O coelhinho da Páscoa
estava passeando muito faceiro pela estrada além, seguido de várias coelhas
amigas do Facebook, quando viu aproximar-se uma multidão: tamanduás, cães,
gatos, cobras, lagartos, algumas das últimas onças, capivaras, cavalos, bois,
incluindo os de presépio, ovelhas, aves e pássaros, um ou outro lobo-guará,
quatis, mãos-peladas, guaxinins, representantes dos últimos veados – enfim, uma
verdadeira fauna. Eram tantos que não conseguia distingui-los direito.
Aproximaram-se
fazendo uma zoeira que vocês podem imaginar. Traziam faixas e cartazes que
diziam: “Abaixo a Discriminação!”, “Por Uma Sociedade Mais Justa e Igualitária”,
“Bichos Unidos Jamais Serão Vencidos!”. Quando viram o coelhinho, cercaram-no e
começaram a gritar os slogans nas suas longas orelhas. As coelhinhas tietes
estavam tremendo de medo. Mas o coelhinho, valente como só ele, perguntou:
- Afinal, o que está
havendo?
Os bichos pararam
para confabular e, depois de alguns segundos, um pato, um cágado e uma
jaguatirica (a última), destacaram-se do grupo e entregaram para o coelhinho um
papel, onde estava escrito:
“Nós,
abaixo-assinados, vimos por intermédio deste protestar contra a discriminação que
todos os bichos sofrem no dia da Páscoa. Não é justo, neste dia, que somente o
coelho seja lembrado como uma espécie de grande herói midiático devido aos ovos
de chocolate que, supostamente, entrega para as crianças humanas. Até mesmo
porque coelho não põe ovo e a maioria das crianças não recebe ovos de Páscoa.
Além disso, sabemos que Páscoa significa ressurreição e não deveria ser uma
festa consagrada à comilança de chocolates. Isto posto, exigimos: a) o fim da
degradação da natureza; b) equiparação entre todos os bichos, porque a natureza
foi feita para todos igualmente, preservando-se as necessárias diferenças de
habitat, costumes e cultura.” Em seguida, as assinaturas, inclusive um longo e
esquisito traço atribuído ao bicho-preguiça.
O coelhinho da Páscoa
leu calmamente e depois respondeu:
- Meus amigos, não é
culpa minha se fui escolhido como símbolo da Páscoa. Creiam que me sinto
inclusive vexado por esta situação que gostaria de compartilhar com todos.
Estou de pleno acordo com as reivindicações, que levarei para as fábricas de
chocolate.
- Fábricas de
chocolate! – exclamou uma avestruz. – Excesso de chocolate faz mal e provoca
doenças. O senhor Coelho já viu algum bicho comer chocolate? Também queremos
acabar com a Páscoa do chocolate.
- Ai, sem chocolate
eu não consigo passar! – disse uma das coelhinhas. – É tão gostoso!
- Pois vai acabar
gorda e doente – tornou a avestruz. – Além disso, vocês coelhinhas ainda não se
deram conta de outra enorme discriminação?
- Qual? – perguntou a
coelhinha que adorava chocolate.
- Ainda não
perceberam que só o coelhinho da Páscoa é lembrado e que as coelhinhas sempre
ficam em segundo plano? É o máximo do machismo!
- É mesmo!... – disse
outra coelhinha, e logo todas as coelhinhas se mostraram indignadas e uma ou
outra chegou a chamar o coelhinho da Páscoa de porco chauvinista, que se
defendia dizendo que não era culpa dele, preferia até nem ser lembrado na
Páscoa, desde que as coelhinhas não o deixassem – e vocês sabem o quanto
coelhinhos gostam de coelhinhas. Estão sempre coelhando.
Naquele momento, uma
das onças pegou o coelhinho pela palavra.
- Então, se o senhor
Coelho realmente não deseja que o seu nome continue associado à Páscoa, assine
junto a petição que encaminharemos para as autoridades competentes, incluindo as
terríveis fábricas de chocolate.
O coelhinho, muito
lampeiro, e sempre pensando em coelhar com as coelhinhas, assinou a petição, da
qual foram tiradas muitas cópias que encarregaram as aves de distribuir para
todos os humanos que se diziam responsáveis pelo mundo.
As petições chegaram,
mas os donos do mundo, os donos das fábricas de chocolate, os donos de tudo e
de todos, que se imaginam muito superiores, não deram a mínima e continuaram a fazer
da Páscoa um dia dedicado aos lucros e não à ressurreição. Ainda por cima,
apesar dos protestos de coelhinhos e coelhinhas e de todos os demais bichos, continuaram
a estampar nos ovos de chocolate a figura estilizada do coelho, para que ele
não reclamasse direitos autorais.
Desde aquele dia,
todos os bichos – exceto os domésticos, que ainda acreditam que podem passar um
pouco de pureza para as pessoas – não acreditaram mais nos humanos.
Valeu a estorinha dos bichinhos! Pobre do coelhinho...Parabéns!
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