Em “O Nome da Rosa”,
primeiro romance de Umberto Eco que se tornou best-seller e mereceu um filme, o
autor foi criticado pela fácil criação da personagem Guilherme de Baskerville,
uma provável paródia de Sherlock Holmes, e não faltaram aqueles que o acusaram
de plágio, o que foge à verdade, porque Sherlock Holmes tornou-se tão universal
enquanto personagem, caracterizado como um ser humano muito humano com seus
repentes de gênio e viciado em cocaína (na época a droga preferida da elite
inglesa) que muitos outros escritores, além de Conan Doyle, deram-se à
liberdade de escrever “aventuras” do famoso detetive.
O próprio Conan Doyle
em seu tempo foi acusado de plagiar Edgar Allan Poe, o que não foi negado pelo
autor. De fato, a personagem C. Auguste Dupin, que aparece em três histórias de
Poe (Assassinato na Rua Morgue, O Mistério de Marie Rogêt e A Carta Roubada) é anterior à criação de Sherlock Holmes, e quem
narra as aventuras de Dupin é um amigo próximo, ficando ainda mais óbvia a
cópia não muito criativa que Conan Doyle fez de Allan Poe, através de Sherlock
Holmes e seu amigo Watson.
Na segunda novela de
Sherlock Holmes, “O Signo dos Quatro”, inquirido por Watson, Sherlock admite
que Dupin é um bom detetive, embora não passe de um bon-vivant, enquanto ele,
Sherlock Holmes, dedicou a sua vida inteira a estudos e pesquisas para se transformar
em um detetive particular de consultas, usando o método científico e a lógica
dedutiva. É também naquele livro que se revela o Sherlock dado ao uso de
morfina e cocaína, especialmente a segunda droga – uma solução na concentração
de sete por cento, conforme explica ao amigo indignado.
Aproveitando a deixa,
o escritor e roteirista Nicholas Meyer escreveu, em 1974, The Seven-Per-Cent Solution: Being a Reprint from the Reminiscences of
John H. Watson, M. D. - traduzido
no Brasil para “Uma Solução a Sete Por Cento”. No romance, Watson consegue
levar Sherlock Holmes a se tratar com Sigmund Freud, na Alemanha. É sabido que
Freud, criador da Psicanálise, utilizava não só a hipnose como a cocaína em
seus pacientes mais histéricos, e ele próprio passou a usar a droga e somente
largou o vício, a muito custo, depois que viu um de seus amigos morrer de
overdose.
Na época, século XIX
e início do século XX, cocaína, morfina, ópio e heroína eram considerados
remédios. A heroína de Bayer, vendida em frascos, foi divulgada como remédio
contra a tosse para crianças. O vinho de coca de Metcalf, o vinho Mariani, o
Maltine, eram bebidas à base de cocaína. A cocaína era tão famosa, que a
indústria C. F. Boehringer & Soehne (Manheim, Alemanha) lançou um peso de
papel promocional onde estava escrito “os maiores fabricantes do mundo de
quinino e cocaína”. A Martin H. Smith Company, de Nova Iorque, lançou a
glico-heroína, indicada como remédio contra a asma, tosse e pneumonia. O
Vapor-Ol, também à base de heroína, era indicado contra crises espasmódicas. Em
1900, a Vandenbrok Pharmacien criou os tabletes de cocaína – “indispensáveis
para cantores, oradores e professores”. Existia o drops de cocaína para dor de
dente, produto da Lloyd Manufacturing Co. e, para recém-nascidos, o frasco de
paregórico (sedativo) da Stickney and Poor. O produto continha 46% de álcool
misturado com ópio. E observem o nome da Coca-Cola.
Portanto, não é de
surpreender que uma personagem como Sherlock Holmes usasse morfina e cocaína e
ficava subentendido que, talvez, a sua clarividência em muitos casos se devesse
ao vício das drogas. Além disso, o público leitor de Conan Doyle, formado pela
classe dos afortunados que sabiam ler, identificava-se com as historietas
policiais onde os crimes eram solucionados por alguém muito próximo, com
hábitos comuns a todos e com a vantagem de ser original e criativo.
Quando Marx escreveu
a sua célebre frase “A religião é o ópio do povo”, não necessariamente atacava
a religião, como muitos deduziram, mas provavelmente a revelava como única
satisfação e consolo de um povo que não tinha condições de adquirir não só o
ópio, como a heroína, cocaína, morfina e outras drogas que foram destinadas à
alegria e regozijo das elites. E quando essas drogas passaram ao consumo das
classes mais baixas e foram proibidas – porque não se pode ter subordinados
bêbados e drogados – não é de estranhar que essa proibição tenha se limitado
apenas ao tráfico e, em alguns casos, ao consumo.
Não é absurdo pensar
que as grandes empresas ligadas à fabricação de remédios ou de drogas que apelidavam
de remédios tenham facilmente largado o principal suporte da fortuna dos seus
donos. Provavelmente continuaram a fabricar em suposto segredo a cocaína,
heroína e outras drogas destrutivas, talvez com o apoio dos propalados cartéis
de drogas. Quem não acha estranho o combate somente ao intermediário, ao
traficante, sendo que as drogas são fabricadas livremente?
Assim, a personagem
Guilherme de Baskerville, criada por Umberto Eco apoiando-se no estereótipo de
Sherlock Holmes não pode e não deve ser considerada plágio do detetive inglês,
mas uma realimentação do moderno mito do herói, ou anti-herói, que possui não
só virtudes como defeitos, e vemos Guilherme, em determinados momentos,
ingerindo plantas supostamente alucinógenas, assim como Sherlock Holmes usava
cocaína.
Plágio é o início do
primeiro capítulo de “O Nome da Rosa”. Não exatamente plágio no sentido vulgar
da palavra, mas uma cópia, imitação ou adaptação do capítulo III do conto de
Voltaire - “Zadig, ou o Destino”. Em “Zadig”, Voltaire escreve: “(...) divisei
marcas de ferraduras que se achavam todas a igual distância. “Eis aqui”,
considerei, “um cavalo que tem um galope perfeito”. Ainda: “Vi debaixo das
árvores que formavam um dossel de cinco pés de altura, algumas folhas recém tombadas,
e concluí que o cavalo lhes tocara com a cabeça, e que tinha, portanto, cinco
pés de altura (...)”.
Umberto Eco escreve (“O
Nome da Rosa”, primeiro capítulo): “(...) No trevo sobre a neve ainda fresca
estavam desenhadas com muita clareza as marcas dos cascos de um cavalo, que
apontavam para o atalho à nossa esquerda. A uma distância perfeita e igual um
do outro, os sinais indicavam que o casco era pequeno e redondo, e o galope
bastante regular (...). Mais adiante: “(...) Lá onde os pinheiros formavam como
que um teto natural, alguns ramos tinham sido recém-partidos bem na altura de
cinco pés (...)”.
Acredito que Umberto Eco, conceituado erudito, não resistiu à livre
adaptação de alguns trechos do conto de Voltaire ao seu romance, o que não
diminui a beleza da sua obra que, muito além de uma história detetivesca e a
par do belo estilo, está recheada de informações históricas sobre a Europa
medieval.
Ficção histórica é o
que mais se vê atualmente nas livrarias. Depois do indefectível e ridículo Dan
Brown pipocaram livros sobre Templários, Illuminati, Maçonaria e demais temas
esotéricos e ocultistas e se é certo que não se pode comparar um grande
escritor como Umberto Eco com fabricantes de thrillers suspeitos como Dan Brown
e outros, preocupa o fato de que muitos desses livros tentam fazer uma revisão
histórica sem qualquer base científica, e seus leitores, muitas vezes falhos em
informação, tendem a confundir ficção com História, não fazendo diferença entre
a imaginação e o fato comprovado.
Principalmente neste
momento em que as drogas estão sendo novamente liberadas, voltando para o
controle dos seus antigos donos – as empresas multinacionais – é de se temer
que o grande exército de zumbis que está se formando em todos os países passe a
aceitar facilmente, devido à incapacidade do uso do raciocínio, a revisão
histórica feita através dos livros de ficção e as mentiras impostas através dos
filmes norte-americanos (principalmente), porque para um mundo novo devidamente
globalizado não só no comércio, mas, principalmente, nas idéias e pensamentos,
a aculturação deve ser o principal pressuposto.
A absorção da cultura
dominante exclui a pesquisa da verdade no instante em que são criados mitos
falaciosos que devem ser venerados como deuses e entregues às massas como receituários
de conhecimento, cada vez mais diminuto e suficiente para pequenos cérebros que
não mais se importarão se o escritor A copiou um pequeno trecho de um conto do
escritor B, porque a falsidade e a velhacaria, assim como a corrupção, farão
parte do dicionário dos donos do ínfimo saber.
E o leitor atento
poderá imaginar que estou me referindo somente ao Brasil dividido em tantos
brasis e em tantas culturas que alguns poucos teimam em preservar, a despeito
dos meios de comunicação que as desejam sufocar. Aqui, apesar dos corruptos
que, aos poucos, estão conhecendo o seu lugar nos presídios, apesar dos
péssimos políticos e de uma maioria da população que aceita o jugo, ainda há
algum resquício de dignidade. Luta-se nas ruas, luta-se nas universidades e nos
centros culturais. Refiro-me principalmente aos autodenominados países do
primeiro mundo, exploradores da miséria e da fome. Os que enriquecem com a
fabricação das drogas e das guerras. Estes são os mais aculturados, os mais
domados e subservientes ao império desonesto e medíocre que ajudaram a formar.
Para ilustrar, entre
tantos exemplos cito um livro que li recentemente, do escritor português Joaquim
Fernandes. Chama-se “O Cavaleiro da Ilha do Corvo”. Em uma tentativa de
thriller, onde não faltam as corridas e as perseguições, os bons e os maus,
adivinhem quem é o herói principal? Um norte-americano. Não pode conter-se o
autor e reverencia aqueles “que sabem tudo” (palavras suas). É da personagem
estadunidense que surgem as grandes idéias e soluções. Há maior exemplo de
aculturação do que este? Com certeza há, é só um pequeno exemplo.
Além disso, o tema do
livro trata da descoberta de indícios sobre a navegação de cartagineses e
fenícios não só no Mediterrâneo como no oceano Atlântico e tem como principal
virtude a citação de algumas fontes confiáveis. O que não é nenhuma novidade no
Brasil. Além da saga de Erik, o Vermelho, viking que andou pelas Américas, há
numerosas evidências que estão sendo pesquisadas há muitos anos sobre as
visitas dos nórdicos e dos povos do Oriente Médio e África do Norte às terras
americanas, muito antes de Colombo.
Há poucos dias, fiquei
sabendo de uma proposta para tornar a língua inglesa o segundo idioma oficial
de Portugal. É muito triste saber que existem pessoas em Portugal tão
afeiçoadas aos Estados Unidos e seu império!... Não são todos os portugueses,
bem entendido, assim como no Brasil nem todos são corruptos ou selvagens.
Aliás, os nossos “selvagens”, que estão sendo dizimados pela nefasta política
fundiária de Dilma Roussef, têm a alma mais pura e o coração mais limpo que a
grande maioria dos descendentes de europeus.
Muito boa matéria sobre literatura de forma geral e análise abrangente sobre cultura e também aculturação.
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