sexta-feira, 18 de maio de 2012

CONVERSAS DAQUI E DE LÁ




O escritor português José Solá, autor de “As Agruras do Mal”, “Contos Polêmicos” (em dois volumes) e “Ganância” – este último alcançando grande sucesso – além de inúmeras crônicas e contos publicados em jornais como o “Diário de Lisboa”, escreve-me pequena mensagem que eu publico com a sua licença:

     "Meu caro: a Europa está dominada por pantomineiros, vigaristas, aldrabões, nazis, assassinos e todo o genero de canalhada que imaginar se possa; essa gente está nos lugares cimeiros dos estados, (reis, presidentes da republica (?), primeiros ministros, segundos ministros e etc; dominam os aparelhos de Estado, a alta finança, e tudo o que dê dinheiro, e isso acontece porque sabem muito bem cantar canções de embalar aos povos que lhes garantem o poder e que os veneram como se fossem estrelas de futebol. É gente asquerosa que só pela força vão largar o osso! Veja que, em Portugal, nesta maravilhosa republica das bananas, possivelmente vão morrer pessoas por falta de medicamentos, (eu inclusive), e todos os responsáveis assobiam para o ar! Obrigado por me aturares de quando em vez! Um abraço!"

     Solá ficou doente depois de participar de uma daquelas gigantescas marchas de protesto que ocorrem seguidamente na Europa contra a tirania do capital. Os “responsáveis que assobiam para o ar” jogaram a sua polícia robotizada – com canhões d’água, gás de pimenta e balas de borracha - entre outros artifícios tecnológicos de repressão, contra os manifestantes que marchavam em Lisboa. As marchas continuam. “Navegar é preciso...”, como disse o Infante Dom Henrique, ou: “O povo unido jamais será vencido”, como dizia o velho Lula, quando era jovem e sincero.

     “Aturar” as mensagens de Solá é uma das bênções da minha vida. José Solá possui a arte de saber sintetizar em poucas palavras aquilo que todos nós pensamos e raramente sabemos dizer. Pensamos do Brasil – um país “dominado por todo genero de canalhada que imaginar se possa”. E percebemos que há uma diferença cultural gigantesca entre a maioria das nações europeias e o nosso povo encarnavalado.

     Lá, o povo sai às ruas para protestar contra o domínio dos banqueiros que torna os políticos vigaristas subordinados, ao ponto de tirarem da população direitos conquistados há mais de cem anos, provocando o desemprego que atinge mais de 17 milhões de pessoas na zona do euro, sufocando a produção, a indústria e os serviços. A grande maioria dos países europeus está entrando numa recessão que atinge principalmente o povo, da classe média para baixo, enquanto os ricos ficam ainda mais ricos.

     No entanto, lá o povo sai às ruas em marchas de protesto, destitui governos – como na Grécia – e não aceita a miséria como destino. É um continente que tem 80 milhões de pessoas pobres, aproximadamente 26 por cento da população total, como consequência da crise provocada pelos banqueiros e políticos. O diretor da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), Jacques Diouf, afirma que esse panorama é fruto de 15 anos de neoliberalismo, o qual jogou milhões no desamparo.

     Aqui, a classe média, não tão média assim, sai às ruas das grandes capitais para defender a descriminalização da maconha. É a grande bandeira de luta deste momento histórico, quando os índios pataxós da Bahia tentam resistir ao neocolonialismo invadindo áreas que sempre foram deles, as nações indígenas do Xingu preparam-se para enfrentar a polícia da ditadura disfarçada de democracia na defesa das suas terras que serão inundadas pela mega-hidrelétrica de Belo Monte e os restantes demais indígenas do Brasil tentam evitar o extermínio, mesmo que seja apenas através de palavras que nunca são reproduzidas pela mídia aliada ao governo.

     Mas a classe média (não tão média assim) dos brancos e dos negros com alma branca quer maconha, futebol e samba.

     O povo, a quase totalidade dos brasileiros, independente de cor ou origem, continua a ser enganado pelos aldrabões contumazes, através de promessas de melhorias sociais, não de transformações sociais. Os sindicalizados raramente protestam, um pouco porque os seus líderes são aliados do governo, pelegos assumidos; outro pouco porque formam uma casta à parte em relação à miséria que cada vez prolifera mais, apesar das chorosas promessas da Dilma e dos discursos roucos de Lula.

     12,9 milhões de crianças morrem antes de completarem 5 anos, no Brasil, enquanto 10% dos muito ricos detem quase toda a renda nacional. Não mudou muito, ou quase nada, desde a época da ditadura oficial fardada.

     Dia desses eu vi, na televisão, quatro ex-presidentes brasileiros: Collor, o que foi eleito e deposto pela rede Globo, e um dos donos de Alagoas; Sarney, o bom menino que escreve versos e é aliado de todos os governos, e dono do Maranhão; Fernando Henrique, que deu início à política de privatizações e consequente entrega do Brasil às multinacionais, e Lula, o maior exemplo de demagogia da história brasileira, que continuou a entregar o Brasil a bancos e empresários. Ao lado, Dilma, que o Lula elegeu. Era a cerimônia de implementação da Comissão da Verdade, que deverá investigar crimes políticos e militares de 1946 a 1988. Antes e depois dessas datas faz de conta que não houveram crimes. Todos sabem que a tal Comissão da Verdade foi criada para nada fazer e pouco dizer. Com certeza, alguns conhecidos criminosos daquela época serão novamente reconhecidos. Nada além disso.

     E a classe média, não tão média assim, quer maconha. Também quer outras drogas, mas, por enquanto, só faz marchas pela maconha.

     Enquanto isso, o Brasil vai sendo devastado rapidamente, agora oficialmente, através de um Código Florestal que beneficia latifundiários e grandes empresas – nacionais e estrangeiras – encarregadas do desmatamente e da desertificação da terra através da plantação de produtos transgênicos. Poucos falam a respeito, somente um punhado na Internet, que está sendo ameaçada de censura. Os ambientalistas que se revoltam abertamente são assassinados. Esses crimes a Comissão da Verdade não investigará.

     Outra comissão, formada por congressistas, investiga crimes de congressistas, e todos sabem que também nada resultará dessas investigações. Talvez role uma ou outra cabeça, em limpeza estratégica. É uma das maneiras que deputados e senadores brasileiros encontram para justificar os seus salários que, com todos os adicionais, chegam a mais de 150 mil reais por mês. Eles brincam de trabalhar.

     O povo brinca de esperança, já faz tempo. Sendo que a esperança do momento é que a seleção brasileira vença a Copa do Mundo de 2014, embora ninguém leve muita fé.

     Fé. Multiplicam-se os programas de rádio e televisão das igrejas evangélicas, e até da elitizada igreja católica. As igrejas estão cheias a qualquer hora. É necessário ter fé, acreditar que algum poder transcendental virá nos salvar, ou, ao menos, nos garantir que em outra vida a felicidade será permanente. Um pouco tediosa uma felicidade permananente, mas bem melhor que uma infelicidade constante.

     Jogar no bicho também pode dar certo. Talvez a sorte apareça e você acerte os números de alguma loteria. Talvez o seu time ganhe um campeonato. Talvez as eleições tão próximas revelem políticos menos corruptos. É tudo uma questão de fé.

     No Brasil, a cada cinco minutos morre uma criança. A maioria, devido a doenças provocadas pela fome. 36 milhões de brasileiros nunca sabem quando terão a próxima refeição. São dados da UNICEF.

     Mas a classe média, não tão média, quer maconha e outras drogas; os pobres vivem de fé e esperança e os dez por cento muito ricos pensam que são muito caridosos.

domingo, 13 de maio de 2012

ZIS



Cerceis. Surgiu de uma poesia, talvez de um verso mal rimado, de um momento de abstração, se isso ainda existe neste mundo extremamente material, ou, talvez, no momento em que eu estava ouvindo uma milonga na hora do mate. O meu Word não reconhece a palavra milonga: é sudestino, feito para o Brasil ainda escravocrata até nas palavras.

     Estava ali e não fiquei assustado ou surpreso quando perguntou: “O que é Brasil?”

     – É um país ao qual estamos agregados à força, respondi sem ainda me dar conta da sua presença. Porque são tantas as revoluções, quando amanhece e ainda parece noite, que tudo é normal, até conversas com o silêncio.

     “Preciso de um número”, disse, quase a suplicar, “qualquer número”.

     – Serve uma fórmula? E = mc2 está bom?

     “Muito antiga, mas já é alguma coisa. Equivocada, é claro”.

     - Equivocada, Cerceis? Foi então que percebi que tinha pronunciado o seu nome, que talvez tivesse intuído naquele início de manhã, quando os passarinhos já chilreavam e o mundo nascia de novo. – Equivocada? Foi exposta pelo gênio da língua de fora, o gênio da bomba atômica, o gênio dos gênios - retruquei, indignado, e passei a tentar explicar a teoria da relatividade. Cheguei a falar sobre o trem que se move ou parece se mover, dependendo do ponto de vista de quem está dentro ou de quem observa o trem.

     Riu-se do retrato da língua do gênio, mas gostou dos cabelos, e insistiu: “Equivocada, porque quem observa os dois, talvez do alto, deve, necessariamente, ter outro ponto de vista. E quem observar o que observa... e assim infinitamente, como uma periódica”.

     – Mas a equivalência massa-energia não é verdadeira?

     “Óbvio. E massa-energia é igual a que? A mais massa-energia, a pontinhos fotônicos, à curvatura do tempo, a estrelas mortas que parecem vivas porque a sua luz ainda chega até aqui? Tudo é zis, em igual velocidade e sem tempo - que é uma ilusão da densidade afoita. Percebe?”

     Não percebi. Não parecia zis, mas zen. Tudo é e fim. Parmênides em demasia. Falei para ele sobre o Ser e o Não Ser; o rio que não é o mesmo quando se entra nele pela segunda vez; a tartaruga que vence Aquiles na corrida, todas aquelas coisas filosofistas ou filosofaicas ou filo de alguma coisa, talvez da Sofia imaginada pelos gnósticos. Expliquei que a nossa era uma civilização de sábios - embora também de suicidas - que tudo explicavam e que estavam descobrindo até a partícula de Deus. – A Partícula de Deus, Cerceis, entende?

     “O que é Deus?”

     Paciência tem limites, mas a minha era grande naquela manhã que crescia e trazia consigo um frio gostoso de quase inverno. Domingo é um dia em que o tempo parece não existir.

     - Deus é o ser que criou todas as coisas, todos os seres, todos os mundos e dimensões. Criou a natureza e o homem que está devastando a natureza. Esta é a teoria criacionista, adotada pelas religiões. Há outra, a darwiniana, ou evolucionista, que acredita apenas na matéria e descarta seres que não podemos ver ou provar a sua existência. Extremamente científica, diz que os seres foram evoluindo uns dos outros. A primeira molécula teria gerado aglomerados de moléculas, que, com o tempo, deram origem a todas as espécies, até chegar ao ser humano inteligente e que descobriu essa teoria. E antes da primeira molécula houve o primeiro átomo e antes do primeiro átomo a explosão – que chamam de Big-Bang – que originou tudo.

     “Mas não é a mesma coisa? O que houve antes do Big-Bang? A tal Partícula de Deus? E antes dessa partícula? Nada surge do nada e vocês complicam muito o que é simples: tudo é zis.”

     - Não estou entendendo, Cerceis.

     “É tão simples! Por que tantas teorias? Buscar o início é o mesmo que prever o fim. E não existe início nem fim. Eternidade – não é esta a palavra? Talvez infinito? O que os cientistas de vocês estão tentando provar é que existe um início e um fim para todas as coisas, e isso é um erro. Tudo se transforma infinitamente. O que parece ser o fim é o início de outros universos, de multiversos, de novas dimensões. E a teoria criacionista também está errada por essa mesma razão. Como poderia Deus ter um início se ele é tudo – expansão e contração ao mesmo tempo sem tempo? Neste caso, ele também teria um fim, o que não é concebível.”

     - O Todo é igual ao Nada?

     “Só por uma necessidade de expressão, de usar palavras. Tudo é uma só coisa em diferentes formas visíveis e invisíveis: zis.”

     - Não estou convencido, Cerceis. Tu me pediste um número, e se eu te desse o número 1 - ele não é a origem de todos os demais números? Sem o 1 não existe o 2, o 3, etc. Talvez não existisse nem a ciência. E o 1 significa início, criação, assim como Deus ou como o primeiro átomo, a primeira partícula.

     “Ora, que bobagem! Perdão, que mania de só olhar para um dos lados. Se o 1 existe, isso só significa que deve existir o menos 1, menos 2, e por aí vai. Sem esquecer o zero, que é a contração supostamente invisível de todos os números. Se há uma contração, necessariamente haverá uma dilatação expressa pelos números, para todos os lados, porque o zero é redondo e expressa finitude e infinitude: zis.”

     Simples assim? Tudo é zis?

     “Tudo é zis, mas vocês tem a mania da demonstração. Por isso são criadas coisas monstruosas, como as armas atômicas ou piores. Os cientistas costumam ser egomaníacos; não se preocupam com a vida, apenas com o seu limitado anti-zis.”

     - Antes de tu aparecer, surgir, sei lá, eu estava pensando em escrever uma matéria sobre o Dia das Mães. Dizer o quanto elas são importantes, necessárias, amorosas... Não só as que são mães, mas todas as mulheres, pois todas trazem em si o universo do apego e desapego ao mesmo tempo; sabem doar-se e sabem desfazer-se dos que amam, mesmo com muito sofrimento. Tudo devemos a elas; não só a vida – e a vida já é tudo – mas a sensibilidade, o carinho, a capacidade de percepção, a leveza, a suavidade. Acredito que só as mulheres podem evitar que o nosso mundo continue suicida.

     “As mulheres são muito zis!”

     - Zis?

     “Elas não precisam de números. São simplesmente zis.”

sexta-feira, 11 de maio de 2012

ELES MATAM ELEFANTES


O rei Juan Carlos, da Espanha, caiu e fraturou o quadril enquanto caçava elefantes, em Botsuana, África. Depois do susto – e da dor – o rei foi encaminhado para um hospital onde fez uma cirurgia para implantar uma prótese. O rei pediu desculpas aos espanhóis (não aos elefantes!), depois de sair do hospital. Mas sabe-se que, pelo menos, desde 2006 (como mostra a foto capturada da Internet), o rei Juan Carlos, provavelmente por não ter o que fazer, que é o fazer dos reis, tem estado a matar elefantes. Dizem que é um rei muito bom e espiritualizado. Inclusive, pertence a uma famosa organização ambientalista.

     Todo o povo espanhol ficou indignado porque o seu rei tem o vício de caçar elefantes. Um vício ancestral, talvez genético. Afirma-se que os reis tem essa mania de caçar elefantes. Mesmo os reis bonzinhos, como o rei da Espanha, sucessor de Franco, que matou apenas metade dos espanhóis, nos anos 30 e 40, naquela guerra civil muito mal contada pelos historiadores. Só matou gente, de todos os tipos e tamanhos; que se saiba, nunca matou elefantes. Matar elefantes é um privilégio reservado para reis. Por vezes, alguns vassalos também exercem esse esporte, mas com licença real.

     Não se sabe se a rainha da Inglaterra já participou de uma caçada de elefantes, mas não é improvável.

     Em algum momento na vida dos reis (e rainhas) surge aquela vontade quase inexplicável de... matar elefantes. Alguns – muito poucos – vencem a tentação, não caçam elefantes e se contentam em apenas reinar, dominar, tripudiar e, quando morrem, são chamados de reis santos. Mas a maioria dos reis (e rainhas), em algum momento das suas vidas, mesmo quando estão muito velhos – como o rei da Espanha – acabam se deixando levar pelo sangue real e saem a matar bichos de todos os tipos – principalmente elefantes.

     Antigamente, bem antigamente, matavam raposas, javalis, veados e todos os bichos que encontrassem pela frente, em caçadas suntuosas, que, às vezes, duravam dias. Levavam centenas de pessoas, armavam imensos acampamentos e passavam dias brincando de matar. Narram os cronistas que era um divertimento e tanto! Não era raro reis convidarem outros reis para essas grandes caçadas, ocasião em que também tratavam de negócios e combinavam as próximas guerras entre eles – outra brincadeira que adoravam. Para o povo era guerra, para os reis uma espécie de competição. Um jogo.

     Depois que descobriram a África e escravizaram todos os seres humanos que puderam, inventaram os safáris. Matar os animais africanos se transformou em um grande negócio. Há quem pense que tudo isso acabou, que os safáris não existem mais, que as organizações ambientalistas e a ONU não permitem que essas coisas feias aconteçam, que estamos vivendo em um mundo tão virtual – mas tão virtual! – que talvez isso aconteça, de vez em quando, por descuido e muito virtualmente.

     Necas de pitibiribas! Se você, mesmo não sendo rei ou rainha, decidir-se a caçar elefantes, por alguma premência interna que lhe diz que matar elefantes deve ser o máximo dos máximos, a grande aventura da sua vida, o objetivo final da sua existência neste mundo - ou apenas para preencher o imenso vazio ocioso em que se transformou a sua vida, como deve ter acontecido com o rei da Espanha – basta ter algum dinheiro sobrando.

     Em Botsuana, uma licença para caçar elefantes custa entre sete e trinta mil euros. Somente a licença. Lembre dos custos da viagem, a organização do safári e todos os demais itens necessários para uma bela e satisfatória caçada de elefantes que lhe trará, ao final, um imenso prazer, além das estórias e histórias que poderá contar aos amigos e conhecidos ao revelar-se como ousado e bravo aventureiro em terras inóspitas onde elefantes esperam para serem abatidos pela sua arma que lança balas que fazem explodir a cabeça do seu alvo preferido.

     Matar faz bem, pensam os reis. Mesmo reis como Juan Carlos, rei da Espanha, que é presidente de honra da World Wide Fund for Nature (WWF), uma das maiores organizações ambientalistas do mundo.

     São organizações como essas que preservam animais para que reis os matem. Se não fossem preservados, como reis, banqueiros e outros seres mais broncos, como a bancada ruralista no Congresso brasileiro, poderiam encontrar animais para matar?

     Matar um elefante por dia tem sido um ditado recorrente entre a população brasileira. É claro que é apenas uma maneira de dizer que o esforço é muito para sobreviver em um país tão maravilhoso como o nosso, abençoado por Deus, bonito por natureza e com tanta gente ganhando tanto dinheiro às nossas custas. Embora a maioria deles prefira roubar.

     Vejam o escândalo do Mensalão 2, também apelidado de Cachoeira, onde todas as águas estão rolando. Quiseram pegar - e pegaram! – o Demóstenes, depois de três anos de investigações auditivas em que o senador nem imaginava que tinha a sua inviolabilidade civil e parlamentar violada – provavelmente porque o Lula disse, em um dos seus momentos de raiva estentórea, que iria acabar com o DEM. E acabaram sendo pegos.

     Todos os homens (e mulheres?) do presidente e da presidanta parecem estar envolvidos – ou quase todos. Ficaram com tanta raiva que, provavelmente, saiam a matar elefantes.

     E os elefantes tem culpa? O que esses senhores e senhoras agregados(as) e agarrados(as) ao Poder de tal maneira que se permitem crimes para conservá-lo, tem contra os elefantes? Porque matar elefantes é crime, crime ambiental. Mas sabe-se lá o que reis (e rainhas) e outros donos do Poder imaginam o que sejam crimes... O povo pode ser incriminado por roubar bananas na quitanda da esquina, mas eles... Talvez por isso o povo brasileiro tenha pegado essa mania de dizer que está matando um elefante por dia. Um mau exemplo que está sendo seguido, embora não existam elefantes no Brasil. Ou existem?

     Considerando-se o tamanho e a força, talvez os elefantes possam ser comparados a essas pessoas que representam o Poder. Não o poder, mas o Poder. Pensam-se inatacáveis, por mais processos que respondam (ou não respondam, se assim desejarem). Sempre acham uma maneira – que chamam de jeitinho brasileiro – de se mostrarem mais inocentes que rapadura de coco – mesmo quando estão com as mãos meladas.

     Por exemplo, a tal de CPMI do Carlinhos Cachoeira, que seria apenas para achar mais culpas no já tão culpado Demóstenes, está revelando que o Cachoeira é o Al Capone do Brasil. Compra todos, faz negócos com todos; domina empresas e empresários; políticos do governo, políticos da suposta oposição – a tal ponto que as testemunhas estão sendo ouvidas em sigilo; há um banco de dados que só pode ser acessado de maneira muito restrita; senadores, deputados, ministros e outros estão tendo ataques de nervos – mesmo que o povo saiba que a CPMI não vai dar em nada, no máximo em pizza ou leite condensado ou rapadura melada de coco.

     Não dá vontade de matar elefantes? Não os elefantes de Botsuana, que não tem nada a ver com a nossa diária corrupção, e ficam lá, comendo as folhas das árvores amigas, sequer imaginando que reis, banqueiros e até...brasileiros poderão estar mirando nas suas cabeças.

     Dá vontade de matar outros elefantes, os predatórios, os acusados de corrupção que nunca serão condenados, os que fazem leis que liberam traficantes para que possam continuar a traficar ou que soltam contraventores conhecidos... Tantos são os elefantes demagógicos que dá vontade de matar!

     Ficamos na vontade, por enquanto, matando os nossos diários e virtuais elefantes, mas pensando neles, vocês sabem quem.

terça-feira, 1 de maio de 2012

1893, A REVOLUÇÃO ESQUECIDA



Para a memória dos verdadeiros guerreiros da revolução libertadora de 1893.



Agradeço ao professor e amigo Vágner Vaz Pinto, que deixou como herança a sua inesquecível inteligência e o seu acervo de livros que me permitiram pesquisar sobre a revolução que os historiadores “oficiais” fazem questão de esquecer.

Em 1891, logo após o golpe militar que 'proclama' a República, começa a luta pelo poder. Nos estados, feudos monárquicos que se transformam automaticamente em feudos republicanos, os governadores, que são chamados de Presidentes, imperam com o apoio do exército. O Governo Provisório de 15/11/1889, para dar uma aparência de legitimidade é constituído por civis e militares – Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório; Aristides da Silveira Lôbo, Ministro do Interior; Tenente-Coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, Ministro da Guerra; Chefe de Esquadra Eduardo Wandenkolk, Ministro da Marinha; Quintino Bocaiúva, Ministro das Relações Exteriores e interinamente da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Mas quem manda é o Exército, que havia vencido a Guerra do Paraguai e se considerava acima da lei, logo após a expulsão da família real para a Europa. É formado um Congresso Constituinte, que se transforma em Assembléia Legislativa Ordinária. Os civis pensam ter algum poder. Outorgado pelos militares, mas poder. Sucedem-se as divergências entre os donos da República e os seus comandados. Em 3/11/1891, o governo decreta estado de sítio e suspende a Constituição. O golpe dentro do golpe. Há grande reação do Exército e da Marinha. Deodoro renuncia e assume Floriano Peixoto a 23 de novembro. É o terceiro golpe da Primeira República. Nasce o governo de Floriano Peixoto, uma das mais terríveis ditaduras, que se vale do apoio dos Presidentes dos estados e do Exército para se perpetuar.
Em 1892 dois Presidentes (governadores) são proclamados no Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, Julio de Castilhos, depois do “governicho” que teve vários Presidentes em poucos meses, volta ao poder com o apoio de Floriano Peixoto. Em Bagé, o Visconde de Pelotas proclama Presidente do Estado o General Honorário João Nunes da Silva Tavares, em franca resistência ao despotismo contido na Constituição gaúcha de 14 de julho de 1891, escrita por Julio de Castilhos para seu usufruto. Julio de Castilhos é reconhecido como o único Presidente do Estado pelo então ditador, apelidado de presidente, Floriano Peixoto. Sucedem-se as perseguições, as prisões e assassinatos aos oposicionistas. Muitos buscam o exílio, principalmente no Uruguai e Argentina, onde se organizam para a guerra civil inevitável.

Joaquim Francisco de Assis Brasil, em “Manifesto”, de 19 de dezembro de 1891, condena a Constituição Rio-Grandense de 14 de julho de 1891.
         ... a Constituição Rio-Grandense é proclamada pelos representantes da ‘sociedade’, para não dizer soberania rio-grandense, que é palavra condenada, embora seja nas atuais circunstâncias a mesma coisa que exprime o vocábulo preferido; os três poderes públicos, do mesmo modo, existem, mais ou menos alterados, na Constituição, mas, como a seita repele a ‘divisão de poderes’, chama-se ali aos três “poderes” – ’órgão do aparelho governamental’.”1
         Mais adiante:
   “Temos na Constituição a ditadura e a democracia, mas a ditadura sem os caracteres de estabilidade e competência que o mestre lhe exige, porque fica sujeita aos azares da eleição, que pode dar os mais extravagantes resultados; e a democracia exagerada para a nossa atual situação, a democracia que se confunde com a demagogia e que, como ela, só pode ser favorável ao despotismo.”2

Fevereiro de 1893. No dia 8 o Coronel Gumercindo Saraiva, não podendo mais se conservar no Uruguai devido às reclamações do governo brasileiro, invade a frente de pouco mais de 400 homens com o objetivo de incorporar-se ao Exército Revolucionário Rio-Grandense pela costa do Rio Negro. O General em Chefe João Nunes da Silva Tavares – Joca Tavares - manda invadir em forças parciais, que farão junção formando uma coluna de cerca de três mil homens.
Em toda a pátria gaúcha há ecos de lutas, mas o Exército Federalista concentra as suas forças no sul. O objetivo é tomar Bagé através de Dom Pedrito, Pelotas através de Rio Grande e colocar o governo de Julio de Castilhos em xeque.
No dia 16 é a vez do General Silva Tavares transpor a fronteira liderando 600 homens. Entre os rios Piraí e Negro já estão as forças dos Coronéis Gumercindo Saraiva, França, João M. E. de Arruda, Domingos Ferreira Gonçalves e Antônio Barbosa Neto; os Tenentes-Coronéis Tomás Mércio Pereira, Vasco Martins, Estácio Azambuja e Torquato Severo, com suas Brigadas e Corpos. Outros chefes invadem por diversos pontos da fronteira.
“Cidadãos. Às armas. Os inimigos da Pátria, arvorados em governo legal, implantaram nela o terror como meio de ação, lançaram mão do punhal para matar em plena paz, das Comblains para assaltar casas de família e do saque para saciar as suas voracidades.” (...) “O Rio Grande, Pátria de heróis, está convertido em terra de escravos”. (...) “A estatística de crimes registrou fatos tão atrozes como os praticados em plena paz, depois da rendição de Bagé, não tendo inimigo a combater em parte alguma do Estado. O nosso patriotismo aconselhou o desarmamento para evitar a luta fratricida, porém o mau instinto de adversários desleais, se prevalecendo da ocasião para matar, regando de sangue e de lágrimas o solo Rio-Grandense. Há 8 longos meses que muitos de nossos irmãos amargaram no exílio o pão duro da necessidade, sofrendo vexames que lhes impõem nas cidades, e outros, errantes pelas matas, fogem ao punhal homicida.” (...) “A nossa causa é justa porque queremos reconstituir a nossa Pátria sobre lares de liberdade; é nobre porque é a causa da humanidade; é grande porque é a causa de um povo inteiro que tem sede de justiça e que clama pelo império da lei, hoje calcada aos pés pelos agentes do poder público. Às armas Compatriotas!!”(...)3
(Excertos do “Manifesto Federalista”, assinado por João Nunes da Silva Tavares).
Cidadãos. Às armas. Às armas! O Rio Grande estremece. Julio de Castilhos, no seu trono vitalício, para de ler Augusto Comte e treme, mas de medo. Floriano Peixoto tem um ataque de nervos: “Esses gaúchos, de novo!”.
A luta é contra a ditadura, pela justiça na pátria gaúcha; e é uma luta republicana, como republicana foi a luta dos farrapos, que terminou com um estranho armistício assinado somente por David Canabarro, depois da derrota de Porongos, quando os Lanceiros Negros estavam desarmados e foram massacrados, enquanto Canabarro se divertia com a sua amante a algumas léguas de distância. Foi assinado o armistício, depois chamado de “Paz de Ponche Verde”, e o que restava do exército gaúcho era extinto, enquanto Neto e Bento Gonçalves iam para as suas fazendas no Uruguai. Anos depois, Neto voltaria para combater pelo Império na Guerra do Paraguai. Teria perdido a sua alma?
Gaspar Silveira Martins corre entre Montevidéu e Buenos Aires, comprando armas, munições, cavalos, arreios, ponchos, alimentos e trava árdua luta pessoal para enviar os pedidos que não cessam. Em carta a Joca Tavares, queixa-se de quem dele se queixa: “Aqueles que falam são uns idiotas que não conhecem que estamos lutando contra quatro governos: argentino, oriental, brasileiro, e o sub-governo de Júlio de Castilhos. Por que não vem eles fazer milagre?”4
Depois de diversos combates em pontos estratégicos do sul do país dos gaúchos, finalmente Bagé é cercada. Gumercindo Saraiva, que tinha se distinguido pela bravura, pensando que a guerra estava ganha resolve subir com a sua coluna para Santa Catarina. Toma Desterro (Florianópolis), que converte em capital daquele estado, organiza um governo provisório e espera pela derrota, que não tarda. O mesmo erro estratégico cometido por Garibaldi durante a Guerra dos Farrapos, que tomou Laguna e a conservou apenas por 14 dias. Não se pode forçar um povo que não está em armas à independência. Mas Gumercindo vai mais adiante e toma Curitiba. Conquista Lapa, Ponta Grossa e é obrigado a voltar, acossado pelo inimigo. Tem a seu lado Torquato Severo e o irmão Aparício Saraiva.  Volta tiroteando a vanguarda do inimigo, que é mais numeroso e bem armado. No combate de Carovi é morto e o que resta do seu exército interna-se no Uruguai.
Em setembro de 1893 a capital federal é bombardeada pela esquadra. Os federalistas acreditam que a revolta da armada tem relação com a revolução no sul. Ninguém gosta de Floriano Peixoto, todos se revoltam contra o seu governo ditatorial. Menos o exército.
Silveira Martins está eufórico e, em 16 de setembro envia uma carta ao General Silva Tavares, contando sobre o bombardeio no Rio de Janeiro e sobre a tomada de Desterro:
(...) “Mandei o Coronel Joaquim P. Salgado em comissão ao Almirante Mello, para que se criasse logo um governo revolucionário em Desterro, capital de Santa Catarina, e me mandasse poderes para, como agente da revolução, reclamar o reconhecimento por parte dos Estados do Prata, de beligerante, para assim gozarmos das garantias que hoje esta república não nos concede.(...)”5
Pensa, erroneamente, que existe uma revolução brasileira contra a tirania de Floriano Peixoto:
(...) “O telégrafo tem estado trancado para todo mundo, mas os ministros estrangeiros recebem as suas comunicações particulares e asseguram que Bahia e Pernambuco acham-se já convulsionados. Como quer que seja, uma coisa é para mim, fora de dúvida, é o triunfo completo da liberdade em todo o Brasil, que abertamente o declara, deve essa liberdade à energia, ao civismo e bravura do povo rio-grandense. (...)”6
Ele acredita que terá o auxílio da flotilha para tentar tomar Uruguaiana, talvez Rio Grande e Porto Alegre. Uma euforia que passa rápido quando sabe que Gumercindo e Salgado já estão voltando de Santa Catarina, perseguidos por duas colunas do inimigo. Mas ainda confia no apoio do que restou da Marinha.
Mesmo no exílio, ou talvez por isso, Silveira Martins quer acreditar que há uma guerra aberta contra Floriano Peixoto em todo o Brasil. As insurgências em Pernambuco e Bahia são rapidamente debeladas, a revolta da Armada encerra-se com uma triste derrota, Paraná e Santa Catarina não aderem à Revolução Federalista e os gaúchos percebem, mais uma vez, que estão sozinhos na luta.

     
     A LENDA DA LAGOA DA MÚSICA

    Cerca de seis mil homens cercam Bagé. É um cerco gradativo, que consiste em conquistar posições ao redor da cidade. A 19 de outubro, o Quartel-General está no Piraí. Joca Tavares manda inutilizar a linha férrea com o intuito de evitar a entrada de cavalos e outros recursos para o inimigo. Envia piquetes sobre a cidade, que tiroteiam com a guarnição e depois se afastam. Querem sentir a força dos defensores. Muitas praças de linha desertam de Bagé para alistar-se nas forças federalistas. Faltam cavalos, roupas e mantimentos para os novos soldados, mas sobra entusiasmo.
Entre os desertores apresenta-se Raul Maurell, que é pego com estriquinina. Tinha sido enviado para envenenar os chefes da revolução, a mando do Marechal Isidoro F. de Oliveira, que lhe teria prometido a patente de Alferes e uma grande gratificação, em presença de outros quatro oficiais, em um quarto do Hotel do Comércio. Raul Maurell é condenado à morte, mas o General Silva Tavares o perdoa. Deseja que ele permaneça no exército libertador, sob estrita vigilância, e aprenda a portar-se como homem.
O Marechal Isidoro, com mais de mil homens, comanda uma coluna que pretende fazer junção com as colunas do Coronel Sampaio e do General Hipólito Ribeiro, que foram enviadas para ajudar na defesa de Bagé. A cidade entrincheira-se em torno à Praça da Matriz, com mais de 1.500 soldados fortemente armados, sob o comando do Coronel Carlos Telles.
No dia 9 de novembro, Silveira Martins escreve para o General Tavares. O tom já mudou. Reclama que a tomada de Desterro, em Santa Catarina, foi intempestiva. Segundo ele, o Coronel Salgado teria deixado o Rio Grande abandonado, Gumercindo Saraiva encontra grande resistência e as notícias que chegam do Rio de Janeiro dizem que Floriano está vencendo a revolta da Armada. Já não fala mais em revolução em Pernambuco ou Bahia. Silveira Martins está em Buenos Aires, e as informações, naquela época, chegam muito atrasadas.
Entre outubro e novembro, o General Silva Tavares reorganiza o exército libertador; faz promoções, dispõe os Corpos e Brigadas da maneira mais estratégica com o objetivo de fazer frente e bater a coluna do Marechal Isidoro. No dia 20 de novembro recebe nova carta de Silveira Martins. O Conselheiro está indignado com o novo governo de Santa Catarina, que ameaça desabar por si mesmo e pela aproximação das forças governistas. Por outro lado, comunica que São Borja e Itaqui estão em poder dos revolucionários.
No dia 22 de novembro, o General Silva Tavares, o Coronel Pina d’Albuquerque e o Coronel Zeca Tavares (irmão de Joca Tavares) reúnem-se na estância de João Damé para uma conferência onde combinam o ataque à coluna do Marechal Isidoro. No dia 26, de madrugada, as tropas federalistas cercam as forças inimigas na estação do Rio Negro.
Os principais líderes revolucionários participam da ação, assim como Joca Tavares, Ulisses Reverbel, David Martins, Zeca Tavares, Pina d’Albuquerque, Maneco Pedroso, Boaventura Pereira Leite e Pedro Machado Leal. O Coronel Cabeda gostaria de atacar Santana do Livramento e se mostra reticente.
Os combates duram três dias, com cargas de cavalaria contra formações de quadrado e tiroteio entre trincheiras. No dia 27, o General Tavares intima o Marechal Isidoro a render-se, porque “chega de desgraças”. O Marechal Isidoro responde que enquanto tiver um soldado do 28º de Infantaria não se renderá. A luta continua. Durante a noite, a infantaria cercada tenta repetidas vezes sair das trincheiras, mas é sempre repelida. No dia 28, depois de longo combate, às 11 horas da manhã é levantada a bandeira branca, rendendo-se o Marechal Isidoro à discrição, com pedido de garantia de vida para si e os oficiais do 28º de Infantaria. Curioso. Isidoro pede garantia de vida apenas para os oficiais. Todos os prisioneiros são entregues à coluna do General David Martins.
E o que realmente aconteceu entre os dias 28 e 29 de novembro de 1893, no Rio Negro?
Os federalistas dizem que passaram aquele período arrecadando armas e munições e conduzindo os feridos, de ambos os lados, para o hospital de sangue que havia sido montado em uma casa próxima.
Os governistas afirmam que houve um massacre. Pedro R. Calo Wayne, em seu livro “Lagoa da Música” conta o que lhe contaram: que durante toda a tarde e noite, Adão Latorre, um Major federalista, teria degolado mais de trezentos prisioneiros. Escreveu Pedro Wayne:
“(...) Sabem que numa tarde inteira e numa noite toda de noventa e três, a faca do negro Adão Latorre não parou um instante de cortar carótidas. Sabem que dos mil prisioneiros encerrados como animais na mangueira de pedra, ao lado da Lagoa, trezentos e muitos foram degolados. Houve os que eram laçados e arrastados até o chão do sacrifício, ali despidos das roupas antes de serem imolados. Outros, depois de desnudados mandados deitar para melhor ser procedida a chacina. E dizem os que escaparam que negro Adão chamava um por um dos guerreiros presos e mandava-os pronunciar a letra jota. O que em vez de jota pronunciava rota era castelhano e recebia incontinenti o aço afiado que lhe abria o talho de orelha a orelha. (...)”7
Conta o poeta e romancista que o último a ser assassinado foi o clarim, que na hora da rendição tocara mandando “cessar fogo” e que por essa razão, todos os dias, em determinada hora, ouve-se o clarim sair da lagoa, que é chamada de Lagoa da Música.
“(...) Então, lá no fundo de certo trecho da Lagoa, vem um som harmonioso que pouco a pouco vai aumentando de intensidade até que aflorando à tona, estruge forte e enérgico, deixando atônitos os que não estão acostumados com ele. Mas os dali sabem que é o encantamento produzido pelo sangue de trezentos e muitos gaúchos degolados, com seus corpos atirados na Lagoa, que se está realizando (...)”8
Uma das coisas interessantes desse relato, no qual Pedro Wayne utilizou apenas o aspecto poético, é que Adão Latorre teria jogado todos os degolados na lagoa. Imaginem uma lagoa com mais de trezentos corpos boiando, depois afundando, putrefatos. Hoje, passado tanto tempo, deve ser um cemitério de esqueletos.
Mas talvez não tenha sido assim. Os federalistas dizem que no Rio Negro foram passados pelas armas somente “os ladrões e assassinos de maior nomeada, já denunciados em documento público e oficial pelo General João B. da Silva Telles, e em número de 23, cujos indivíduos, em virtude das ordens que tinham do governador do Estado, e sabendo com isso serem agradáveis ao seu chefe Castilhos, matavam a todos os adversários que encontravam, e quando a vítima era de posição social, ou influência política, trucidavam o cadáver, mandando as orelhas de presente ao seu Chefe.”9
Com a rendição de Isidoro, Raul Maurell, o envenenador, quer ser acareado com o seu antigo chefe, mas o General Tavares não permite. Um soldado não pode ser acareado com um Marechal. No dia 29, o General Tavares manda um telegrama ao Ministro da Guerra propondo a troca do comandante do 28º e dos oficiais que se acham prisioneiros pelo seu irmão, José Facundo da Silva Tavares, que está preso em Porto Alegre. Em resposta, o Alferes Souza Carvalho, em nome do Ministro, diz que aceita a proposta se nela for incluído o Marechal Isidoro e toda a força de linha. O General Tavares manda o seu irmão, Zeca Tavares, com sua divisão, apertar o cerco de Bagé.
Bagé está cercada, mas a cidade ainda não é invadida. O General Tavares manda o Coronel Pina apertar o sítio pelo lado sul e leste da cidade.  Ismael Soares é enviado com a sua Brigada para São Gabriel, para evitar que aquela guarnição venha em socorro de Bagé. Uma força de 500 homens, comandada pelos coronéis Antônio Neto, Ladislau Amaro e Domingos Ferreira destrói a linha férrea até Cerro Chato e fica de observação ao coronel Sampaio. O cerco é asfixiante.
Sob o pretexto de oferecerem os seus serviços profissionais ao hospital de sangue, o Dr. Pedro Osório, o farmacêutico Amado Loureiro e o Dr. Viríssimo Dias de Castro vão até o acampamento revolucionário. Levam uma carta do comandante da praça sitiada, Coronel Carlos Telles. O documento diz o seguinte:
“Comando da Guarnição e Fronteira de Bagé. Constando por declarações vindas do Rio Negro e dos acampamentos revolucionários, que estes cometeram a infâmia de degolarem todas as praças e oficiais prisioneiros rendidos no combate do Rio Negro, não escapando à degolação os míseros feridos, soldados do 28º de Infantaria e o seu distinto comandante, Tenente Coronel Donaciano de Araújo Pantoja. E sendo certo que o chefe dos revolucionários, em grande parte estrangeiros mercenários, tem por intermédio do Dr. Pedro Osório e farmacêutico Amado Loureiro e outras pessoas mandado declarar nesta cidade e à guarnição do meu comando que os prisioneiros rendidos do Exército Brasileiro estão com vidas garantidas e bem tratadas... Intimo aos cidadãos Dr. Pedro Osório, Dr. Viríssimo Dias de Castro e Amado Loureiro a irem imediatamente à charqueada mandar buscar os feridos do 28º Batalhão para serem recolhidos ao hospital militar, e ao acampamento dos revolucionários donde devem trazer declaração escrita e assinada do Tenente-Coronel Pantoja de que está prisioneiro, a fim de que fique conhecida a verdade. Bagé, 4 de dezembro de 1893. (Assinado) Carlos Maria da Silva Telles – Coronel.”10
Começava a ser formada a lenda do massacre na Lagoa da Música. No texto de Pedro Wayne – segundo dados por ele recolhidos muito tempo depois – o degolador Adão Latorre, do exército federalista, teria preferido matar uruguaios. E alguns outros poucos brasileiros do exército governista. Mas o Coronel Carlos Telles, na sua carta, diz que os revolucionários são “em grande parte mercenários”, o que equivale a dizer que seriam uruguaios. Indícios de que haveria mercenários dos dois lados, os quais seriam os principais alvos dos degoladores?
Os revolucionários também acusam a Cândido Garcia, a quem chamam de “famigerado bandido”, que teria degolado um piquete de 15 federalistas que saíram em reconhecimento e foram pegos. Lembram a matança do “Boi Preto”, onde mais de duzentos federalistas teriam sido degolados em um só dia, sem haver guerra. Afirmam os libertadores que os mais de 300 que teriam sido supostamente degolados na Lagoa da Música, segundo a lenda, ou versão oficial, incluíam todos os corpos encontrados na cena do combate do Rio Negro. Mortos durante o combate. “Não foi como exploraram, contaram como assassinados todos os corpos que encontraram no campo e reduto.”11
O pedido do Coronel Carlos Telles é aceito. O General Tavares manda acompanhar a comissão ao hospital de sangue. Chama do acampamento do General David Martins o Tenente-Coronel Pantoja e todos os oficiais do 28º que se acham prisioneiros. Para surpresa da comissão enviada por Carlos Telles, todos estão vivos. Depois, os membros da comissão dirigem-se aos feridos das forças do governo e perguntam, individualmente, se querem ir para o hospital militar de Bagé e se estão sendo bem atendidos. Todos respondem negativamente e declaram que nada tem lhes faltado até aquele dia. Depois do Tenente-Coronel Pantoja fazer essa indagação na presença dos membros da comissão, reúne os seus oficiais e faz uma declaração por escrito – assinada por ele e por todos os oficiais do 28º - dizendo que não tinham sido degolados “e eram tratados conforme as circunstâncias dos revolucionários e que os feridos não queriam ir, declarando que, por enquanto, nada lhes faltava.”12


     A MENTIRA DA RESTAURAÇÃO DA MONARQUIA

  O Coronel Carlos Telles está furioso. Além de cercado em seu reduto na Praça da Matriz, não pode acusar os sitiantes de assassinos. No mesmo dia, envia um ofício ao General Tavares invitando-o a atacar Bagé. Diz que está faltando leite para as criancinhas de colo, porque nada entra na cidade, mas que a sua guarnição tem suprimentos para resistir durante seis meses. Envia uma segunda carta, chamando o General Tavares de Barão do Itaqui, seu antigo título nobiliárquico e repetindo quase as mesmas palavras da carta anterior. O General Tavares responde no dia 5:
“Ilmo. Sr. Coronel Carlos Maria da Silva Telles: Recebi vosso ofício e carta de 4 do corrente. Em primeiro lugar vos advirto que não sou mais Barão do Itaqui, pois renunciei o título e tornei-me republicano em junho de 1889, no tempo em que vós sustentáveis a Monarquia. Quanto ao ataque à praça para que me convidais, tenho a dizer-vos que as forças revolucionárias operam quando assim o entendem seus chefes; que no cumprimento de sua dignificadora missão não se movem pelas insinuações do inimigo. Não vos aflijais. Oportunamente vos satisfaremos; no entanto, se estais tão apressado para combater, saí do seio das famílias e dos entrincheiramentos e vinde aos nossos arraiais que, vos asseguro, não recuaremos uma polegada. Se tendes tantos víveres como dizeis, reparti com as famílias e crianças, tanto mais quando ditos gêneros alimentícios foram comprados com o suor do povo, como bem o sabeis, e se não quiserdes, fazei deixar sair da cidade as famílias que, com os nossos recursos, serão atendidas, respeitadas e garantidas. (...)". Termina dizendo: “Vossa carta e ofício só contém insultos dirigidos a mim e ao Exército Libertador, que deixo de responder atendendo ao mau estado da vossa saúde e por não desejar aumentar a aflição ao aflito. General João N. da Silva Tavares.”13
Carlos Telles não respondeu. Torna-se óbvio que o desafio lançado às forças federalistas tem por objetivo ganhar tempo enquanto espera a chegada de reforços. Sabe-se que duas colunas governistas vem em direção a Bagé. Uma liderada pelo Coronel Sampaio, a outra, mais distante, confiada ao General Hipólito Ribeiro. Se as duas colunas fizerem junção, a tomada de Bagé pelos revolucionários estará ameaçada.
Os chefes federalistas conferenciam, chegando à conclusão de que será melhor, primeiro, bater a coluna de Sampaio. Todos concordam que é a melhor estratégia, menos o Coronel Cabeda, que tampouco quer atacar Bagé, mas Santana(!). Há o perigo de divisão das forças e o General Tavares, apesar de todos os riscos, decide-se por acampar dentro da cidade e aceitar o combate.
Em Bagé, assim como em grande parte do Rio Grande e Brasil, corre o boato de que as forças governistas defendem a República, enquanto os federalistas querem a restauração da Monarquia. Os jornais governistas chamam as forças de Julio de Castilhos de ‘republicanas’ e dão a entender que os maragatos – apodo que é aceito como elogio pelos revolucionários – são a favor da restauração da monarquia. O povo acredita. O povo sempre acredita na versão oficial. É mais cômodo.
Já em março de 1893, o General Joca Tavares, sabedor desses boatos, lançara uma proclamação, da qual seguem alguns trechos:
“- À Nação Brasileira – Os povos oprimidos em armas no estado do Rio Grande do Sul estão sendo injusta e atrozmente caluniados em seus nobres e alentados intuitos patrióticos. Nossos adversários, com o desígnio pérfido de tornar antipática à opinião a Revolução Rio-Grandense, apontam-nos ao país como restauradores da Monarquia! É uma monstruosa calúnia! É uma torpe e miserável especulação! Não! O objetivo dos revolucionários rio-grandenses não é a restauração da Monarquia, é libertar o Rio Grande da tirania que há oito meses o oprime, restabelecendo a garantia de todos os direitos individuais, é acabar com o regime das perseguições, das violências inauditas, do latrocínio, do saque e do assassinato oficial, que desgraçadamente tem sido apoiado pelo governo do Marechal Floriano Peixoto” (...) “Lamentamos que os nossos irmãos do Norte acreditem em mais esta perfídia oficial, inventada para desnaturar os intuitos patrióticos do único direito que resta a um povo oprimido: a revolução.” (...) “E a esses que querem governar com o apoio exclusivo da força material, o labéu infamante de serem os coveiros das tradições gloriosas e da altivez indômita do povo rio-grandense. O Rio Grande ficará sendo terra de escravos, mas nós não sobreviveremos a tanta vergonha e ignomínia. O nosso sangue será, um dia, o signo da Redenção. Viva a República! Viva a Nação Brasileira! Viva o heróico povo Rio-Grandense! Quartel-General do Exército Libertador no município de Santana do Livramento, 15 de março de 1893.”14 (Assinam o documento o General Silva Tavares e mais 45 chefes revolucionários).
Engana-se o glorioso general libertador, que já está por completar 78 anos. Não são apenas os “irmãos do Norte” que acreditam na “perfídia oficial”. Também os irmãos de outras regiões do Brasil, incluindo o Sul. Incluindo o Rio Grande. A Porto Alegre castilhista e arredores, Pelotas e outras cidades que crescem à sombra do poder querem acreditar que os maragatos, os federalistas, os revolucionários somente desejam a volta da monarquia. E quando Érico Veríssimo, muitos anos depois, escreve em “O Tempo E O Vento” que realmente a revolução de 1893 foi entre republicanos – pica-paus - e monarquistas – maragatos – a “perfídia oficial” passa a ser verdade. E a verdade, por mais mentirosa que seja, sempre é imposta pelos vencedores.


     O ATAQUE A BAGÉ

    No dia 22 de dezembro de 1893, às onze horas da noite, os revolucionários entram na cidade através de diversos pontos. O Mercado Público é ocupado pelo Tenente-Coronel João Carrion, com os seus atiradores. O Batalhão Antônio Vargas ocupa o Teatro 28 de Setembro. A Praça Santos Lugares, o antigo cemitério e outros pontos estratégicos são tomados e ocupados pelos atiradores da coluna do General Pina. A guarnição da cidade, que inclui artilharia, recolhe-se às trincheiras da Praça da Matriz, depois de tentar algumas investidas para retomar os lugares conquistados pelos revolucionários. O fogo é cerrado.
Nos dias seguintes, os combates tornam-se contínuos; os defensores da cidade não cessam de atirar. Há poucas tréguas, principalmente quando da retirada de muitas famílias para as chácaras nos subúrbios da cidade. Outras famílias são acompanhadas até o Uruguai, para a casa de amigos. Ocorrem deserções, como a do Tenente-Coronel Bento Gonçalves da Silva, acompanhado por um piquete do Coronel Procópio Gomes de Mello para o Uruguai. O Major Francisco Gonçalves Cassão deixa a sua força nas trincheiras fazendo fogo e é acompanhado por gente do Coronel Zeca Tavares para a sua estância, no passo dos Enforcados, em Camaquã. Além desses, muitos outros pedem portarias ao General Tavares para se retirarem das trincheiras e são levados para onde desejam. O Coronel Telles evita que haja maiores deserções e impede que mais famílias saiam do entrincheiramento.
No dia 28, o General Tavares envia um ofício ao Coronel Telles, concitando-o à rendição para evitar maior mortandade. Carlos Telles responde no mesmo dia, recusando render-se. O General David Martins propõe atear fogo nas casas circunvizinhas à Praça da Matriz, para fazer sair os defensores, o que é violentamente repudiado pelo General Tavares. Mesmo assim, algumas casas são incendiadas. Começam as primeiras dissensões entre os chefes maragatos.
No dia 6 de janeiro de 1894, o General Tavares recebe do Conselheiro Gaspar Silveira Martins um telegrama: “Ataque praça ou levante sítio para bater Hipólito que se aproxima”. O sítio é levantado. Tiveram as forças revolucionárias 35 mortos e 86 feridos, segundo as partes. A guarnição sitiada, segundo dados fornecidos por oficiais da mesma, teve 200 mortos entre oficiais e praças e mais de 300 feridos, entre os quais Carlos Telles, ferido levemente.
O ataque a Bagé mostrou-se como grave erro estratégico. Hipólito Ribeiro está prestes a unir-se com a coluna do Coronel Sampaio e avança sobre os revolucionários que estão desgastados. Se Bagé tivesse sido tomada, os atacantes seriam, por sua vez, sitiados. Já estamos em 1894 e a revolução começa a perder o ímpeto, em vista da falta de resultados concretos. O cerco de Bagé, que durou mais de 40 dias é o apogeu da revolução; ao mesmo tempo, a partir daquele momento quando o sítio é levantado, começa o declínio.


     A REVOLUÇÃO ESTAGNADA
  
    No dia 8 de janeiro de 1894 o incessante dobrar dos sinos da Praça da Matriz anuncia o fim do cerco e dos combates. Realizam-se missas solenes, os notáveis da cidade fazem as suas festas particulares, os mortos são enterrados, os feridos mimados, o Coronel Carlos Telles é considerado um grande herói e o povo descansa. Alguns meses depois, quando Carlos Telles sai a campo para enfrentar os maragatos, o Coronel Zeca Tavares invade a Bagé desguarnecida, põe fogo no entrincheiramento e leva uniformes, armas e munições. Em seguida, volta para o seu acampamento.
Depois de levantar o cerco, Joca Tavares tem como objetivo reunir as forças para bater Hipólito Ribeiro. O General David Martins, com a sua coluna, segue adiante com ordens de observar a coluna de Hipólito e esperar a junção do General Tavares e demais chefes. Depois de acampar em diversos lugares, nos dias seguintes, em manobra de aproximação ao inimigo, o General Tavares recebe notícia, no dia 17, de que é chegada a oportunidade de bater Hipólito.
Raul Maurell já foi enviado ao Uruguai, depois de fazer um rigoroso mea culpa, mas o veneno continua solto. Acampado na Caneleira, perto de Santana, Joca Tavares manda chamar o General David Martins, dizendo-lhe que está bem armado e municiado e que já é tempo de dar combate ao inimigo. Combina-se que Cerro Chato será o lugar mais apropriado. Para surpresa do General Tavares, quando chega ao local é informado pelo General David Martins que a sua coluna foi dispersada: o Tenente-Coronel Francisco Wenceslau Pereira, com o seu Corpo, foi proteger a entrada das munições na Coxilha Negra; o Coronel Ulisses Reverbel, com a sua Brigada, para Quaraí; o Coronel Maneco Machado, também com a sua Brigada, para as Catacumbas; o Coronel Ismael Soares para Rosário, o Coronel José Nunes, com o seu Corpo, para Alegrete. O próprio General David pede para ir para Quaraí.
Joca Tavares lhe diz que, em vista do que ele (David Martins) acabava de fazer, quando se tratava de dar combate ao inimigo, que ele, Tavares, contramarchava para o Alegrete. Retira-se e encontra o Coronel Cabeda, com a sua força. Recebe a informação de que o inimigo está perto e manda um ajudante avisar Cabeda. No dia 23 acontece o combate do Inhanduí, que termina indeciso. No dia seguinte, Cabeda incorpora-se a Tavares e chegam a Alegrete no dia 26.
O General Tavares não para. Acampa cada noite em lugar diferente. O seu objetivo é alcançar Hipólito Ribeiro e vencê-lo. Ainda acredita que essa possível vitória dará um novo alento a revolução. Perto de Dom Pedrito tem notícias do inimigo. Envia mensagem ao Coronel Cabeda dizendo que está disposto ao combate. O Coronel Cabeda respondeu que por ordem dele, Joca Tavares, combateria, porém achava o combate duvidoso; ao que o general respondeu que Cabeda seguisse a sua marcha, que ele, general, tornava a retroceder.
Joca Tavares não desiste. Agora tenta alcançar a coluna de Sampaio, força a marcha e quando acampa nas Palmas, já chega muito doente. Idade e desilusão. Oficia para o General Pina, passando-lhe o comando da forças revolucionárias, comunica a Silveira Martins o ocorrido e retira-se para o Uruguai. Depois, vai para Jaguari, onde já se encontra a sua família. Continua doente, mas escreve a todos os chefes revolucionários, tentando orientá-los. Recebe cartas diariamente, informando dos acontecimentos, dos pequenos combates, dos reveses e das vitórias, que nunca são concludentes. O inimigo se fortalece nas cidades e em fortes colunas, enquanto as forças revolucionárias agem de maneira dispersa. Falta o chefe, que está doente no corpo, mas continua valente na alma.


     SALDANHA DA GAMA

   Marchas e contramarchas. O exército libertador, que se considerava vitorioso em 1893, com a defecção do General Joca Tavares, ziguezagueia tonto como cobra sem cabeça. Informado que o governo do Brasil impôs ao governo uruguaio a sua prisão e internação, Joca Tavares estabelece o seu Quartel General em Ponche Verde. Dali visualiza todo o imenso campo de batalha que é o sul do Rio Grande. Mesmo sem participar das ações, tenta orientar os chefes dos diferentes corpos e brigadas, através de próprios que são enviados diariamente com cartas e ofícios para os revolucionários.
Silveira Martins escreve: “Temos saído sempre vencedores nos combates; no entanto, achamo-nos derrotados, sem havermos sido vencidos! Como se explica isso? Por falta de verdadeiro patriotismo que obrigue a cada um a sacrificar o seu “amor próprio”, sua ambição, no altar da pátria.15 Ambições e desavenças. Cabeda não quer fazer junção com Marcelino Pina, embora diga o contrário; Ismael Soares instala-se na Serra do Caverá e não quer incorporar-se com nenhum outro chefe do exército libertador, embora afirme o contrário; Luís Barcellos torna-se bandoleiro, fazendo com que a expressão “maragato” adquira má fama; Carlos Chagas é expulso do exército libertador, sendo reincorporado meses depois, participando de importantes combates; Mateus Collares é preso pelo General Piragibe, mas solto quando Joca Tavares ressalta as suas importantes contribuições para a revolução.
Estácio Azambuja está em Montevidéu, de onde escreve ao General Tavares: “Montevidéu, 4 de maio de 1894. Exmo. Sr, General Silva Tavares. Estimado Chefe. Desgraçadamente, fiz parte das forças revolucionárias que ultimamente tentaram tomar a cidade de Rio Grande e que, por incapacidade de quem dirigiu a ação, foram obrigadas a retirarem-se, vindos todos aportar em terras Orientais!” (...) “Tenho esperança de muito breve ter o prazer de Vossa Excelência” (...) “Nessa ocasião, levarei ao conhecimento de Vossa Excelência as peripécias porque passamos na malfadada cruzada para Santa Catarina (...)”16
O General Marcelino Pina faz o relato de alguns combates e tiroteios e diz que resolveu expulsar os Barcellos do exército: “para que o mau exemplo não tenha imitadores, resolvi despi-los do posto e expulsá-los do exército, como Vossa Excelência verá da ordem do dia que junto por cópia.”17 É também essa a vontade de Joca Tavares, que deseja ir além: prender Luis Barcellos e sumariá-lo.
Mas Saldanha da Gama não permite. O Almirante encontra-se no Uruguai e é apresentado por Silveira Martins a Joca Tavares, através de carta: “Exmo. Sr. General Silva Tavares. Apresento-lhe o nosso distinto amigo Almirante Saldanha da Gama, que traz para a revolução rio-grandense o prestígio do seu nome ilustre, da sua inteligência, da sua bravura. Expulso de Montevidéu, não posso ainda deixar Buenos Aires, empenhado em salvar o que puder das nossas forças emigradas no Alto Paraná e no Alto Uruguai. Pode Vossa Excelência comunicar com ele como se eu próprio fosse, e ainda com mais vantagem, porque ele, além dos recursos que possamos ambos obter, dispõe de uma grande força de oficiais e gente do mar, que poderá ser de incalculáveis vantagens, não só na defesa de uma praça, como e principalmente no ataque da esquadrilha nos rios ou nas Lagoas dos Patos e Mirim. (...)”18
É o dia 4 de setembro de 1894. Silveira Martins está passando o comando civil da revolução para Saldanha da Gama e em Buenos Aires ficará até o final, quase um ano depois, em 23 de agosto de 1895 – a ponto de ser criticado pela sua inação por aquele que o sucedeu no comando. Talvez já anteveja a derrota ou está desistindo da vitória. Como político, prefere as soluções mais brandas, os acordos pacíficos nos bastidores.
Saldanha da Gama é monarquista, e há grande reação ao seu nome dentro do exército federalista, que é republicano. Em carta a Joca Tavares, afirma que a sua luta é contra a tirania de Floriano e Julio de Castilhos e não pela monarquia, que acredita venha a ser restaurada pelo voto livre e direto dos brasileiros e não através de uma revolução; concorda em lutar em um exército republicano, desde que seja contra o despotismo. Assume o seu novo papel com denodo. Procura inteirar-se da situação do exército revolucionário e da disposição das forças inimigas. Troca opiniões com Joca Tavares e, às vezes, tenta impor algumas ordens, mas sempre deixando para o General as decisões finais. É um cavalheiro. Diz que está agindo em nome do Diretório Político da revolução, que agora deseja trocar as cores das divisas do exército revolucionário – de vermelho e branco para auri-verde. O seu entusiasmo reflete-se na ação dos revolucionários. Em 27 de agosto, o Coronel Cabeda avisa que volta a campo, que irá invadir com pequena coluna e pede apoio dos demais chefes. O Coronel Estácio Azambuja é enviado para auxiliá-lo.
O General Antônio Carlos da Silva Piragibe é nomeado comandante de mais um Corpo Revolucionário que invadirá por Santana do Livramento, fazendo junção com as forças de Zeca Tavares, Cabeda e Estácio Azambuja. O objetivo é bater as forças governistas que estão naquela região. No dia da invasão, o General Piragibe cai do cavalo e se fere, voltando para Montevidéu. O plano é frustrado e as tropas revolucionárias novamente se dividem em diferentes acampamentos. Todos os chefes pedem auxílio de armas, munições, mantimentos e cavalos para os soldados. Finalmente, a 9 de outubro, o General Piragibe, já curado, avisa que está invadindo, mas a situação está mudada, o inimigo não ficou esperando para ser derrotado e o exército revolucionário é fracionado em três colunas, que somente podem combater pequenas forças do inimigo que cada vez mais se fortalece e passa de perseguido a perseguidor. Marchas e contramarchas.
Saldanha da Gama escreve a Joca Tavares pedindo mais ação e criticando o General Piragibe pela sua demora em invadir. Informa que está organizando outra coluna da qual também participará. Está em Buenos Aires, junto a Silveira Martins e mostra-se otimista. Ainda desconhece que nos campos do Rio Grande, Gaspar Barreto e Zeca Tavares conquistam importante vitória, em 6 de novembro, contra forças superiores que fogem à primeira carga de cavalaria. Os soldados governistas são obrigados a servir – o que, na época, é chamado de “voluntário-maneador” – e quando em confronto com as forças inimigas fogem ou se rendem. Em Upamaroti, o General Marcelino Pina, com o apoio das forças de Ismael Soares e Honório Lemes (que, na segunda revolução federalista, em 1923, será apelidado de “O Leão do Caverá”) derrota, em 10 de novembro, uma força governista, mas é obrigado a retirar-se ante a aproximação de reforços inimigos. Queixa-se a Joca Tavares de ter sido deixado sozinho por Ismael Soares, que voltou para a Serra, deixando de lhe dar proteção, o que o obrigou a transpor a linha divisória com o Uruguai.
Distante, muito distante do desenrolar das ações, Saldanha da Gama sugere, quase ordena, um ataque a Dom Pedrito, cidade que supõe desguarnecida. O General Joca Tavares responde pedindo armas, munições e cavalos para as tropas de Marcelino Pina. Principalmente cavalos. Também Zeca Tavares e Gaspar Barreto pedem cavalos. Estácio Azambuja continua estacionado no Rio Negro. Todos reclamam de Luis Barcellos, que não obedece ninguém, foge da luta e ataca pequenas povoações. Joca Tavares quer prendê-lo, quando, por razões desconhecidas, Saldanha da Gama escreve que não é o momento de lutar contra Barcellos. Quem manda na revolução? Joca Tavares obriga Barcellos a incorporar-se às forças de Pina, de quem receberá ordens. Na primeira oportunidade, Barcellos desobedece e foge da luta.
Zeca Tavares é batido em Aceguá e interna-se no Uruguai. Reclama da falta de apoio de Estácio Azambuja, que estava perto. Este escreve longa carta ao General Joca Tavares, explicando as razões da sua omissão. Problemas relativos à falta de cavalos.
Que sabem os soldados sobre o federalismo ou as razões dos seus chefes? Combater é uma aventura e uma maneira de ganhar a vida, em caso de vitória. Uma vitória que vem sendo adiada há dois anos, devido, principalmente, à desunião dos chefes que já pensam na paz e seus prováveis ganhos. Não é difícil derrotar um inimigo sem moral, mas, para isso, é necessário união.
Conta Edgar Carone que, em 10 de agosto de 1894, o túmulo de Gumercindo Saraiva, que tinha morrido em combate, é violado a mando do coronel governista Firmino de Paula. O corpo é desenterrado. “O general Francisco Rodrigues Lima, ao aproximar-se do cadáver, bradava em altas vozes: “As orelhas são minhas!””19 E é este inimigo fácil de derrotar, com soldados obrigados a combater e oficiais movidos a vampirismo que os libertadores não se decidem a enfrentar e derrotar. Falta união, sobra ambição. Fala-se na paz que a substituição de Floriano Peixoto por Prudente de Morais poderá trazer. Uma paz com grandes ganhos para os oligarcas do campo.

APARÍCIO SARAIVA

Joca Tavares tem esperanças. Um novo corpo do exército é organizado por Saldanha da Gama sob a liderança do General Aparício Saraiva, irmão mais moço de Gumercindo Saraiva, e Coronel Cabeda. Já no terceiro dia após atravessar a fronteira com o Uruguai, dá combate ao inimigo. O Coronel Sampaio é amplamente derrotado. O inimigo foge deixando cavalos e três carroças com armas, munições, arquivos e toda a bagagem. A vitória é completa. É 1º de março de 1895.
Aparício Saraiva entra em Dom Pedrito, depois de encontrar o inimigo no caminho e vencê-lo. Faz marchas vagarosas entre Ponche Verde e Santa Maria, esperando a incorporação do General Guerreiro Victoria ou, mesmo, do Coronel Gaspar Barreto. Esperanças vãs. Guerreiro Victoria escreve a Joca Tavares dizendo que está a pé, pedindo munições e cavalos. Gaspar Barreto alega estar doente e descansa nas Palmas, prometendo juntar-se a Aparício Saraiva assim que melhorar. Aparício queixa-se da falta de apoio dos demais chefes. Os demais chefes fazem o possível para permanecerem invisíveis.
De Montevidéu, Saldanha da Gama insiste com a troca das cores das divisas do exército federalista, mas avisa que está ultimando os aprestos do 4º Corpo do exército que invadirá em breve. É um bravo e quer lutar nos campos rio-grandenses. Troca intensa correspondência com Joca Tavares e demais chefes revolucionários, mas, ao contrário do General, que acredita que a luta deverá ser decidida nas coxilhas, pensa em invadir em direção a Serra do Caverá, conquistar posições e depois fazer junção com os chefes mais ao sul. Estabelece contribuições em dinheiro nas pequenas povoações onde os revolucionários estão mais fortalecidos: “Entendo que os Chefes deveriam, de ora em diante ter recursos a esse meio, remetendo o colhido a Vossa Excelência, que está sempre sobre a fronteira. Dessas contribuições em dinheiro, assim como das tomadas em gêneros e artigos de comércio aos particulares, deveriam os chefes passar vales em nome da revolução. Vencedora esta, ou entrando em transação com o governo reconhecido, esses vales passarão a ter efeito legal.”20
Faltam recursos e Saldanha da Gama queixa-se, inclusive, de Silveira Martins: “Note Vossa Excelência que mesmo o nosso ilustre amigo Conselheiro se conserva mudo e quedo, lá no fundo do seu retiro em Buenos Aires.” 21 Talvez porque se trate da paz às escondidas, enquanto os revolucionários lutam e morrem nos campos gaúchos.
Joca Tavares e Saldanha da Gama ainda acreditam na vitória através das armas, ou num armistício honroso. Tudo dependerá da união dos chefes para uma arremetida decisiva. Mas não se pode lutar apenas com o destemor do General Aparício Saraiva, que comunica a Joca Tavares que já está perdendo a fé. Está cansado de pedir o apoio do General Guerreiro, de exigir a união ás suas forças dos Coronéis Estácio e Chagas; de procurar pelo Tenente-Coronel Leônidas, de enviar ofícios para todos os chefes da sua região e não receber respostas.
O General Tavares o secunda nesse esforço, escrevendo ao General Marcelino Pina para se juntar à coluna de Aparício Saraiva. Repreende o Coronel Estácio Azambuja: “Exmo. Sr. Coronel Estácio Azambuja, 9 de abril de 1895. De S. Luiz ao rumo da estância do Barão de S. Luiz, no Santa Maria, passou por aqui a força de Telles, composta de 3 batalhões com 800 homens de infantaria e 400 de cavalaria, estes completamente a pé, pois iam muito puxados os cavalos encilhados; fazendo todo esse trajetos impunemente pelo meio de nossas forças que tem um efetivo de 2.000 homens. Parece incrível, mas é verdade! O que tem dado lugar às forças inimigas não serem batidas e completamente derrotadas é a falta de cumprimento de ordens, desde 5 de março p. passado, ordenando a incorporação do General Guerreiro a do General Aparício. Novamente ordeno-vos que, sem perda de tempo, marcheis a incorporar-vos, para ver se assim podem bater o inimigo, salvando a revolução que tem sido comprometida por não cumprirem as ordens que lhes são dadas.”22
As ordens não são cumpridas. O Coronel Estácio escreve outra longa carta onde explica que o tempo, a falta de cavalos e demais fatores incógnitos o impedem de acudir ao apelo revolucionário do General, mas pede licença para ir para Arroio Grande, Pelotas, quem sabe Camaquã, bem longe das operações de guerra “... certo de que me acho com ânimo de fazer essa cruzada com grandes vantagens para a causa e sem risco para a força sob meu comando23 O General Tavares responde dizendo que não permite que Estácio se afaste e ordena: “Por princípio algum não deixareis de incorporar-vos, porque de vós depende a extinção da coluna Telles.”24
Estácio Azambuja diz que irá incorporar-se a Aparício, mas depois de receber os cavalos que espera. Além disso, o Rio Negro está cheio e é possível que a sua incorporação ainda demore um pouco. Aparício Saraiva reclama ao General Tavares, em 13 de abril de 1895: “... não é justo nem patriótico que somente nós, com uma força resumida em relação a do inimigo, estejamos dia a dia honrando a revolução, com força por Aceguá, armada, sem que queiram incorporar a nossa, sacrificando assim uma coluna de bravos. Não são estes os meus desejos, viver passeando nas campinas do Rio Grande, mas o que fazer, se os valentes da Coluna do General Guerreiro não querem a mim se incorporar? É necessário que se tome uma resolução enérgica nesse sentido.”25
O pequeno exército de Aparicio Saraiva está sendo perseguido. Poderia ter derrotado os perseguidores se os demais comandantes tivessem obedecido às ordens de Joca Tavares e Saldanha da Gama. Mas os antigos bravos chefes libertadores de primeiro momento preferem esperar acampados em lugar seguro. Joca Tavares insiste com Estácio Azambuja: “Sr. Coronel, se até aqui tem sido necessários todos os nossos esforços para sustentar a revolução, agora mais que nunca precisamos de completa harmonia de nossos companheiros para que aqueles que supõem vir encontrar-nos inativos, descansando sobre os macios colchões da prometida paz, sejam burlados, encontrando-nos unidos e fortes, com nosso exército perfeitamente organizado para impormos as nossas condições.”26
O General Marcelino Pina põe-se a campo e entra em Rosário, depois de espantar a guarnição, que se retira. Informa sobre soldados governistas que estão desertando; diz que procura comunicação com Ismael Soares e Juca Tigre, mas nada sabe daqueles chefes. Talvez ainda estejam imóveis e entrincheirados no Caverá, mas há boatos de que teriam cruzado a fronteira. Em 25 de abril, Estácio Azambuja informa que também se mexeu, mas não encontrou o General Aparício, apesar de todos os esforços. Pede munições e diz que está acampado na costa de S. Luiz. 25 de abril também seria o esperado dia em que Saldanha da Gama teria invadido com o seu 4º Corpo do Exército Libertador. Aparício Saraiva escreve dizendo que está acampando um dia em cada lugar, entre Lavras e Dom Pedrito, com o objetivo de cansar a infantaria do inimigo: “Já vê Vossa Excelência que o buçal que lhes passei foi de couro fresco; eles se hão de cansar de perseguir.”27 O General Joca Tavares responde, elogiando Aparício Saraiva pela brilhante tática desenvolvida. Envia armas, munição, homens e a notícia de que a paz está próxima. Há conversações no Rio de Janeiro, principalmente depois da tentativa do golpe ‘jacobino’ de Floriano contra Prudente de Morais; subitamente os inimigos poderão ficar amigos.
Mas Saldanha da Gama não acredita nas boas intenções do novo Presidente e já deve ter invadido com a nova coluna em direção ao Caverá. Trata-se de conquistar e manter posições para que a paz seja negociada com vantagem. É ainda Saldanha da Gama quem pede para Aparício Saraiva dirigir-se com as suas forças para apoiar a sua invasão. Aparício responde que acha inconveniente ir para um lugar onde os campos são de péssima qualidade, sem pastagem adequada para os cavalos e sem recurso de espécie alguma. Além do mais, iria atrair o inimigo que o persegue, impedindo de vez a entrada da coluna do Almirante. Esclarece que o verdadeiro teatro das operações é onde ele está, perseguido pelas colunas de Telles e Menna Barreto. Avisa que a incorporação de Chagas e Estácio é quase uma utopia, pois Vossa Excelência tem visto como eles tem se portado para cumprimento de ordens minhas28
O Coronel Estácio Azambuja dá sinal de vida e avisa que está no Piraí, observando o inimigo que não pode ser observado porque nada de novo tem ocorrido. Diz estar exausto de recursos e que os cavalos estão com a peste dos cascos, inservíveis. Os pacíficos cidadãos que apóiam a revolução de seus lugares tranqüilos no Uruguai e Argentina estão assistindo a um filme diferente com o mesmo título: “1893”. De Rivera, vem um telegrama perguntando por que Aparício não ataca Livramento que está apenas com 200 homens, enquanto Aparício gambeteia ‘entre campas e cañadas’, tentando escapar da encarniçada perseguição do inimigo.

A REVOLUÇÃO FRUSTRADA

3 de maio de 1895. Saldanha da Gama informa Joca Tavares que invadiu, mas não invadiu. O inimigo estava à sua espera e a coluna invasora teve que retirar-se para lugar mais seguro, ainda no Uruguai. Três colunas estão prestes a atacá-lo, basta dar um passo para cá da fronteira, o que seria suicídio. Está com sérias dificuldades para manter o exército reunido, armado e alimentado. Acredita que os generais Aparício e Pina “estão livres em seus movimentos” e espera que ataquem Santana para atraírem a atenção dos que o cercam. Outra possibilidade seria contar com o apoio das forças de Ismael Soares, mas não sabe que este se encontra cercado no Caverá.
Aparício até gostaria de ajudar Saldanha da Gama, mas como, se está em constante fuga e sem nenhum auxílio dos demais generais e coronéis da sua região, exceto Joca Tavares?
Os sérios senhores que gerenciam a revolução do exterior – e que, mais tarde, quando a poeira abaixar, receberão as honras de grandes chefes revolucionários – esquecem de mandar munição e cavalos para as tropas que realmente guerreiam. Alguns mandam dinheiro, como é o caso de José I. do Amaral e José G. Gomes, mas Joca Tavares já está comprando a crédito. Todos precisam de tudo. Finalmente, Estácio Azambuja incorporou-se à coluna do General Aparício Saraiva, que agora está com 1.800 homens, mas continua a ser perseguido por força duas vezes superior. De vez em quando, ocorrem tiroteios com a vanguarda inimiga, que cada vez se aproxima mais.
No dia 7 de maio, Joca Tavares escreve uma carta (cartas sempre enviadas através de estafetas, ou ‘próprios’, durante a noite) para Saldanha da Gama propondo-lhe uma saída.
“Permita-me Vossa Excelência que eu faça uma indicação para a saída do 4º Corpo do Exército desse lugar, sem que corra risco de ser atacado pelas forças inimigas que se acham em sua frente. Desse ponto pode Vossa Excelência com as devidas reservas, fazer marchar a coluna, com cavalos de tiro à noite – pelo Estado Oriental – passando o dia com a força oculta, e vir invadir na noite seguinte no lugar denominado Capão Alto a 6 léguas aquém de Santa do Livramento. Não há nessa fronteira força Oriental que lhe possa embaraçar, e pode dessa forma evitar o desastre que tanto preocupa o espírito de Vossa Excelência.”29
Com essa manobra, além de escapar do cerco, a coluna do Almirante poderia incorporar-se à de Aparício Saraiva, que marcharia imediatamente para o Capão Alto ao saber da chegada das forças de Saldanha da Gama. Naturalmente, Aparício seria perseguido por Telles e Hipólito Ribeiro, que seriam surpreendidos por forças iguais ou superiores. Poderia ter sido a grande vitória da revolução, levando o Governo, para evitar maiores perdas, a oferecer a paz em condições honrosas para os federalistas.
Mas a proposta de Joca Tavares não foi aceita, devido à desunião entre os coronéis da coluna de Saldanha da Gama. Somente um dos comandantes, com 190 homens armados e municiados foi incorporar-se à força de Aparício. Os demais esperaram o desastre. Inclusive Saldanha da Gama, que não acredita em rendição, ou paz. Escreve a Joca Tavares: “(...) Vossa Excelência deve saber que o Dr. Prudente de Moraes está mudando o seu rumo. Floriano está fazendo-lhe ameaças, e ele parece amedrontado. Vamos ter outra vez em cena o Florianismo ligado ao Castilhismo e ao pretorianismo militar. A revolução, pois, não pode depor as armas. Eis o meu conceito sincero. Entretanto, devo advertir a Vossa Excelência que eu nunca serei obstáculo à pacificação do Rio Grande, como já por aí se propala adrede. O meu concurso é tão desinteressado, como foi completo meu sacrifício. (...)”30
         Além de Aparício Saraiva, que pensa na revolução, parte dos demais chefes espera a propalada paz a que se refere Saldanha da Gama. Alguns começam a agir por conta própria. É o caso de Juca Tigre que, “sabendo da aproximação do inimigo, transpôs o Santa Maria, dizendo que ia para S. Sepé”31 – conforme denúncia de Marcelino Pina. Joca Tavares recusa auxílio a Juca Tigre quando este pede munição e cavalos, dizendo que esses elementos são destinados aos verdadeiros revolucionários. Descobre-se porque a coluna de Saldanha da Gama era esperada pelo inimigo. Ismael Soares teria escrito cartas para Rivera, onde notificava os planos da invasão; cartas que foram interceptadas pelo inimigo. No Caverá, onde se julgava seguro, Ismael Soares é surpreendido pelo inimigo; perde mais de 100 homens, arquivos, cavalos e munição, tem a sua força destruída e retira-se como pode em direção a Ibicuí. O apoio que Saldanha da Gama esperava não existe mais.
Ainda em maio, Joca Tavares recebe a informação de que elementos do exército a quem Prudente de Moraes tinha causado má impressão “...querem lançar manifesto declarando não serem restauradores e levantarem a bandeira da separação”32 Joca Tavares pede a opinião dos demais chefes da revolução. Aparício Saraiva responde, em 27 de maio: “Neste momento chegou o Coronel Cabeda que me informou as disposições dos amigos em armas, quanto ao manifesto que querem fazer. Eu e demais chefes estamos de perfeito acordo e julgamos muito oportuna a ocasião. (...)33
Separação. O mesmo ideal dos chefes farroupilhas de 1835; ideal que foi traído dez anos depois. A bandeira que faltava para fazer a revolução federalista dar um salto de qualidade e unir os verdadeiros gaúchos em torno da causa comum. Certamente, Silveira Martins não gostará da idéia, mas está em Buenos Aires há quase um ano, e, mesmo permanecendo como o chefe oficial da revolução, pouco ou nada mais faz, entregando todas as ações para Joca Tavares e Saldanha da Gama. Voltará aureolado como o grande chefe da revolução, após a rendição.
Em nova carta a Joca Tavares, Saldanha da Gama recusa a proposta. Acredita no federalismo, mas não deseja a separação. Queixa-se dos chefes que não estão participando da luta, sendo injusto com alguns, por desconhecer as suas razões.
“(...) Outros elementos preciosos estão ali ao alcance da mão, assim como, do influxo direto de Vossa Excelência e que, no entanto, não entram a tomar parte na luta neste momento supremo e decisivo. Refiro-me aqueles que servem com chefes prestigiosos como Tomás Mércio Pereira, José Bonifácio da Silva Tavares, Ventura Martins e outros que conservam-se inativos a exemplo destes. Se não fora esse retraimento e também a incorrigível desunião dos chefes principais, as nossas operações militares já poderiam ter alcançado outra importância e outra eficácia neste novo período de luta. Juca Tigre, Pina, Gaspar Barreto, Carolino Amaral e outros, continuam obrando por si e nem sequer obedecem ao plano geral das operações. A Pina e Juca Tigre determinei por carta que se juntassem com Ismael Soares e se aproximassem ao Passo das Catacumbas, a fim de auxiliar o movimento da entrada do 4º Exército. Descoberto mesmo como foi o nosso plano pela imprudência de cartas escritas de Caverá para Rivera, esses três chefes juntos podiam ter batido o João Francisco; porém não, Juca Tigre, que aliás estava com Ismael Soares, separou-se logo deste. Pina nem sequer o protegeu no dia da surpresa. (...)”34
O General Joca Tavares contesta as observações de Saldanha da Gama, explicando que o Coronel Zeca Tavares ainda está em tratamento de saúde e o pessoal da sua divisão foi incorporado ao exército. O Coronel Tomás Mércio Pereira e o Tenente-Coronel Boaventura Martins estão em suas fazendas no Uruguai e não tem gente reunida e o Coronel Gaspar Barreto, por ordem do próprio Saldanha da Gama, tinha marchado para o interior e contraído tuberculose, estando doente em Camaquã, sendo que a sua força estava incorporada ao exército. Não sabe o Almirante que Ismael Soares está sem condições de combater, que Juca Tigre fugiu da briga e que Marcelino Pina está acampado no Arroio da Mina, com força reduzida, apenas observando o inimigo.
A revolução se resume ao exército de Aparício Saraiva, que já está com uma coluna que poderá chegar a 3.000 homens, caso os demais chefes se resolvam a juntar-se a ele e combater.
Muitos dos 45 chefes que assinaram o Manifesto de 1893 concitando os cidadãos às armas estão feridos, doentes ou se retiraram para as suas fazendas para cuidar dos seus negócios. Alguns morreram, como o já legendário Gumercindo Saraiva. Outros se tornaram bandidos e apavoram os povoados com pedidos de “contribuição”.
A maior parte, mesmo alguns que estão lutando, deseja a paz, uma paz rápida que lhes traga no futuro a fama de gloriosos guerreiros, e, no presente, os prováveis ganhos de indenizações de guerra. Outros, como Aparício Saraiva, querem continuar guerreando e acreditam na possibilidade de uma luta separatista, a exemplo do Uruguai em relação à Argentina.
Tudo dependerá do sucesso da invasão do 4º Corpo do Exército, de Saldanha da Gama e General David Martins, que continua inativo e cercado na fronteira com o Rio Grande, em Quaraí. Desalentado e, talvez se sentindo colocado à parte e desrespeitado pelos demais chefes que raramente aceitam as suas ordens, em determinado momento Saldanha da Gama escreve para Joca Tavares: “(...) Vossa Excelência deve conhecer bem as provanças de mando nestas circunstâncias. Por mim confesso que a continuarem as coisas assim, não hesitarei, digo, não hesitarei declinar desta minha posição de responsabilidade e sacrifício (...)”35
A 28 de maio de 1895 Joca Tavares recebe carta do General Inocêncio Galvão de Queiroz, Comandante em chefe das forças governistas, propondo a paz. Joca Tavares responde somente em 18 de junho, dizendo que concorda com uma paz honrosa para todos, mas espera a opinião dos chefes do exército revolucionário. Quer ganhar tempo. Consulta Saldanha da Gama e Silveira Martins. Saldanha da Gama repele a proposta.

 MASSACRE E RENDIÇÃO

Pequeno trecho da última carta de Saldanha da Gama para Joca Tavares, em 20 de junho de 1895: “(...) As dificuldades são muitas e grandes, porém não há porque desanimar. A revolução já esteve em piores condições e levantou-se. Porfiemos. Faço aqui ponto, desejando a Vossa Excelência (...) Luis Felipe de Saldanha da Gama.”36
Aparício Saraiva é avisado de que Bagé está com pouca guarnição; recebe 80 homens e 130 cavalos. Pede uma conferência com Joca Tavares. Há possibilidades de novo ataque à cidade.
Francisco Cabeda envia telegrama de Rivera: “Arquivo Almirante depositado em casa companheiros. Pedro Tavares não conseguiu comunicar-se com ele. Muita vigilância Hipólito, não se descuidem. Almirante morto, seu imediato David Martins não quis tomar providências.”37
O que pensava Saldanha da Gama poucas horas antes de ser surpreendido pelas forças de Hipólito Ribeiro? Talvez, na noite gelada, tomando um chimarrão, com o poncho sobre os ombros, lembrasse amargamente da ausência de cobertura para a entrada da sua coluna em solo brasileiro. Ou sobre as cartas de Ismael Soares, descobertas pelo inimigo, que o deixaram impossibilitado de avançar além da linha divisória. O seu plano de invasão tinha sido frustrado, Aparício Saraiva negava-se a ajudá-lo com o seu exército, alegando problemas que não devem ser lembrados em uma guerra, porque guerra é sempre sinônimo de problemas, dificuldades e sacrifícios. Estava cercado e sem apoio. Alguns companheiros pensavam na separação. Não! Se fosse assim, ele teria que quebrar a espada e retirar-se da luta.
Na impossibilidade de invadir pelo ponto combinado da fronteira, dividira a coluna em vários destacamentos. Em carta de 5 de junho, comunicava a divisão do 4º Corpo em duas colunas, uma junto com ele, outra sob o comando de David Martins no baixo Quaraí. Havia informado o General Joca Tavares que o Tenente-Coronel Carlos Libindo tinha invadido pelo Passo do Ramos e surpreendido o esquadrão de Maneco Ribeiro, com ampla vitória. Ulisses Reverbel, com a sua brigada, tinha batido uma força inimiga no Areal e tomado uma ponta de gado. Não eram mais duas colunas, mas vários destacamentos da coluna de Saldanha da Gama tentavam a invasão por diferentes pontos da fronteira, a maioria com êxito; mas Saldanha da Gama considerava-se garantido com a presença do General David Martins no baixo Quaraí, a pouca distância do seu acampamento, onde conservara apenas 220 homens, a maioria marinheiros como ele.
Pedro Tavares, filho de Joca Tavares, tinha sido enviado com correspondência para o Almirante, mas, por sorte e devido às grandes chuvas dos dias 20, 21 e 22 de junho, que transbordaram todos os arroios, só pode alcançar na noite de 23 para 24 o acampamento do Coronel Francisco Wenceslau Pereira (Chiquinote), uma légua antes do acampamento do Almirante. Ali, devido ao tempo ruim, foi retido naquela noite pelo Coronel Chiquinote, que o informou que o inimigo estava perto. Às seis horas da manhã do dia 24 partiu com o Coronel Chiquinote e encontraram um piquete em descoberta que avisou que na estância dos Osórios, a meia légua de distância, estava uma coluna do inimigo. Logo avistaram as linhas inimigas a galope da Coxilha Negra em direção ao acampamento do Almirante. Retiraram-se e encontraram o Coronel Macedo que avisou que todas as comunicações estavam cortadas pelo inimigo. Acreditaram que, devido a pouca gente que estava com ele, Saldanha da Gama não aceitaria o combate e empregaria a tática de retirar-se para os matos de Quaraí, enquanto deixava uma linha estendida de atiradores para lhe dar cobertura, conforme já havia feito anteriormente. Mas Saldanha da Gama estava cercado e foi obrigado a dar combate. Foi trucidado, junto com os 220 revolucionários que estavam junto a ele.
Retornando para Rivera, Pedro Tavares ficou sabendo que uma comissão vinda de Montevidéu, composta por brasileiros, pediu, em Santana do Livramento, o corpo do Almirante Saldanha da Gama, que não lhes foi entregue porque nada mais restava do corpo. As forças inimigas, lideradas por João Francisco Pereira de Souza e Hipólito Ribeiro, eram em número superior a 1.400 homens. Atacaram os 220 homens que estavam com Saldanha da Gama, matando a todos. Mais de 50 foram degolados, alguns foram decapitados e o corpo do Almirante foi completamente mutilado.
Na ordem do dia de 30 de junho de 1895, o General Joca Tavares lembra o heroísmo de Saldanha da Gama e exclama: “(...) A nossa causa continua a ser causa da liberdade e da humanidade, e quanto mais bárbaro e selvático for o procedimento dos nossos adversários, mais justificado perante a História o nosso procedimento, a nossa tenacidade na luta. Chamaram-nos assassinos do Rio Negro onde aprisionamos o Marechal Isidoro Fernandes de Oliveira, Coronel Pantoja e toda a oficialidade do 28º Batalhão de Infantaria, que hoje gozam plena liberdade; e eles, os puros, os imaculados, mutilam cadáveres e nunca fizeram um só prisioneiro!! (...)”38
Foram declarados oito dias de luto em honra à memória do Almirante Saldanha da Gama.  Oito dias de luto. O que se tramou durante aquele período? O que se passou na mente do velho general Joca Tavares quando mandou um telegrama para o General Galvão dizendo que estaria às ordens para conversar sobre a paz, justamente no momento em que o exército de Aparício Saraiva se avolumava e a grande maioria dos integrantes da coluna de Saldanha da Gama entrava pela fronteira dispostos a recrudescer a luta?
Silveira Martins, indignado, envia um telegrama: “Satisfaço vosso pedido. Proposta Galvão burla. Fim desarmonizar chefes, desprestigiar nomes conquistais revolução. Galvão não tem poderes assumir governo Estado. Revolucionários não tem garantias, continuando Castilhos imposto mantido baionetas nacionais, tendes experiência desarme Bagé. Galvão não pode conceder anistia negada Congresso, nem revolução abandonar camaradas acabam derramar sangue generoso causa liberdade, sem exército, sem armas, sem generais, sem administração, sem justiça, sem crédito, sem respeito nossa infeliz Pátria, só tem alferes, e um governo não enxerga que na guerra civil não há vencedores para a Pátria, há só vencidos: ela própria.”39
A proposta de paz é indigna e surge no momento em que o exército revolucionário está sendo reforçado. É uma proposta que talvez revele a impossibilidade do Governo vencer a revolução pelas armas. É uma burla, exclama Silveira Martins; o objetivo é provocar a desunião dos chefes; não se pode abandonar os camaradas que verteram o seu sangue pela causa da liberdade; não há garantias de anistia para os chefes revolucionários; Julio de Castilhos continuará como Presidente do Rio Grande; nada terá sido conquistado.
Não é ouvido. Silveira Martins cometeu o grave pecado de manter-se a maior parte do tempo muito longe do teatro das operações bélicas, a ponto de ser considerado somente o chefe nominal da revolução. Ao contrário de Saldanha da Gama que, mesmo sendo homem do mar, optou por engajar-se na luta das campinas e, mesmo derrotado saiu vitorioso, com a honra resguardada e a alma invicta.
Agora, Joca Tavares recebe cartas até de Carlos Telles - no dia 7 de julho -, a quem desejava tanto bater, avisando que o Coronel Savaget o espera em Bagé para conferenciar sobre a paz. No dia 9, o General Joca Tavares segue para Bagé, indo direto à sua residência, na rua Sete de Setembro. O povo na rua saúda a expectativa de paz. O Coronel Savaget vai ao seu encontro. Conversam sobre política, Joca Tavares diz que detesta Julio de Castilhos. O Coronel Savaget responde que acha Julio de Castilhos muito cordato. O General diz que não pode conversar naqueles termos e dá a conversa por terminada. Terminada somente com Savaget.
Conferencia com Galvão Queiroz, no dia 10, e faz seus pedidos: retirada de Julio de Castilhos da presidência do Estado; reorganização do Estado de acordo com a Constituição Federal; anistia ampla para todos os oficiais, praças e civis; auxílio pecuniário para satisfazer os compromissos da revolução; indenização dos prejuízos causados aos revolucionários pelo Governo desde 6 de julho de 1892.
O General visita a família, volta para o seu acampamento e espera a resposta. No dia 4 de agosto encontra Silveira Martins na estância de um amigo comum. Apresenta-lhe as propostas de paz e o Conselheiro, mais tranqüilo e aceitando a situação, diz que se aquelas propostas forem aceitas será a vitória da revolução. Retorna Silveira Martins para Buenos Aires, crendo que tudo se dará pelo melhor. Joca Tavares envia Estácio Azambuja para falar com o General Galvão, em Pelotas.
Depois de conferenciar longamente com o representante do Governo, Estácio Azambuja comunica ao General Tavares que Galvão quer encontrá-lo em Bagé. Acrescenta: “(...) Limito-me, pois, a dizer a Vossa Excelência que tornam-se urgentes todas as providências em sentido de por nossas forças em condições de operar, e até acho conveniente fazer um próprio ao General Aparício dizendo que ative a remonta do exército. (...)”40
Esperto e inteligente, o Coronel Estácio Azambuja percebeu a trama, ou a burla, como dissera Silveira Martins. Não deve ser o único do exército revolucionário que não deseja a paz em termos pequenos, o que significaria uma rendição. O próprio irmão de Joca Tavares, Francisco da Silva Tavares diz ao General que não lhe parece que as coisas estejam muito claras.
Mas Joca Tavares concorda em encontrar-se com o representante do Governo para tratar da paz, apesar dos avisos dos amigos e camaradas.
Na dúvida, avisa Aparício Saraiva para preparar o exército, conforme recomendação de Estácio Azambuja. Aparício Saraiva responde dizendo que está se preparando. Antes de tudo, é um guerreiro; está com armas e munição e mandou apurar o fabrico de 200 lanças; duas comissões foram em busca da cavalhada, enviou ‘próprio’ para o Coronel Maneco Machado reunir o maior número de homens e cavalos possíveis e se reunir a Ismael Soares, colocando-se em observação sobre a coluna de Hipólito Ribeiro e João Francisco (os responsáveis pelo massacre de Saldanha da Gama). Também ordenou às forças de Quaraí que estão sob as ordens do Tenente-Coronel Chiquinote Pereira, Ribeirinho, Julio de Barros, Carlos Libindo e Timóteo Paim que se incorporem ao Coronel Maneco Machado, no Caverá, para ficarem na retaguarda de Hipólito Ribeiro. Convoca o Coronel Ulisses Reverbel para unir-se ao seu exército. O exército maragato se prepara para a guerra e está mais entusiasmado do que antes.
Entretanto, Joca Tavares combina com o representante do Governo, General Galvão Queiroz, o encontro definitivo para tratar da paz. Segue para Bagé, onde encontra um convite do General Queiroz para o encontro acontecer em Pelotas. No dia 22 de agosto está em Pelotas. O povo aclama a chegada do General.
No dia 23 acontece a conferência de paz. O Governo não aceita a revisão da Constituição nos estados, porque isso é da competência exclusiva do poder Legislativo. O governo não concede anistia, pois isso é da competência do Congresso Federal. O Governo dá direito a todos de reclamarem indenização de guerra pelos “trâmites legais”.
Joca Tavares assina. Mesmo reclamando sobre a não aceitação pelo Governo das condições impostas para a aceitação da paz, aceita a rendição.
Aparício Saraiva e os demais revolucionários que já estão se armando para a continuação da guerra contra o despotismo tem de entregar as armas ou serão considerados fora da lei e caçados indiscriminadamente. Não existe mais um comando revolucionário. Gaspar Silveira Martins está em Buenos Aires, de onde voltará como glorioso ex-líder revolucionário. Na tribuna, fará belos discursos e a proposta do parlamentarismo. Julio de Castilhos continua no poder.
Somente em 1923, com a segunda revolução federalista, depois de oito meses de combate é feita a paz e alterada a Constituição do estado do Rio Grande do Sul, de acordo com os desejos dos maragatos. Até lá, as perseguições políticas continuaram. Alguns dos ex-revolucionários se transformaram em ricos estancieiros.
A revolução federalista de 1893 é uma revolução esquecida. No Rio Grande do Sul fala-se muito sobre a Revolução Farroupilha e muito pouco sobre a epopéia dos maragatos. Quando se escreve alguma coisa sobre aquele momento da nossa História é somente para lembrar as degolas e assassinatos, algumas vezes exagerados ou mentirosos. Fala-se nos chefes, principalmente em Silveira Martins, que tem uma estátua, uma praça e um colégio com o seu nome em Bagé. Saldanha da Gama é o nome de uma praça de Pelotas. Deve haver mais homenagens, mas desconheço. Homens não são espaços públicos, estátuas ou nomes de ruas e de praças. Homens são o que eles fazem. Neste pequeno texto, apesar da escassa bibliografia encontrada, tentei pormenorizar os principais acontecimentos daquela revolução e, principalmente, desmistificar algumas lendas e mentiras ‘históricas’. Também tentei mostrar os homens que participaram daquela revolução sem o invólucro de suas máscaras míticas.

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- Aparício Saraiva não se conformou com a rendição. Em 25 de outubro, depois de dispersar as tropas, volta para a sua fazenda de El Cordobez, no Uruguai. Sabia que os pica-paus não cumpririam o acordo. Por que Joca Tavares tinha assinado a rendição? No Uruguai, participa do partido nacionalista Blanco, fundado por Oribe, herói da independência. Participa de duas revoluções, quando ficou conhecido como Aguila Blanca (Águia Branca), por colocar-se sempre à frente dos seus comandados, vestindo um pala branco e com uma lança na mão. Em 1904, é ferido em combate e morre.

- Silveira Martins, o líder civil da revolução de 1893, já em 1896, um ano após a rendição, reuniu um congresso do Partido Federalista, em Porto Alegre, que revelava ambições nacionais. O programa do partido era centralizante, quase uma cópia do “Federalist Party”, de Alexander Hamilton, dos Estados Unidos. A idéia era reforçar os poderes da União em detrimento dos Estados. O contrário da posição do Partido Republicano de Julio de Castilhos, que propunha proteger os Estados contra a absorção do poder central. Também propunha o parlamentarismo como forma de governo. Pouco depois da morte de Silveira Martins, em 1901, um novo congresso do Partido Federalista, em Bagé, sob a presidência do General Joca Tavares, mostrou-se contrário em vários pontos ao pensamento de Silveira Martins.

- Joca Tavares continuou batalhando no Partido Federalista até a sua morte, aos 87 anos.

- Julio De Castilhos continuou como Presidente do Estado do Rio Grande do Sul até 1898, quando, por problemas de saúde, foi substituído por Borges de Medeiros, – satirizado no poema de Amaro Juvenal, Antonio Chimango.
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(1)  “Notas À Margem Da História Do Rio Grande Do Sul”, página 136. Riograndino da Costa e Silva.
(2)  Idem, ibidem.
(3)  “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares, Tomo II, páginas 16 e 17.
(4)  Idem, página 30.
(5)  Idem, página 56.
(6)  Idem, ibidem.
(7)  “Lagoa da Música”, Pedro R. C. Wayne, página 63.
(8)  Idem, página 62.
(9)  “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 72.
(10)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 77.
(11)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 72.
(12)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 77.
(13)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, páginas 79 e 80.
(14)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, páginas 22 e 23.

(15)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 89.
(16)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 95.
(17)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 97.
(18)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, páginas 98 e 99.
(19)                    “A Primeira República, Edgard Carone, páginas 33 e 34.
(20)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 209.
(21)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 252.
(22)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 259.
(23)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 262.
(24)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 263.
(25)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, páginas 205 e 206.
(26)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, páginas 269 e 270.
(27)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 273.
(28)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 275.
(29)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, páginas 286 e 287.
(30)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 283.
(31)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 291.
(32)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 294.
(33)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 294.
(34)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 295.
(35)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 296.
(36)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 317.
(37)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 318.
(38)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 323.
(39)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, páginas 324 e 325.
(40)                    “Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II, página 328.


LIVROS CONSULTADOS

“Diários da Revolução de 1893” – Joca Tavares. Tomo II. Organizadores: Coralio Bragança Pardo Cabeda, Gunter Axt e Ricardo Vaz Seelig. Biblioteca da Procuradoria-Geral de Justiça. Série Memória Política e Jurídica do Rio Grande do Sul.

“Notas À Margem da História Do Rio Grande Do Sul”. Riograndino da Costa e Silva. Editora Globo, Porto Alegre. 1968.

“A Primeira República”. Edgard Carone. Difusão Européia do Livro. 1969.

“Lagoa da Música”. Pedro R. C. Wayne. Livraria do Globo, Porto Alegre. 1955.
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