domingo, 5 de abril de 2015

O BATISMO DO ESPÍRITO






Recentemente, li um artigo claramente anticristão e o que me surpreendeu não foi o fato em si, porque é mais um entre milhares do mesmo gênero, mas por ter sido publicado em plena Semana Santa. O autor, que não vou citar, fala de modernos teólogos que estariam contestando a veracidade da história de Jesus – o que também não é novidade em tempos de degeneração do espírito. Alguns desses “modernos” - que não me apraz considerar teólogos, porque a Teologia é o estudo de Deus e não o oposto – depois de profundas pesquisas verificaram que Jesus teria sido um zelote e não um essênio; outros contestam os evangelhos (palavra colocada entre aspas, na matéria: “evangelhos”) tendo como base a observação de que o evangelho de Marcos provavelmente foi escrito 40 anos após a morte, ressurreição e ascensão de Jesus, dizendo, ainda, que os demais evangelhos (talvez com a brilhante exceção do evangelho de João) são uma cópia do evangelho de Marcos.

   Quanto à afirmação de que Jesus não foi um essênio, e sim um zelote, em primeiro lugar deve-se deixar claro que não existem quaisquer provas que Ele tenha sido um essênio, muito menos um zelote. Após a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, pessoas que professam a religião judaica especularam sobre a possibilidade de que Jesus teria sido da seita dos Essênios, mas sem apresentar provas, e essas especulações prosseguiram como se verdade inconteste, levando a crer que visavam à tentativa de dessacralização de Jesus, colocando-o como mero seguidor de uma seita dos judeus.

Dizer que Jesus pertenceu à seita dos zelotes é um absurdo, pelo simples fato de que os zelotes promoveram a guerra contra a ocupação romana e Jesus pregava o amor, a sua revolução foi no mundo espiritual, mesmo que as conseqüências dessa revolução necessariamente reverberem no mundo material, principalmente no que diz respeito à luta contra as injustiças sociais.

   A contestação da história de Jesus, baseada em considerações de que historiadores da época, como Flávio Josefo e outros menos cotados não teriam narrado aquela história, não se sustenta à medida que verificamos que não era interesse dos judeus permitirem que a História registrasse um crime por eles perpetrado – e Flávio Josefo era judeu. Ao contrário, fizeram de tudo para tentar “esquecer” Jesus e não fossem os apóstolos não existiria o Cristianismo.

   Nada mais natural que Marcos tenha escrito o seu evangelho cerca de quarenta anos após a Paixão de Cristo, provavelmente durante a sua velhice, depois de uma vida inteira dedicada à pregação do que era chamado então de Boa Nova. Da mesma maneira, Mateus e João, igualmente apóstolos de Jesus. 

    Os que realmente lêem os evangelhos sabem que existem diferenças entre os quatro evangelhos, subsistindo, contudo, grande semelhança no que refere aos ensinamentos essenciais de Cristo, especialmente quanto às parábolas, os milagres, os dois sermões do monte e à Sua Paixão, morte e ascensão. Essas semelhanças, ao contrário do que afirmam os detratores do Cristianismo, corroboram a verdade da história de Jesus e as pequenas dissimilaridades que existem entre os evangelistas apenas revelam uma maior ou menor capacidade de apreensão dos ensinamentos de Jesus, assim como diferenças culturais. Mas são tão pequenas que em nada influenciam a mensagem do Cristo.

    É importante salientar que Lucas, um dos quatro evangelistas, ao contrário de Marcos, João e Mateus não era um dos doze apóstolos, mas discípulo de outro que também não conheceu fisicamente Jesus: Paulo. Não se sabe exatamente a sua origem; alguns dizem que Lucas era sírio, outros afirmam que seria grego, no entanto, todos são unânimes que exercia a medicina, esteve com Paulo em suas viagens depois de fazer uma verdadeira pesquisa jornalística sobre Jesus, interrogando os apóstolos e seguidores e buscando saber a verdade. É muito provável que tenha escrito o seu evangelho após a morte de Paulo, reunindo dados de todas as fontes que encontrou, e, o que mais surpreende: as informações contidas no seu livro (evangelho de Lucas) em nada discordam dos demais evangelistas.

     Provavelmente foi Lucas quem escreveu o “Atos dos Apóstolos”, ou grande parte daquele livro, incluindo as cartas de Pedro, João e Paulo para as comunidades cristãs de várias cidades. Além dos quatro evangelhos canônicos, o “Atos dos Apóstolos” – que refere as atividades dos apóstolos em seguida à despedida de Jesus – é um documento histórico incontestável dos primórdios do Cristianismo, incluindo os primeiros passos daqueles que, tomados pelo Espírito, decidiram-se a espalhar a Boa Nova por todo o mundo.

     Mesmo os mais arraigados inimigos do Cristianismo não podem contrapor a veracidade da história de Jesus, respaldada não só pelos quatro evangelhos canônicos, mas também pelo “Atos dos Apóstolos” e, inclusive, pelos evangelhos que a Igreja não considera verdadeiros e são chamados de apócrifos. Além disso, os próprios muçulmanos - que tem sido tão incompreendidos e mal interpretados atualmente - sempre respeitaram os cristãos e consideram Jesus como um profeta, reverenciando-o como “Issa, filho de Maria”, e no Corão, livro sagrado do Islamismo, há dezenove passagens que falam honrosamente de Jesus. 

    O fato de as fontes rarearem quando buscadas entre os judeus não cristãos ou entre os romanos da época significa apenas que aconteceu com o Cristianismo, em seus primórdios, uma grande censura, principalmente por parte dos judeus, que sempre negaram que Jesus fosse o Messias. Esse tipo de censura ocorre em todas as épocas, e sempre que um pesquisador se manifesta contestando a verdade oficial ou levantando novos fatos que não interessam ao sistema é discriminado acerbamente pela mídia vinculada aos donos do poder.

     É verdade que a Igreja, depois de Constantino, se tornou una com o que restava do Império Romano e, ao exercer o poder de fato dentro de um império que se desintegrava, muitas vezes revelou-se materialista e reacionária, e houve momentos – principalmente na Idade Média e no período da Inquisição - que pouco faltou para que a mensagem de Cristo fosse totalmente aniquilada por papas e cardeais que se revelaram perversos e degenerados.

    No entanto, o Cristianismo não pode ser julgado pelos erros de alguns que, consciente ou inconscientemente, abdicaram da espiritualidade em troca de bens materiais. Se a sua mensagem não fosse verdadeira não teria subsistido através dos séculos, e a própria Reforma Protestante, que levou muitos cristãos a se afastarem da Igreja Católica Romana, fundando novas igrejas para divulgar a mensagem de Cristo, acabou servindo como repreensão, aviso e impulso para que a Igreja, aos poucos, procurasse nas origens do Cristianismo a verdade que a preservou.

     Mesmo assim, não teria conseguido sobreviver frente à Reforma e a inimigos que preferem ocultar-se não fosse a presença do Espírito Santo que repetidamente, nos piores momentos, quando os representantes persistiam em erros gravíssimos, doava a sua força a pessoas das mais diferentes classes sociais e novas ordens cristãs eram criadas dentro da Igreja, sustentando-a e fazendo renascer o Cristianismo, através daqueles que, depois, foram considerados santos, como Francisco de Assis, Francisco Xavier, Tomás de Aquino, Agostinho de Hipona, Ignácio de Loyola e tantos outros que abraçaram e reergueram a verdadeira fé.

     Jesus, após a ressurreição e pouco antes da sua ascensão, disse aos apóstolos que estava indo embora, mas não totalmente, e pediu que todos orassem e perseverassem na fé, porque logo lhes seria enviado o Paráclito, que, em grego, significa o consolador, aquele que conforta, encoraja e reanima – e posteriormente foi chamado de Espírito Santo. Temerosos da perseguição dos judeus e romanos, os apóstolos se reuniram em uma casa onde tinham tudo em comum – a primeira comunidade cristã – e ali ficaram escondidos. Narra o livro dos “Atos dos Apóstolos” que quarenta dias após a ascensão de Jesus, os céus se abriram e desceram sobre os apóstolos como que línguas de fogo, o que fez com que eles perdessem o medo, abrissem as portas da casa e saíssem a pregar.

      Jerusalém, cidade cosmopolita, abrigava povos de todas as nações que falavam as mais diversas línguas, e quando os apóstolos começaram a pregar o evangelho abertamente todos entenderam e muitos foram os que se converteram. A partir daquele dia, os seguidores de Jesus passaram a ser perseguidos ostensivamente por judeus e romanos, mas não mais se intimidaram e muitos dentre eles foram mortos ao defenderem a fé. Estêvão, considerado o primeiro mártir cristão, foi apedrejado até morrer, pelos judeus que não admitiam aquela nova religião. 

     Entre os assassinos encontrava-se um homem chamado Saulo de Tarso, um dos mais ferrenhos perseguidores dos cristãos, que já estavam se espalhando por diversos países vizinhos e formando novas comunidades. Certa vez, em uma viagem entre Jerusalém e Damasco com a missão de encontrar cristãos na capital da Síria e levá-los presos a Jerusalém, Saulo teve uma visão de Jesus envolto numa grande luz a perguntar-lhe: “Saulo, por que me persegues?” Saulo ficou cego durante três dias e foi acolhido em Damasco por um cristão chamado Ananias, que lhe explicou o significado da sua visão e o batizou.

A partir de então, Saulo transformou-se em um novo homem, inclusive mudou simbolicamente o seu nome de Saulo para Paulo, e passou a ser o mais importante missionário do Cristianismo. Viajou pelos países de toda a bacia do Mediterrâneo, visitando as comunidades cristãs e propalando a fé cristã. Conhecedor da cultura clássica helenista, Paulo falava grego e latim, além do hebraico e aramaico. Em suas viagens pela Grécia, ficou célebre o seu discurso em Atenas. 

A cidade estava cheia de ídolos e, segundo Petrônio, havia mais de 30.000 estátuas nas ruas e prédios públicos. Paulo procurou a sinagoga, mas foi repudiado. Mesmo assim, insistia disputando com os judeus que moravam em Atenas. Não satisfeito, passou a freqüentar a Ágora, a praça da cidade, onde foi chamado de tagarela, mas devido à sua persistência, foi convidado pelos filósofos estóicos e epicuristas a falar sobre a sua religião no Areópago, um templo dedicado a Ares, o deus da guerra, e que servia de sala de audiências e reuniões solenes. Inquirido a respeito de qual dos deuses ele representava, Paulo respondeu que, chegado à cidade tinha visto muitas estátuas homenageando diferentes deuses e, entre elas uma em que estava escrito “Ao Deus Desconhecido” e era a mensagem desse deus desconhecido até então pelos atenienses que ele estava anunciando.

Não foi aceito pela maioria dos que o ouviam, porque a sua pregação falava da ressurreição de Cristo, manifestação do Verbo divino, o que não foi entendido pela mentalidade filosófica grega, que não cogitava da salvação – que também poderia ser chamada de transfiguração, ou entrega espiritual - oferecida pela transcendência de Deus, o que não pode ser provado por sofismas ou silogismos. Mesmo assim, algumas pessoas se converteram e foram batizadas e Paulo, ainda que decepcionado com a sua experiência em Atenas, prosseguiu na sua missão em outros lugares. 

Durante as suas visitas às comunidades cristãs, Paulo costumava perguntar aos cristãos recém conversos qual era o batismo que eles tinham recebido e muitos respondiam que era o batismo de João, o Batista, o batismo da água. Quando isso acontecia, Paulo (e também os demais apóstolos que pregavam em diversos lugares do mundo) lhes falava sobre o batismo do fogo, o batismo do Paráclito, do Espírito Santo, o batismo que os primeiros seguidores de Jesus receberam durante o Pentecostes e que lhes permitiu não só o dom de falar em línguas, mas uma verdadeira transformação interior – que poderia ser chamada, hoje, de “abertura dos chacras” – que lhes dava o poder de fazer milagres e catequizar.

Nessas ocasiões, Paulo (e os demais discípulos) impunha as mãos e os convertidos recebiam o Espírito Santo – da mesma maneira que Ananias tinha feito com ele. A fé, que não pode ser explicada pela razão, é dada através do batismo do Espírito, possibilitando não só uma melhor compreensão dos ensinamentos de Cristo como uma sensação de íntima libertação e percepção do sentido da palavra comunhão. 

Paramentos, rituais e liturgias são importantes simbolicamente, mas não devem ser um objetivo em si para todo aquele que se considera cristão, mas não anseia pela transformação interior que só o batismo de Espírito pode facultar. A luta, a galhardia, o destemor e o conhecimento em união com a fé somente podem ser alcançados através do batismo do Espírito que transcende a mera especulação racional e dá a força necessária para fazer do cristão um guerreiro pela verdade e pela paz – assim como os primeiros cristãos que se negaram ao embrutecimento e pregaram a mensagem de Cristo a todos os corações.

Vivemos em momentos de grosseira idolatria a máquinas que proporcionam um superficial lazer, separando as pessoas ao fingir uni-las, e por todos os lados, em nome de um capitalismo selvagem, materialista e que visa somente o lucro, prega-se o individualismo e subvertem-se valores universais. Cabe ao cristão – assim como a todos aqueles não cristãos, mas que buscam a espiritualidade – lutar para desmascarar esta realidade permissiva que está transformando as pessoas em objetos ou massa manipulável que só pensa no prazer imediato. Cabe ao cristão, também, defender a fé e preparar o caminho do Senhor através da entrega espiritual que se sobrepõe a todos os possíveis ganhos materiais. 

“Pois em um só corpo todos nós fomos batizados em um único Espírito: quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um único Espírito.” (1 Coríntios 12:13).

Um comentário:

Faça o seu comentário aqui.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...