domingo, 31 de agosto de 2014

MARINA SILVA E A TEORIA DA CONSPIRAÇÃO





São tantas as manipulações na política brasileira, a começar pela suspeitíssima urna eletrônica, facílima de ser fraudada, conforme pode ser comprovado no site “Fraude Urnas Eletrônicas” (WWW.fraudeurnaseletrônicas.com.br), que alguns estão chegando à conclusão (apressada? atrasada?) de que as eleições brasileiras não respeitam a vontade popular e sim obedecem ao desejo de pequenos e poderosos grupos detentores do poder desde o golpe de 1º de abril de 1964 (ocasião em que os militares foram usados para subverter a ordem constitucional, obedecendo às ordens dos Estados Unidos) que utilizam a mídia e as pesquisas de opinião pública para persuadir o povo de que a vitória de determinados candidatos à presidência da República é inevitável e necessária. E quando essa vitória acontece não há surpresa alguma – insistem em propagar os agentes midiáticos -, mesmo que milhões de eleitores não entendam como o seu voto foi adulterado.

   É claro que isso não passa de especulação, ou de “Teoria da Conspiração”, à qual não deve ser dado qualquer crédito - diz a mídia dos banqueiros, empresários, latifundiários e pequenos burgueses - grupos de pessoas muito preocupadas com a ordem estabelecida, e que deve ser estabelecida a qualquer preço, mesmo que à ponta de baionetas. Cansados das baionetas e de suas nefastas conseqüências morais (porque esses grupos de pessoas incluem grandes moralistas), preferiram dar ao povo o voto virtual, e a população brasileira faz grandes filas nos dias de eleições, acreditando que realmente está escolhendo os seus representantes e acaba se conformando com o fatalismo das urnas. Querem votar? Eis uma caixinha muito bonitinha, que faz um barulhinho simpático quando você digita o seu voto que nunca poderá ser comprovado. O nome disto é democracia, dizem eles. Se não ficar satisfeito, conforme-se com o futebol e o carnaval. E com as loterias.

   As eleições no Brasil não são iguais a loterias. Não há qualquer surpresa. Muitos dias antes do eleitor, por assim dizer, digitar o seu voto na risível maquininha, todos sabem quem vai vencer, e uma ou duas horas após o grande feito eleitoral os meios de comunicação já divulgam os resultados conhecidos com grande antecedência. Votar não é mais um ato patriótico, e sim uma obrigação formal dos cidadãos, necessária para consolidar as informações anteriormente divulgadas pela imprensa.

   Os donos do Brasil são muito ciosos do seu poder. Acreditam que não podem deixar que qualquer um que não pertença ao clube possa entrar nos grandes salões da mentira por eles gerenciados. Poderá entrar, sim, depois de todos os juramentos secretos que garantam a subserviência do “eleito”. Não por acaso Lula necessitou mudar radicalmente a sua postura política para ser considerado elegível. Teve que ceder em todos os pontos, a ponto de perder a barba e restar somente o bigode – e olhe lá!

   Diz a moderna Teoria da Conspiração que Dilma começou a ser derrotada na sua tentativa de reeleição quando surgiu a Comissão da Verdade pondo a nu os crimes da ditadura e, acreditando que realmente era a Presidente respaldada pelo povo, propôs algumas mudanças, como o imposto sobre as grandes fortunas, a aceleração da reforma agrária e da reforma urbana, o apoio aos movimentos sociais e a lei que evitaria que os grandes cartéis, formado por famílias que dominam os meios de comunicação que pertencem àqueles mesmos grupos citados acima, tivessem a sua influência diminuída, dando espaço a um jornalismo mais democrático.

   Por muito menos que isso a Cristina Kirchner está enfrentando a greve dos patrões e uma ameaça constante de golpe de Estado na Argentina. Aqui, o golpe é nas urnas, justificado pela fraude nas emoções do povo, frustrado com a goleada sofrida na Copa do Mundo. A derrota de Dilma, se acontecer, será atribuída ao “apagão” no jogo contra a Alemanha. É claro que a imprensa afirma que a culpa foi do Felipão, e ele mesmo assume a triste responsabilidade, mas ninguém se pergunta por que aquele desastre aconteceu.

   A Teoria da Conspiração suspeita que aqueles meninos da seleção brasileira já entraram em campo perdidos, faltando apenas levar os gols necessários para sacramentar a derrota. Segundo os mais fanáticos defensores da Teoria da Conspiração, a lesão de Neymar não foi assim tão grave e ele teria sido poupado da vergonha da derrota anunciada para que o craque ungido pela imprensa fosse preservado. Os mais radicais chegam a afirmar que o time entrou em campo bêbado ou drogado inconscientemente, ou ainda, quem sabe, os jogadores foram alvo de invisíveis raios lasers que os deixaram abobados enquanto o jogo acontecia e os gols se sucediam.

   Na verdade, não era uma grande seleção, e isso todos viram desde o primeiro jogo, mas a Teoria da Conspiração afirma que as convocações de Mano Menezes e de Felipão, que imitou o Mano, justamente visavam, devido a ordens secretas, formar um time frágil para que a seleção brasileira fosse derrotada em casa e Dilma perdesse as eleições. E não bastava uma derrota qualquer, teria que ser demolidora, desmoralizante, não restando dúvidas que a culpa era toda do Governo. Perdendo a Copa do Mundo, Dilma não se reelegeria, pensavam os conspiradores.

   Pensaram errado. Mesmo com a derrota da seleção, dada a largada para as eleições os institutos de pesquisa apontavam a vitória de Dilma e do PT e aliados sobre o fraco Aécio da facção conservadora e o quase desconhecido Eduardo Campos, representante do PSB, que tinha Marina Silva como vice da sua chapa. Os secretos senhores do destino dos brasileiros trocavam e-mails, telefonemas, mensagens sigilosas, buscando artimanhas e maneiras de eleger Aécio, que não conseguia mais que 20% nas pesquisas. Seria inevitavelmente derrotado, e o PT continuaria no poder aparente. Isso obrigaria os conspiradores a planejar e levar a efeito um golpe de Estado no prazo máximo de um ano e meio, e um golpe de Estado seria contraproducente, geraria reações imprevisíveis e – ainda pior! – poderia ser muito ruim para os negócios.

   O que fazer? – perguntavam uns para os outros. Diz a Teoria da Conspiração que eles não desejavam, mas como era urgente e inevitável, o GMC (Grão-Mestre dos Conspiradores) ordenou por em prática o “Plano B”. Todos sabem que os Illuminati têm mania por números – e quem me acompanhou até aqui não ignora que, se há uma Teoria da Conspiração, com certeza ela é urdida por Illuminati. Pois bem, um dos números preferidos pelos Illuminati, além do número 11, é o número 13. Os dois são números primos, ou números que só podem ser divididos pelo número 1 e por eles mesmos. Além disso, os números 11 e 13 são considerados números primos gêmeos, porque são separados somente por dois algarismos, e o número 2 é o único número primo par.

   Mas esta matéria não é sobre matemática ou numerologia. Basta saber que os Illuminati (plural do latim illuminatus - “aquele que é iluminado”) – sociedade secreta organizada em 1776 e constituída pelos principais expoentes do capitalismo - se consideram muito especiais e infinitamente superiores aos demais míseros humanos, e resolveram conspirar eternamente para dominar o mundo e, se calhar, o universo. Para isso, usam de todos os truques conhecidos e até dos desconhecidos, vulgarmente chamados de “magia”, e não desdenham a magia dos números. Quando desejam que alguma coisa aconteça, ou melhor, quando “fabricam” um acontecimento, escolhem um dos dois números: 11 ou 13 para o dia em que deve acontecer o episódio planejado. O número 11 significando um salto qualitativo e o número 13, morte e renascimento.

  Observe que os Estados Unidos, matriz dos Illuminati, formou-se inicialmente com 13 colônias. A nota de 1 dólar, além de ter todos aqueles símbolos ocultistas – a pirâmide, o olho que tudo vê, a águia e a Fênix – têm 13 degraus na pirâmide, 13 estrelas acima da águia, 13 barras verticais no escudo, 13 folhas no ramo de oliveira e 13 frutos, e 13 setas na garra da águia. A frase “Annuit Coeptis” tem 13 letras. A outra frase, “E Pluribus Unum” também têm 13 letras. O número 13 transformou-se em uma assinatura Illuminati.

   E no dia 13 de agosto morre Eduardo Campos, em provável acidente de aviação. Ele tinha 49 anos e 4+9 = 13. Até agora não se sabe a causa da queda do avião e alguns afirmam que ele estava em chamas no momento da arremetida. A caixa preta foi encontrada, mas, estranhamente, não tinha gravado nada. A Teoria da Conspiração afirma que a morte de Eduardo Campos foi providencial para colocar Marina Silva como forte candidata à presidência, única maneira de derrotar o PT, uma vez que Aécio Neves revelou-se um fraco candidato da direita.

    Logo após a morte do candidato do PSB toda a mídia assegurou que Marina deveria ser a candidata, quase forçando os líderes do PSB a escolher a então candidata a vice. Em seguida à escolha, pesquisa de opinião pública revelou que Marina subira 10 pontos na preferência do eleitor, de um dia para o outro. A imprensa abriu amplos espaços para qualquer declaração de Marina ou para divulgar matérias sobre Marina, lembrando o tempo em que Fernando Collor foi o escolhido pela Globo – e depois, quando ele se rebelou contra a tutela da Rede, a mesma Globo detonou o seu governo, com acusações que nunca foram provadas.

   Aliás, o partido que Marina está formando chama-se Rede. Rede Sustentabilidade. E no seu programa – agora sabemos – ela promete escolher os “melhores” para compor o governo. E os “melhores” de Marina são, em primeiro lugar, pessoas muito ligadas à direita, como Serra, Fernando Henrique & Cia. Aécio ainda esperneia, mas a direita em peso vai votar em Marina, e mais aqueles indecisos ou que anulariam o voto. Neste momento, Marina encostou em Dilma, segundo as pesquisas, e – diz a Teoria da Conspiração – seria ótimo para os conservadores (aqueles que conservam a dor) que ela vencesse ainda no primeiro turno, evitando uma eventual recuperação do PT no segundo turno.

   O mais curioso: Marina é contra a reeleição. Quer ficar no governo apenas quatro anos, segundo diz, uma espécie de mandato-tampão suficiente para desconstruir o PT, propor um novo tipo de governo neoliberal desconectado com a ALBA (Aliança Bolivariana Para as Américas), aceitar algumas demandas populares horizontais e superficiais; desmontar o Estado, a começar pela independência do Banco Central, o que provocará maior privatização de empresas estatais e o avanço das empresas estrangeiras sobre a nossa economia.

   O site da revista Exame, em matéria de 31/08 (“Efeito Marina Pode Reabrir Janela de IPOs” – sigla em inglês para ofertas iniciais de ações) diz que “a simpatia inicial do mercado pela candidata do PSB à presidência, Marina Silva, o que tem se refletido na Bolsa, começou a surtir efeito na expectativa de retomada das ofertas”. Marina, assim como Aécio, é a candidata do Mercado.

   E candidata do agronegócio, ao contrário de quatro anos atrás, quando se declarava ambientalista. Agora ela diz a mesma coisa, mas está pronta para licenciar as hidrelétricas do rio Madeira, provavelmente acelerar a construção da hedionda Belo Monte e ceder aos latifundiários e grandes empresários do setor imobiliário. Na sua luta pelo poder, a antes ingênua Marina será mais um peão dos Illuminati – diz a Teoria da Conspiração.

sábado, 23 de agosto de 2014

NUNCA SERÁ ESQUECIDO




Chamaram-no de “fascista” porque propunha um governo nacionalista voltado para a defesa do povo. “Fascista” também seria Perón, na Argentina, a quem o povo adorava. Tentaram, de todas as maneiras, desconstruir a sua imagem, porque desejavam, como ainda hoje, um Brasil manipulado pelas multinacionais – e ele era contra a entrega do país para o estrangeiro. Era atacado por uma esquerda capenga e sem base doutrinária – porque ele fazia as reformas que aquela esquerda pregava. A direita rançosa o agredia, porque ele tinha acabado com a maioria dos seus privilégios, fizera o povo acordar e lutar pelos seus direitos. 

   Criou as leis trabalhistas e toda a estrutura jurídica e social que hoje conhecemos e desejava um Brasil de verdade, formado por pessoas conscientes e criativas, e não um parque de diversões para ianques ou o circo da falsa democracia que hoje conhecemos, tornando os cidadãos palhaços manipulados por corruptos. 

   Era sério, e ficaria pasmo com o governo de um Fernando Henrique entreguista, que chegou a repudiar os seus próprios livros para ser eleito Presidente. Tinha larga visão, e ficaria apavorado com o populista governo Lula, Presidente que gostava de servir como garoto de recados dos Estados Unidos e traiu as suas próprias promessas. Amava o Brasil, e seria o primeiro a se revoltar contra o governo Dilma que defende o neoliberalismo que provoca a dependência econômica, é aliado do latifúndio devastador e desumano e das grandes empresas que destroem a Amazônia. 

   Fez uma revolução para transformar o Brasil, mas teve que se apoiar em militares que depois se revelaram traidores e o depuseram em 1945, ao voltarem de uma guerra que não era nossa, mas que serviu para deixá-los deslumbrados com o capitalismo norte-americano que passava a dominar metade do mundo. Na ocasião, ele afirmou que o Brasil somente iria para a guerra na Europa se a cobra fumasse. Os golpistas que queriam o Brasil para os Estados Unidos e que mais tarde, em 1964, repetiram o golpe com mais furor e covardia, usaram no uniforme uma cobra fumando. 

   Só então ele aprendeu que uma revolução não deve ser feita por elites e “doada” para o povo, mas pelo próprio povo organizado em defesa própria. Quando voltou ao governo, em 1950, sufragado por esmagadora maioria, apoiou-se nos partidos políticos que havia criado, principalmente no PTB que, na época, era um partido verdadeiramente trabalhista, e não oportunista, como hoje. 

   Não adiantou. A defesa das nossas riquezas, com a criação da Petrobrás e da Eletrobrás, e a lei que limitava a remessa de lucros para o estrangeiro, provocaram a revolta das oligarquias que o odiavam e dos cartéis que desejavam repartir o país entre si – como hoje fazem. Desde Washington, foi orquestrada uma nefanda campanha de difamação que culminou no seu suicídio na madrugada de 24 de agosto de 1954. 

   Naquela noite, os políticos que o cercavam e bajulavam, se revelaram – assim como os militares – falsos. E o povo estava desarmado contra a cobra que fumava cada vez mais. Só lhe restou uma saída. O seu nome era Getúlio Vargas e nunca será esquecido.

domingo, 17 de agosto de 2014

CONVERSA COM O MEDO




De longe, vi aquele homem alto, que andava olhando para os lados e para trás, o que o fazia parecer um boneco de molas. Caminhava devagar, mas, por momentos, dava breves e esquisitas corridas em zigue-zague para depois parar, olhar pros lados e pra trás novamente, e continuar contando os passos lentamente como se observasse o chão onde pisava. Fiquei absorto a observá-lo. Nunca tinha visto algo parecido. Estaria bêbado? Quando ele chegou perto, tentei desviar, mas um dos seus movimentos bruscos tornou inevitável a colisão. Caí, mas me levantei rapidamente, enquanto ouvia ele dizer: “Desculpe, desculpe, eu não queria, foi sem querer, me desculpe, por favor, foi um acidente, não imaginei...”. Desculpei-o, e já ia continuar o meu caminho quando ele fez questão de me convidar para entrar em um café. Concordei e ele se apresentou.
        
- Muito prazer. Medo.
      - Medo?
- Medo. Um nome como outro qualquer. Há nomes os mais diversos. Já encontrei pessoas que se chamam Poeira, Pedregulho, Areia...
- Claro. O meu nome é...
- Não diga! Prefiro não saber. Há tantos perigos.
- Perigos?
- Na palavra. Já ouviu falar da força da palavra? A palavra mata, dizem alguns ocultistas. Prefiro não acreditar, mas nunca se sabe. Sempre é bom andar prevenido.
- Toma um café comigo?
- Tomo! Ou melhor, gostaria de tomar, mas o senhor sabe do que é feito o café?
- Dos grãos do café.
- Isso é o que eles dizem. Sabe-se lá o que misturam. Não me arrisco.
- Mas um cafezinho não mata ninguém.
   - Não mata, mas pode adoecer. Não imediatamente, eu sei, e isso é o que é pior. Se desse para sentir os sintomas na hora, poderia ainda evitar a insidiosa doença. Prefiro só sentir o aroma e adivinhar o sabor.
    - Então beba um pouco d’água, coma alguma coisa.
     - No meio da tarde? Não me alimento fora de hora. E a minha comida eu mesmo faço. Mas aceito um pouco d’água. Bem pouquinho. É sem gás? Hoje em dia não se pode beber água que não seja engarrafada. E assim mesmo...
     - Não há razão para ter esse... como direi... receio das coisas. A vida é para ser vivida. Nem tudo é perfeito, e, por isso mesmo, devemos lutar contra o que está errado.
   - Lutar? O senhor falou lutar? Quer dizer insurgir-se?
     - É isso que quero dizer. Se o café, a água e outros produtos estão adulterados, denuncie! O pior é ficar se queixando, não acha?
       - Não acho. Desculpe-me se eu não acho o que o senhor acha – falou constrangido. - Gostaria de achar, sinceramente. Detesto discussões, conflitos. Mas insurreição é um pecado social! Não devemos, não se deve, é um erro. Está tudo tão organizado e perfeito. Uma que outra coisa, talvez, não esteja em acordo com essa perfeição: o café, a água, o ar. Pequenas coisas às quais devemos estar atentos e procurar maneiras de fugir desses perigos. Como eu faço. Insurreição jamais! O que seria da organização social se as pessoas resolvessem se insurgir? Um verdadeiro caos!
     - No entanto, a insurreição é um direito do cidadão quando ele se sente lesado pelo Estado. Mesmo que seja a última atitude a ser tomada, depois de todas as demandas judiciais, que todos sabemos protelatórias e geralmente tendenciosas, principalmente quando envolve o Estado; se ainda houver essa possibilidade deveremos utilizá-la. Já ouviu falar em desobediência civil? Foi graças a ela que a Índia se libertou da Inglaterra, na época de Gandhi. Um grande exemplo. E quando não funciona, então... Bom, em último caso, como eu disse, às armas! As revoluções movem o mundo.
- Movem para destruir o que foi organizado com tanto carinho. Cada um no seu lugar, sabendo o que deve fazer; o povo obedecendo aos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário -, eleições no devido tempo para que haja renovação dos nossos líderes a quem devemos nos submeter com paciência. Isso sim é democracia, e não a insurreição, a insurgência. E por algumas gotas de café, por água poluída!
- Eu falei em hipótese, caro Medo. É claro que não deve haver qualquer insurgência por causa do café ou da água, se estiverem adulterados. Queixar-se sim, procurar a Justiça. E se a Justiça não funcionar?
- A Justiça sempre funciona. Pode até demorar um pouco, são muitos processos, mas sempre tomará uma decisão justa. Por isso é chamada de Justiça. Devemos obedecer aos magistrados. São magistrados! Pessoas que podem tudo.
- E se essas pessoas que podem tudo usarem o seu poder injustamente?
- Jamais! Seria uma incongruência e isso é inadmissível. Como pode a Justiça ser injusta?
- Há momentos na vida de um povo, quando as injustiças se acumulam e a tal de Justiça nada faz em que é necessário...
- A resignação! Isso é que é necessário. Um povo resignado só tem a ganhar. Quando as coisas não vão bem – e nada é perfeito – o melhor a fazer é jogar suas esperanças na loteria, assistir televisão, crer na Vontade Divina, acreditar que no dia seguinte tudo vai melhorar; entrar no Facebook e ler aquelas mensagens de autoajuda, passear, ouvir o canto dos passarinhos e ver as flores desabrochando. A vida é bela!
- Talvez seja bela para um pequeno grupo, mas não para a grande maioria, que passa fome, carece de educação, saúde, moradia; não têm bem-estar, lazer, sequer esperanças.
- É por isso mesmo! Gente sem educação é mal-educada; a falta de saúde provoca neuroses, fazendo com que pensem que a culpa é do Estado. E esse modo distorcido de pensar leva essas pessoas a perder as esperanças, a não desfrutar da vida.
- Como pode desfrutar da vida quem nada tem? – indaguei.
- Quem nada tem não tem nada a perder – sentenciou. - Essa deve ser a verdadeira liberdade: viver ao ar livre sem preocupações, como crianças, deixando-se levar pelas mãos afáveis da verdadeira sociedade que a todos ampara de uma ou de outra maneira, muitas vezes sem precisar pagar impostos, dormindo um dia aqui, outro dia ali, como eternos turistas, apreciando a natureza, como diz aquela música sobre quem mora nos morros em barracões com teto esburacado onde a Lua filtra a sua luz...
- E os que não têm nem um barracão? Os sem teto, os sem terra? – perguntei.
- Não me fale nessa gente! Vivem protestando! Mas o que é isso, meu Deus, o que é isso! Aonde vamos parar? Querem terra, querem teto, querem isto, querem aquilo... E vivem invadindo as terras dos outros, os terrenos dos outros, dos legítimos cidadãos, daqueles que pagam imposto, pessoas responsáveis que produzem e ganham justamente o seu dinheiro, sem precisar pedir a ninguém e, de repente, se veem esbulhados por esses miseráveis.
- Esses miseráveis, como diz, é gente que passa todo o tipo de dificuldade e que o Estado ampara minimamente, ou não ampara, ao contrário do que reza a Constituição. Não estariam assim se esta fosse uma sociedade justa e igualitária.
- Igualitária! Como pode uma sociedade ser justa se for igualitária? A pirâmide social – e por isto é chamada de pirâmide – é necessária para que haja a verdadeira justiça. Embaixo o povo que trabalha – e até os que não trabalham – emprestando a sua força para as tarefas mais árduas; no centro, a classe média lutando pela vida, uns subindo, outros descendo; e lá no pico os mais preparados para exercer o papel de governantes. Existe sistema mais perfeito?
- Ou mais imperfeito – corrigi. Como pode ser perfeito um sistema onde um pequeno grupo é beneficiado em detrimento dos demais? Onde existe uma grande massa de pessoas desesperançadas e induzidas a acreditar que vivem numa democracia porque votam a cada dois anos em eleições geralmente corruptas que nada mudam? As sociedades somente evoluem através de mudanças sociais e, se necessário, de transformações mais drásticas, revoluções.
- Mudanças, transformações, revolução... Isso é um absurdo! Como diz o ditado: “Quando a carroça anda é que as melancias se ajeitam”. Deixemos a carroça andar. Talvez não estejamos percebendo, mas ela anda o necessário para ajeitar as melancias.
- Esse é um dos ditados para pessoas acomodadas – observei. Assim como aquele: “Deixa estar para ver como é que fica” ou “Devagar e sempre”. O que faz a maioria das pessoas acreditar que elas não precisam fazer nada, basta ficar esperando para as coisas melhorarem. E isso é uma falácia. As mudanças acontecem quando há consciência e vontade. E, com medo disso, o Estado procura eliminar essa vontade e evitar essa consciência.
- O Estado o Estado, o Estado! – esbravejou. - Porque não diz o Governo, ou os governos? Há governos e governos. Alguns procuram fazer com que a carroça ande rápido demais, e isso provoca solavancos, o que não é nada bom para a paz social, e o que necessitamos é de paz e não de mudanças abruptas. Já temos tantos problemas, como a violência. Essa gente nas ruas protestando, nos obrigando a viver entre grades e com guarda-costas. O que precisamos é de um governo forte, que imponha a paz através das armas.
- Não é uma contradição impor a paz através da violência?
- Uma ditadura militar... Nada como uma ditadura militar! Quando o povo começa a por as asinhas de fora só uma mão forte para refrear os excessos.
- Isso seria um retrocesso e não um avanço social – protestei. – Seria o máximo de reacionarismo.
Mas ele não me ouvia e continuava a falar.
- Há os que me chamam de reacionário, mas esta é uma palavra antiga, em desuso, que nada mais significa. Se o povo quer melhorias deve confiar em seus governantes e eleger um Presidente que faça essas melhorias, mas sem badernas, sem invasões de terra, sem protestos! O povo deve obedecer aos seus governantes. Obedecer e nada mais que obedecer.
- Mas isso é fascismo!
- Outra palavra em desuso.
- Não é a palavra, mas o que ela significa: opressão, alienação, despotismo.
- Palavras, nada mais que palavras...
- Percebo que já não teme as palavras – constatei.
- Depende. Algumas eu glorifico, outras eu detesto. Devemos ser seletivos, cautelosos. Agora eu devo ir. São horas. Preciso estar em casa para preparar meu jantar, assistir à novela, ao jornal...
- Não gosta de ler?
- Às vezes. Há coisas estranhas nos livros.
- Palavras?
- Pensamentos. Pensamentos perturbadores. Procuro evitá-los.

Cumprimentou, levantou-se e saiu. Fiquei olhando. Caminhava devagar, observando o chão que pisava. Por vezes, dava pequenas corridas, como se fugisse de baratas.
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