Seu
Chico estava lendo jornais e revistas quando eu cheguei. Ofereceu um mate,
apontou para os jornais e disse que o nosso jornalismo marrom está em fase de
evolução.
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Veja o senhor que agora não é somente marrom. Tem o verde-oliva, o rosinha
esmaecido e o branco.
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O branco?
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O branco é o nosso, aqui dos pagos. Nada diz e se disser muito menos dirá.
Sobrevive de releases e de matérias protelatórias – só pra usar a palavra da
moda.
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Mas tem gente boa aqui, seu Chico.
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Claro que tem, eu não estou é lembrando os nomes, no momento. Deve ser a
idade... Sabe como é, a memória fica um pouco enfraquecida.
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O que são matérias protelatórias?
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Protelatórias ou insinuativas. Aquelas que insinuam uma notícia, sem
completá-la. O senhor deve saber que o jornalista deveria ser um profissional
que informa. Pois as matérias protelatórias insinuam que talvez algo em algum
lugar tenha acontecido. Isso acontece muito em rádio. Por exemplo, se alguém
está sendo investigado ou foi preso e pertence a alguma daquelas profissões de
intocáveis eles não informam quem foi e com isso colocam sob suspeita todos os
profissionais da área.
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Quem sabe o curso de jornalismo agora tem uma nova matéria que ensina a
insinuar e não a informar, seu Chico?
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Pois andei pensando nessa possibilidade e não a descarto, desde que descobri
que tem jornalista que vive de boato e de achismo. Vão pra rua, que já está
virando universidade, e perguntam pros amigos passantes o que acham disso ou
daquilo. E depois fazem um belo programa de achismos. Às vezes, os ouvintes telefonam
dando as suas opiniões e até informando os jornalistas.
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Talvez seja um novo tipo de programa, seu Chico, onde os jornalistas são os
ouvintes e vice-versa.
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E tem aquelas rádios que vivem de informação em cadeia.
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O que é isso, seu Chico? Alguma coisa relacionada com o Zé Dirceu?
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Até pode ser. Elas só informam em cadeia com outras rádios. Preguiça de fazer
jornalismo em plena era da Internet. Ou só contratam gente pra programa
musical. O senhor sabe quanto ganha um jornalista formado, aqui?
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Depende. Com exceção dos amigos de deputados, deve ser muito pouco.
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Nada é impossível nesta terra. Já ouvi dizer que o prefeito vai tirar férias e
passar o governo municipal para o povo...
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Mas isto seria inédito e maravilhoso!
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Brincadeirinha! Isto é achismo. Acha que ele iria largar o bem bom? Até nas
férias fica analisando as futuras licitações, as fichas dos secretários...
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O senhor quase me pegou.
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Pois é nesses ‘quase’ que anda o nosso jornalismo. O jornalismo investigativo
acabou. Penso que, de tanto investigarem, os nossos jornalistas investigativos
sumiram junto com as informações.
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Mas tem os colunistas sociais, as colunas culturais...
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Pois esses são os salvadores da pátria! Investigam tudo! Mas, além deles...
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Protelações?
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Ao meu modo de ver. Por falar nisso, os mensaleiros condenados continuam
soltos. O Joaquim Barbosa resolveu aceitar todos os recursos protelatórios dos
advogados de defesa, que irão protelando, protelando, até o momento em que o
STF decidir que os mensaleiros devem ficar presos somente entre as grades das
fronteiras do Brasil.
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Grades muito firmes, não é seu Chico?
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Mas bah! Só passa contrabando combinado com antecipação. Isso me lembrou de um
antigo amigo, também chamado Joaquim. Era alto, forte, voz grossa e costumava
dizer que com ele ninguém podia.
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Daqueles...
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Pois é, daqueles. E sendo daqueles, um dia surgiu um desentendimento feio com
outro sujeito que não era nem alto, nem forte, nem falava grosso e nem tinha
razão e disse pro Joaquim que iria esperá-lo na esquina para “conversarem”.
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Pobre do cara!...
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Ficou famoso. O Joaquim não foi. Protelou. Disse que seria muito prevalecimento
bater num qüera magrinho, ainda mais em época de Natal.
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Era época de Natal?
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Por coincidência.
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E aí, seu Chico?
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Até hoje. Passou um Natal, passou outro...
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Na verdade, o seu amigo Joaquim deixou o cavalo passar encilhado.
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É verdade... Mas não é mais meu amigo. Ficou sendo só conhecido.
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E o nosso dinheiro, seu Chico? Fiquei sabendo que os mensaleiros não vão
devolver nada.
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Nem um centavo! Na hora de decidirem o principal do processo do Mensalão, que
seria a devolução do dinheiro roubado, os juizes do STF engasgaram.
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Engasgaram?
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Foi um engasgamento e uma tossideira geral. Um dizia que não sabia como fazer,
outro que muito menos, já um terceiro ficava perguntando aos céus se seria o
caso de fazer um rateio entre os ladrões condenados e quando aquela palavra
soou todos calaram.
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Que palavra, seu Chico?
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Rateio. Lembra aqueles bichinhos ladrões. Diz-que naquela hora todos ficaram se
olhando sem jeito e em seguida preferiram encerrar a pauta. Agora virou
jurisprudência: ladrão rico e importante pode ser condenado, mas não devolve o
dinheiro nem é preso.
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Quem sabe foi o tal de Espírito de Natal, seu Chico?
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Pois este é um Espírito muito amigo da ladroagem, pelo visto. A não ser que os
ministros do Supremo devolvam o dinheiro roubado dos bolsos deles e eu penso
que o Espírito de Natal não chega a esse ponto.
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E a imprensa não deu nenhum destaque para isso, que eu saiba.
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É uma imprensa muito natalina. Mas o diacho é que eu fico procurando alguma
notícia nestes jornais com letra miudinha e me informam que o comércio está
vendendo muito. O contrário é que seria uma grande notícia. Também dizem que a
cidade está muito bonita, com enfeites e coisa e tal. Fui ver. Parece carnaval,
e deve ser esta a razão – vão deixar os enfeites até o Carnaval, que é um
grande negócio para alguns. E não é a cidade, é só no centro. Tem até anjinho
na praça que já foi de desportes e hoje é a praça da moto e daquela coisa
côncava onde a gurizada fuma a sua maconha.
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Este é um governo democrático, seu Chico. Construíram até o Maconhódromo.
Primeiro arrancaram quase todas as árvores da praça e as que sobraram foram
cercadas com pedras como quem diz “Não saiam daqui, não espalhem as suas
raízes!”.
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Pois não é? Tudo pela felicidade geral dos autômatos.
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Por falar em auto, seu Chico, ouvi um radialista dizer que tem pedestre que não
respeita os carros, provocando acidentes.
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Deve ser daqueles pedestres que correm tanto que não tem tempo pra frear na
frente dos pobres dos carros estressados. É um perigo isso de pedestre bater em
carro. Depois tem que pagar o conserto da lataria. É tanto carro e moto que
qualquer dia também tiram as calçadas.
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Como diria uma amiga minha: “Quem te viu, quem te vê!”. Mas eu já viajei
bastante e sei que esses fenômenos urbanos acontecem só por aqui. Santa Maria
tem a Bozano, que é uma rua 24 horas. Para o pedestre, o cidadão. São Leopoldo
fecha parte da Rua Grande nos fins de semana. E por aí vai. É uma questão
cultural. Ou de ausência de cultura... O senhor se lembra que o prefeito falou
muito em pavimentação durante a campanha eleitoral? E não lembro que ele tenha
falado em ciclovias, aumento das calçadas, ruas 24 horas, respeito ao pedestre,
calçadões... E muito menos em ecologia. E isso me recorda de um grande amigo, o
Domingos, que era Secretário de Ecologia e quando fez o Calendário Ecológico
foi corrido da Secretaria pelo ex-prefeito.
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O que me leva a pensar, comparando as figuras, que o nosso atual prefeito não é
um mau sujeito, mas me era mais simpático quanto tinha a sua Brasília amarela,
parava pra conversar...
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O poder transforma, seu Chico. Naquela época ele não era nem vereador.
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E também transtorna, pelo visto. Mas nada está perdido, as coisas mudam... Veja
que até o Calendário Maia, que terminou, estava certo.
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Como certo, seu Chico, se nós estamos aqui conversando e o mundo não acabou?
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Acaba. A continuar assim, acaba. Lhe digo que o Calendário Maia estava certo e
foi mal interpretado. Referia-se ao pito que o Marco Maia deu no Joaquim
Barbosa e no dia seguinte o famoso ministro do Supremo que já foi até lembrado
para Presidente da República preferiu não mandar prender os mensaleiros.
Protelou.
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Como aquele seu amigo, o outro Joaquim.
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Ex-amigo. Hoje é só um conhecido.
Ótima matéria! S.Chico e interlocutor continuam críticos e bem humorados, apesar de tudo. Feliz Natal, Blogueiro!
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