União Européia e pelos Estados Unidos.
No
entanto, no mesmo dia 16 de março de 2014 outro referendo por independência ocorreu
na região do Vêneto (região administrativa da Itália que engloba 7 províncias,
incluindo Veneza, Verona e Pádua) e cerca de 65% da população da região apóia a
sua separação da Itália. Segundo a lógica dos organizadores do referendo, como
a região integrou outrora a Itália por referendo, é igualmente por referendo
que ela pode se separar da Itália. O referendo terá uma votação complementar
via internet no dia 21 de março, e não se sabe exatamente qual será a reação do
governo da Itália no caso de ser declarada a independência do Vêneto.
O Partido Nacional Vêneto (Partìo Nasionàl Vèneto
em vêneto, Partito Nazionale
Veneto em italiano) é um partido independentista. Na manhã do dia 9 de maio de
2013, oito pessoas tomaram um "vaporetto" no Grande Canal e obrigaram
o piloto a levá-las até a praça de San Marco. No principal ponto turístico de
Veneza, desembarcaram e tomaram o campanário da basílica. Do alto declararam:
"Depois de 200 anos, uma unidade regular do Exército da Sereníssima
República libertou a praça de San Marco". Entregaram-se após cinco horas.
Segundo eles, o Vêneto está sob domínio estrangeiro desde 12 de maio de 1797,
quando Napoleão Bonaparte derrotou a outrora poderosa república. Depois dos
franceses, foi a vez de os austríacos controlarem a cidade, seguidos pela
unificação italiana, ou, como preferem os separatistas, submissão a Roma.
Submissão é o que sofre a Escócia, obrigada a pertencer ao Reino Unido
(Inglaterra, Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales), a curvar-se ante a
casa real inglesa e a pagar mais impostos que o resto da Grã-Bretanha nos
últimos 32 anos, segundo o primeiro-ministro da Escócia, Alex Salmond, um dos
defensores do referendo pela independência da Escócia, que acontecerá em 18 de
setembro de 2014. Um referendo que dificilmente alcançará o seu objetivo: a
Inglaterra não admitiria que saíssem de suas mãos as maiores reservas de
petróleo da União Européia, localizadas no mar territorial adjacente à Escócia,
no Atlântico Norte e no Mar do Norte.
O mesmo acontece com a Catalunha, que buscará a sua independência da
Espanha em um referendo anunciado para 9 de novembro de 2014. Região de grandes
indústrias, bancos, portos, aeroportos, além de ser o principal ponto turístico
da Espanha, ainda que tenha história, cultura, língua própria e direito civil,
mesmo que o “sim” venha a ser majoritário no próximo referendo, o povo catalão
não obterá “licença” da Espanha para se tornar independente.
Na
Criméia, mais de 90% dos eleitores escolheram a união com a Rússia. As minorias
tártaras e ucranianas tentaram boicotar o referendo; mesmo assim, 80% dos
habilitados a votar compareceram às urnas. Em 1954, Nikita Kruschev deu a
Criméia à Ucrânia que, então, fazia parte da União Soviética. Agora, a Criméia
volta a pertencer ao território russo - para eterna ira dos países da União
Européia que promoveram o golpe fascista na Ucrânia. Obama está desmoralizado e
o povo norte-americano, que acredita em tudo o que a sua mídia diz, não
consegue entender o que está acontecendo.
O
máximo que os Estados Unidos e a OTAN podem tentar, a partir de agora, é
promover uma guerra de desgaste na Ucrânia, mas as lições da derrota na Geórgia
durante a guerra dos cinco dias em 2008 farão com que os donos do império
pensem várias vezes antes de deflagrar uma guerra contra a Rússia. Além disso,
não é provável que agrade aos Estados Unidos e seus aliados europeus a
perspectiva de abrir várias frentes de batalha ao mesmo tempo, em lugares como
Síria, Líbano, Irã, Coréia do Norte e Ucrânia – e a tentativa de golpe de
estado na Venezuela.
Sanções
econômicas contra a Rússia poderão e deverão acontecer, para tentar salvar os
brios imperialistas. Mas a Europa falida depende em mais de 30% do gás e óleo
proveniente da Rússia, e por mais irados que os países europeus fiquem com a
derrota política na Criméia, por mais desmoralizado que o Obama esteja, os
aliados do mundo ocidental tentarão outras maneiras para estrangular a Rússia.
Uma
delas é a velha estratégia do cerco aparentemente pacífico. Anunciam-se bases
militares na Turquia e na Polônia. Talvez na Romênia. Moldávia e Geórgia
poderão ser admitidas na OTAN e a questão da Transnistría – que se tornou
independente da Moldávia em 1990 com apoio da Rússia – poderá ser reaberta. O
mesmo em relação à Ossétia do Sul e Abkhásia, que se tornaram independentes da
Geórgia durante a guerra dos cinco dias, vencida pela Rússia, em 2008.
Percebe-se, entretanto, que a Rússia tem tomado providências contra essa
provável tentativa de “cerco”. O governo russo tem enviado tropas para lugares
estratégicos dentro e fora do seu território e, nos últimos dias, cerca de 400
soldados e armamentos que incluem mísseis e artilharia foram desembarcados no
Ártico, numa clara alusão a um possível ataque direto aos Estados Unidos e
Canadá, em caso de guerra generalizada.
Não é bom, para os que se consideram donos do mundo, provocar essa
guerra. Em caso de vitória, seriam donos de escombros. Deveriam se preocupar,
em primeiro lugar, em arrumar as suas casas. A recessão européia é uma
realidade e ameaça claramente os Estados Unidos. Bravatas políticas, como o
golpe de estado na Ucrânia, devem ser deixadas de lado, porque só podem ser
sustentadas com um bom exército, o que implicaria no risco de uma guerra
atômica.
É primavera, verdadeira primavera na Criméia, que voltou a ser russa.
Talvez também na região do Vêneto. Se a Itália deixar. Não se pode parar a
História, fixá-la num determinado ponto, como um alvo morto e estático a ser
desfrutado por abutres. Assim como a vida, a História é dinâmica e as
transformações que podem parecer surpreendentes para cansados espectadores,
revelam esse dinamismo, resultado da luta dos povos pela liberdade e
autodeterminação. Apesar dos abutres, como disse “La Pasionária”: “Para viver
de joelhos é melhor morrer de pé!”.
Excelente matéria! Complementou o que já sabia pelo blogueiro sobre a Criméia, Ucrânia e Itália. Valeu!
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