terça-feira, 31 de maio de 2011

AS MARCHAS BRASILEIRAS PELA LIBERDADE DE...



Muito comentadas as marchas pela liberdade em São Paulo. A primeira, que reuniu cerca de 1.500 pessoas, foi explicitamente apelidada de “Marcha Pela Maconha”. Houve confronto com a polícia, pessoas ficaram feridas, outras foram presas e tudo acabou em pizza, ou em maconha. 

     A segunda teve o belo nome de “Marcha Pela Liberdade”. Houve um acordo com a polícia: ninguém bateria em ninguém, ninguém falaria em maconha, embora todos soubessem que era uma marcha pela liberdade de fumar maconha. E mais algumas pequenas reivindicações, como diminuir o preço das passagens de ônibus.

     Enquanto isto, na Europa, principalmente Espanha, Grécia e Portugal, França e Irlanda – por enquanto - o povo sai às ruas por melhores condições de vida. Contra o desemprego, corrupção e desigualdade. Na Espanha, pede-se uma Democracia Real e não uma estéril democracia do voto. Milhares de pessoas estão acampadas na Praça do Sol, em Madri, gritando “Agora ou Nunca!”. E em Saragoza, Sevilha e outras principais cidades espanholas.

     São os “Indignados”. Não aceitam que a União Européia, o FMI, o Clube Bilderberg, os maçons, os partidos políticos oficiais, toda aquela corja que pensa ser o dono do mundo faça dos espanhóis o que bem entender.

     Os “Indignados” estão indignados. O governo não sabe mais o que fazer porque o povo está nas ruas e não aceita o sistema que lhe foi imposto. O movimento já é chamado de “Revolução Espanhola” e os manifestantes apelidaram a Puerta do Sol de “Praça Tahir”, em alusão à praça egípcia, no Cairo, onde milhares de pessoas se reuniram para pedir maior representatividade política e reforma políticas contra o desemprego. Mais de 20% dos espanhóis estão desempregados e o arrocho salarial está aumentando mês a mês.

     No Brasil, terra da corrupção desenfreada, onde os corruptos são apontados na rua como pessoas corajosas que conseguiram desafiar o sistema com os seus próprios sistemas de corrupção, cinco mil pessoas saem às ruas para pedir a liberdade de fumar maconha.

     O Brasil tem a segunda maior população de desempregados do mundo, com 11,454 milhões de pessoas, ficando atrás apenas da Índia, que tem 41,344 milhões, segundo revela o estudo Globalização e Desemprego. O Brasil fica à frente de países como Rússia (7,395 milhões), China (5,950 milhões) e Indonésia (5,872 milhões). Estados Unidos (5,655 milhões), Alemanha (3,685 milhões) e Japão (com 3,2 milhões) fecham o grupo das oito maiores populações de desempregados do mundo.

     Em Portugal, anuncia-se a revolta. E não só em Portugal. Na França, Polônia e Grécia. Por enquanto. A onda de revolta dos jovens espanhóis contra a política econômica espalhou-se pela Europa, reunindo cerca de 20 mil pessoas no continente. Houve manifestações nos mesmos moldes dos "Indignados" de Barcelona na Grécia, na França, na Polônia e em Portugal. Os jovens protestam contra o desemprego, a corrupção e a falta de democracia.

     Em Paris, eles concentraram-se na praça da Bastilha, e foram retirados pela polícia no fim da tarde, sem violência.

     A desocupação da praça em Barcelona, na sexta-feira passada, teve confrontos com a polícia que deixaram cerca de 120 feridos. Em Lisboa, mesmo sob forte chuva, os manifestantes portugueses se concentraram na praça do Rossio, onde o acampamento começou, na sexta-feira passada. Em Varsóvia, a maioria dos participantes eram jovens espanhóis que estudam na Polônia.

     Parece que o tiro saiu pela culatra. Os “bildelbergers”, o G-8, Obama - o heróico matador de Osama -, a hilária Hillary Clinton e até a rainha Elisabeth II, que estavam contando dominar inteiramente o norte da África e derrubar o governo Sírio, no Oriente Médio, para que Israel abocanhe mais uma fatia de território fronteiriço e finja fazer as pazes com os palestinos; o ridículo Sarcozy, o corrupto Berlusconi e todos aqueles que querem implantar a democracia deles através de bombas de uma tonelada nos países islâmicos estão percebendo que a sua própria e falida Europa está em convulsão social e não sabem o que fazer.

     Aqui ninguém se revolta. O pessoal quer é fumar maconha. E outras drogas - as que são fumadas, as que são cheiradas, as que são injetadas. Fazem marchas para a liberação da maconha e consideram isso a coisa mais importante do mundo. A juventude brasileira demonstra estar anos-luz atrás da juventude dos demais países em termos de conscientização - até, e principalmente, dos países latino-americanos - mas acredita que a liberação da maconha resolve esse problema.

     De vez em quando, para não ficar muito feio, surge uma ou outra manifestação de apoio aos espanhóis, portugueses, irlandeses, franceses, gregos... Mais por desencargo de consciência, mas manifestações tão alienadas como aqueles que fazem marchas apenas pela liberação da maconha, porque os que apóiam os europeus fazem-no como se aqui no Brasil estivesse tudo muito bem.

     Como se não tivéssemos problemas com desemprego, saúde, educação, arrocho salarial, desigualdades raciais e sociais, concentração de renda, mortalidade infantil, violência, tráfico de drogas, prostituição, trabalho infantil, saneamento básico, condições de trabalho e, o mais à vista, corrupção.

     E também alienação. Marcha pela maconha? Por que não marcha pela moradia, pela distribuição de renda, contra o desmatamento, a entrega da Amazônia, contra hidrelétricas como Belo Monte, a favor da reforma agrária, contra a falsa democracia, contra os assassinatos em série de ambientalistas, contra o Código Florestal que entrega o Brasil ao latifúndio, contra o deserto verde provocado pela monocultura e pelos transgênicos, contra a demagogia descarada do governo, contra a pobreza e a miséria?

     Não. Essas coisas não. Os jovens brasileiros são muito ordeiros e respeitadores do sistema. Suas marchas, quando marcham, é por coisas inócuas como a liberação da maconha ou orgulho gay.

     Inócuas, porque a maconha já está liberada no Brasil há muito tempo. E o orgulho gay nunca esteve tão orgulhoso de si mesmo. Então, para que marcham, se as suas marchas nada significam?

     Talvez eu esteja enganado e eles não sejam tão alienados assim e a tentativa para liberar a maconha seja uma maneira de acabar com o tráfico da erva. Somente o governo seria o grande traficante, vendendo nas farmácias populares, a preços módicos, para os usuários. Quem sabe... Vender maconha seria um grande negócio para o governo.

     Talvez. Mas, além disso, o que eles entendem por liberdade? A Liberdade seria a liberdade de... fumar maconha? Só isso?

     Enquanto isto, na Europa e no resto do mundo onde as pessoas são mais corajosas, o povo sai às ruas por melhores condições de vida... Ah! Já sei! Os jovens que fazem essas marchas pela liberdade individual deles, pela sua liberdade sensorial, não se consideram povo. Para eles, “povo” é outra coisa, à qual eles não pertencem.

     E o Brasil? Tanto faz, desde que eles tenham a sua maconha...

sexta-feira, 27 de maio de 2011

ELES PALOCCI E NÓIS PALÉCI PALHACI


Nada como um título que lembre a novilíngua que o MEC está tentando introduzir nas escolas. Em seu livro “1984”, George Orwell previa um Estado ditatorial impondo inclusive uma nova língua ao povo - a novilíngua – caracterizada não por novas palavras mas pela "condensação" e "remoção" delas ou de alguns de seus sentidos, com o objetivo de restringir o escopo do pensamento. Quem não raciocina, não fala. Ou somente fala o necessário, em acordo com o seu parco raciocínio. A tentativa de “blindagem” que o governo está fazendo em torno do Palocci lembra muito a novilíngua na prática: se nada for dito o caso não existirá e as pessoas esquecerão.

     O ministro Antônio Palocci (Casa Civil) já estava nomeado para chefiar o chamado governo de transição, após a eleição presidencial, inclusive recebendo salários de R$ 11.179,00, quando sua empresa Projeto faturou R$ 10 milhões, nos últimos dois meses de 2010. A nomeação dos integrantes da equipe de transição foi publicada no Diário Oficial da União. A equipe recebeu verba de R$ 2,8 milhões, prevista em lei.

     Com dados obtidos no sistema que registra os pagamentos feitos pelo governo federal, o PSDB apontou uma triangulação entre a liberação de recursos da Receita Federal para a empresa WTorre, para a qual o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, prestou consultoria, e a doação de campanha para a então candidata Dilma Rousseff. O partido levanta essa suspeita com base nas datas de pagamento. A oposição recorreu ao Ministério Público na semana passada pedindo investigação de suposta prática de crime do ministro com base no crescimento de seu patrimônio pessoal e apuração de suposto tráfico de influência.

     A WTorre protocolou, em 2009, um pedido de restituição de crédito de R$ 6.259.531, referente ao Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) de 2007. O processo ficou parado até véspera das eleições do ano passado, quando a empresa protocolou novo pedido de crédito, no valor de R$ 2.920.770, referente ao IRPJ de 2008. No mesmo dia em que a WTorre entrou com o segundo pedido, dia 24 de agosto de 2010, a empresa fez uma doação de R$ 1 milhão ao comitê financeiro nacional do PT para Presidente da República. O mesmo valor de doação foi repetido 17 dias depois, em 10 de setembro.

     Notícia na Internet:

     Governo prepara-se para "guerra política" no caso Palocci

     (Por Jeferson Ribeiro. Reuters – seg, 23 de mai de 2011.)

     "BRASÍLIA (Reuters) - O governo está convencido que não pode dar margem a novos ataques contra o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, e considera que a oposição partiu para "uma guerra política" contra o governo da presidente Dilma Rousseff, segundo o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho.

     "Na avaliação do ministro, a presidente estava ciente de que em algum momento a oposição "trabalharia para desestabilizar o governo". Palocci, ministro mais influente no governo Dilma, virou o principal alvo depois de publicação de reportagens sobre seu aumento patrimonial por meio de sua empresa, a consultoria Projeto.

     "O ministro Gilberto Carvalho admitiu que as denúncias publicadas na imprensa sobre o enriquecimento de Palocci e a atuação de sua consultoria "atrapalham o andamento do governo" (...)

     Algumas reações:

     • Silvio :

     "Palloci é quem deveria ser o Presidente do Brasil. Ô homem inteligente, em tão pouco tempo multiplicou por 20 seu patrimônio! O que não faria pelo Brasil?!?! O mais incrivel é que isso não abala o povão, que ainda acredita nesse governo. Num governo que desde o começo governou para os seus correligionarios e amigos. Ao povo plantou a semente do orgulho em ser miserável e em troca deu auxilio isso, auxilio aquilo e o camarada que nunca teve um carro agora pode comprar um popular em 60 vezes. Povo bom é povo manipulado e nisso o Brasileiro se mostrou expert, guardando-se as devidas proporções é claro. E toda essa farra é com o seu e o meu Dinheiro!!!"

     • Elismar:

     "Que cara inteligente! Multiplica tanto em tão pouco tempo. Deve ser até professor do Eike Batista, Ermirio de Morais, etc. E ainda tem gente que defende. Se eu não devesse nada e me acusassem, entregaria até o extrato bancário. Enxerga Brasil."

     E mais de 400 comentários no mesmo estilo.

     Outra notícia:

     “Líderes partidários participaram de café com Lula na casa de José Sarney. ‘Se depender de nós, Palocci não será convocado e nem haverá CPI’, disse. (Lula)”

     Agora o Lula toma café da manhã com o Sarney. Junto estava Romero Jucá, acusado de envolvimento com o mensalão e quer prorrogar o prazo para que os latifundiários que desmataram tenham a sua multa perdoada.

     “Além de Jucá e Sarney, participaram da conversa com Lula o vice-presidente da República, Michel Temer, e os líderes Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), Gim Argelo (PTB-DF), Renan Calheiros (PMDB-AL), Francisco Dornelles (PP-RJ), Humberto Costa (PT-PE), Acir Gurgacz (PDT-RO), Magno Malta (PR-ES) e Marcelo Crivella (PRB-RJ).”

     Olhem só a turma. Só faltou o Maluf. Mas o Maluf já tinha se pronunciado a respeito do Palocci. Parece que são muito amigos:

     “Deputado, que chegou a ser preso em 2005 sob acusação de lavagem de dinheiro, diz confiar 'plenamente' em Palocci”.

     "(...)Pessoalmente, confio plenamente na integridade do ministro Palocci", disse ao chegar para a convenção estadual de seu partido, ontem em São Paulo. A opinião foi compartilhada pelo presidente nacional da legenda, senador Francisco Dornelles (RJ), que o acompanhava. (...)” (Matéria de Suzana Inhesta - O Estado de S.Paulo).

     Falta alguém entre os defensores da corruptalha? Talvez o próprio Palocci.

     Enquanto isso, os deputados, inclusive o Tiririca, aprovaram o novo Código Florestal, que só favorece o desmatamento e o latifúndio. Agora é a vez do Senado fazer o mesmo, porque as pessoas não só se corrompem e corrompem os demais como corrompem a terra onde pisam. Este é o Brasil da politicagem acelerada.

     Até os que não pareciam corruptos mostram a sua cara incorruptível. O Ministério da Cultura – agora defendido por todos aqueles sérios intelectuais – tem em Ana de Hollanda um triste exemplo para o que se pode fazer sob o favor da lei. A lei Rouanet deu 1,3 milhão para a Maria Bethânia fazer um blog, sendo que 600 mil somente para a cantora. Mas não foi só a Bethânia.

     A mesma lei Rouanet, ou talvez outra lei – mas tudo dentro da legalidade, porque corrupção é uma coisa legal no Brasil – favoreceu a sobrinha da ministra, a cantora Bebel Gilberto – filha de Miúcha e de Gilberto Gil - com 1,9 milhão para uma turnê e gravação de um DVD. Um dos primeiros atos, senão o primeiro, da ministra irmã do Chico Buarque. Chico Buarque que lutava tanto contra a ditadura, mas jogava futebol com ditadores - por uma questão de mera diplomacia.

     A mesma ministra da Cultura - irmã do Chico Buarque e da Miúcha e tia da Bebel Gilberto - que recebeu diárias para passar fins de semana no Rio de Janeiro, onde tem residência fixa e está sendo cobrada pela Controladoria Geral da União. E a ministra diz que tudo isso são “turbulências forjadas”. Ou influência do meio.

     Turbulências. O amor é turbulento, a vida é turbulenta, mas quando se mexe com o dinheiro do povo a coisa fica mais turbulenta ainda. Ou quando se mexe com a vida do povo. E estão mexendo com a vida dos povos indígenas. Em todo o Brasil, mas no Pará está ficando cada vez mais triste.

     De jeito nenhum o governo vai deixar de construir Belo Monte, porque isso se constituiu em uma questão de honra para a Dilma e os seus ministros e ministras. Não se trata mais de ecologia, meio ambiente, devastação da flora e da fauna ou porque o povo daquela região, e principalmente os indígenas, está sendo tripudiado em seus direitos. Não. Para o governo Dilma, essas questões são secundárias. Muito secundárias. O que importa é que foi ela que decidiu fazer Belo Monte quando ainda era ministra e mesmo que tenha que brigar com todo o povo brasileiro, fará Belo Monte. Ditadura civil é assim. Os índios tem o direito de gritar, mas não o de serem ouvidos.

     Assim como o resto do povo brasileiro. Este é um país que tem donos: políticos, latifundiários, empresários. O resto é só massa votante.

     E o Palocci. Que coisa mais feia! Todo o PT e todos os aliados do PT blindando o Palocci para que não haja uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre os astronômicos ganhos do ilustre ministro. Nada se pode falar, nada se pode descobrir, nada se pode anunciar. O povo nada deve saber e, se souber, deve esquecer rapidamente. E se não esquecer, blinda-se a memória e a boca do povo aumentando-se a mesada para que pense que ele ganha mais nóis também – como diria o Lula.

     Dizem os especialistas que o pior criminoso não é o assassino, mas o ladrão. Exceto em casos patológicos, o assassino age impensadamente, ou com premeditação, mas sob forte tensão mental. Já o ladrão, rouba uma vez, rouba duas, rouba três e vai acostumando de tal maneira que depois não para mais de roubar. Vira um vício.

     Principalmente no Brasil, onde todos os vícios são favorecidos. A polícia corre atrás, mas apenas corre atrás. Nunca corre na frente.

     E o Kit contra a homofobia, ou Kit gay?

     Depois de muitas pressões, a Dilma proibiu que se ensine homossexualismo nas escolas, mas o ministro da Educação, Fernando Haddad insiste em divulgar o tal kit nas escolas e diz que ele pode ser ‘melhorado’. Algumas reações populares a respeito:

     • Gutha:

     "O MEC precisa antes de tudo saber o que é homofobia. Homofobia é aversão violenta a um indivíduo homossexual, vamos então por partes. Deveriam criar um "kit heterofobia" pois dias atrás eu e minha escposa caminhávamos em um parque na nossa cidade e em nossa frente haviam três adolescentes homossexuais, e eles falavam e cantavam coisas absurdas em voz alta que constrangiam as pessoas ao redor; como eles exigem respeito se não respeitam os heterosexuais??? e os evangélicos? são alvos de piadinhas o tempo todo..cade o "kit evangélico"? Para de hipocirsia ede forçar uma situação em que somos obrigados a aceitar sem ao menos poder protestar e exgir que a família seja respeitada no nosso país."

     • Joao Erinaldo:

     "Eu acho que agora sai kits para ensinar como atender os idosos no serviço publico, como melhorar a merenda escolar, como diminuir as filas nos postos de saude pública, como reformar escolas públicas, distribuir medicamentos para os pobres...tô esperando será que veremos?"

     • Marcelo:

     "Porque não criar o KIT CIDADANIA. Ensinar aos alunos que não pode votar em político corrupto, que devemos reclamar pelos nossos direitos e que merecemos um Brasil melhor. Será que eles teriam coragem para isso?"

     Por falar em homossexualismo, um soldado alega que foi estuprado por outros quatro soldados na cidade de Santa Maria, RS. O Exército ainda não se pronunciou a respeito, mas a família do rapaz pretende acionar a União. Santa Maria é a terra do Ministro da Defesa, Nelson Jobim. Será que ele também não vai se pronunciar a respeito?

     E, caso se pronuncie, deverá aproveitar a ocasião para falar a respeito daqueles seis soldados que usaram uma versão do Hino Nacional para dançar funk. Gravaram a sua grotesca dança e lançaram na Internet. O Exército diz que vai fazer uma investigação a respeito e em quarenta dias dará o seu veredito. Em quarenta dias. Nos dois casos. No do estupro do soldado na terra do Jobim e na dança dos soldados em Dom Pedrito.

     Em quarenta dias todos terão esquecido.

     Em quarenta dias teremos esquecido o último caso do Palocci? Teremos esquecido o dinheiro que a ministra da Cultura dá para os amigos e parentes, legalmente? Teremos esquecido a tentativa do MEC de liquidar com a língua portuguesa? Em quarenta dias a lei pró-homossexualismo terá passado no Senado e todos os que forem contra estarão fora da lei? Em quarenta dias o Senado terá aprovado a lei que aumenta a devastação das florestas brasileiras em favor do latifúndio? Como estará Belo Monte em quarenta dias? E o soldado que alega que foi estuprado no quartel? E os seis soldados que dançaram funk ao som do Hino Nacional?

     Só uma certeza: em quarenta dias o povo brasileiro continuará sendo considerado palhaço.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

PRISMAS E APARÊNCIAS


Com florzinhas nas lapelas, os senadores saíram da sua casa oficial. Foram recebidos por centenas de estranhas pessoas que não paravam de se beijar. Havia homens que pareciam mulheres e mulheres que pareciam homens. Todos pareciam ser alguma coisa que não eram, mas que desejariam ser. Pareciam manequins. E não paravam de se beijar. Os lábios já estavam roxos, mas não de frio.

     Os senadores e senadoras foram cercados e ovacionados com gritos histéricos dos homens que pareciam mulheres e com urros atordoantes das mulheres que pareciam homens. Os lábios dos seres, aos poucos, voltaram às cores normais, mas somente o tempo suficiente para gritarem histericamente e urrarem grotescamente quando da saída dos senadores.     Do outro lado da calçada, mas cercados por um cordão de isolamento e por policiais que pareciam ser policiais – alguns pareciam homens de verdade, outros pareciam mulheres de verdade – centenas de pessoas que pareciam pessoas de verdade e não manequins, gritavam com vozes que pareciam vozes humanas, palavras de ordem que variavam entre “Vendidos!” e “Vendidas!”. Porque os senadores eram, supostamente, dos dois primeiros sexos que formaram a raça humana.

     Supostamente. Ouvia-se buzinaços nas ruas, mas ninguém sabia se eram de vaia ou de ovação. Tudo se confundia, conforme o planejado. Súbito, alguns senadores dos que pareciam homens foram cercados pelos homens que pareciam mulheres e algumas das senadoras que pareciam mulheres foram cercadas pelas mulheres que pareciam homens e, apesar dos seus protestos iniciais, também foram beijados e beijadas, ou beijadas e beijados, fogosamente. Beijos que correspondiam a votos e, aos poucos, os escolhidos deixaram-se beijar e abraçar e acariciar e...

     Do outro lado, na outra calçada, supostos homens policiais e supostas mulheres policiais começavam a preparar as bombas de gás lacrimogêneo e as balas de borracha contra a multidão que ameaçava avançar. Os buzinaços aumentavam. Parecia até que o Brasil inteiro acordava, embora houvesse futebol em todos os estádios. A multidão revezava-se entre rezas em altos brados e gritos de fúria. Os senadores que não tinham sido seqüestrados aos beijos pelos estranhos e alegres seres humanos que pareciam, fingiam que nada estava acontecendo, com aquelas caras de sonsos que os caracterizam e tentavam sair rapidamente de entre os seus acariciadores eleitores. Seus seguranças, que supostamente era homens, chamavam helicópteros para resgatá-los - mesmo os(as) que estavam nus ou nuas e assediados ou assediadas de todos os lados por beijos e sexos e coisas e tais.

     Supostos homens e supostas mulheres jornalistas tudo filmavam e reportavam à sua maneira ou conforme o roteiro especificado ou de acordo com as suas preferências sexuais, mas sempre havia um(uma) âncora que repetia para não esquecerem o politicamente correto. E tudo era filmado, exceto as cenas burlescas de repto e de rapto e os senadores eram descritos como heróis que a pátria aclama e ama por terem aprovado uma lei que protegia e aspergia uma classe especial de pessoas sensuais, sensoriais, sensíveis e sensitivas, que agora estavam acima dos demais seres que não eram tão sensuais ou tão sensíveis assim, ou o eram à sua maneira que, de agora em diante, deveria ser considerada errada.

     A multidão do outro lado da rua urrava. Os seres que pareciam gargalhavam, ou pareciam gargalhar. Súbito, o cordão de isolamento foi rompido. Pedras, balas e bombas foram jogadas, de ambos os lados – e ambos os lados não eram ambos, porque existiam diversos lados – e já se trocavam os primeiros socos e empurrões e palavras não escritas na Bíblia eram proferidas aos gritos e raivosamente e mulheres que pareciam homens, fortes e destemidas, formaram a linha de frente dos Mais Sensíveis. Junto a elas ou eles, homens vestidos de mulheres, mas sensivelmente musculosos, começaram a esbordoar os que brandiam bíblias – em legítima defesa ou em fero ataque – e repeliram a agressão dos que estavam na frente da multidão urrante e foram ouvidos gritos de “Cuidado com a Gaystapo!” e muitos foram feridos e posteriormente presos pelos policiais que pareciam realmente ser policiais, embora surgissem dúvidas, e a voz de prisão para todos e cada um dos que formavam a multidão que era Contra Os Mais Sensíveis era dada por dez seres que pareciam seres alados, vestidos com coloridas togas que pareciam asas e muito foi o gemer e o chorar.

     O Brasil estremecia sexualmente. Orgasmos múltiplos aconteciam a todo instante nos mais diversos recantos deste país continente. Mesmo os que estavam nos estádios e torciam pelos seus coloridos times de futebol, ao saberem da notícia dividiram-se e começaram a brigar enquanto os jogadores faziam a dança do trenzinho. Templos eram fechados por ordem dos cumpridores da Nova Lei da Sensibilidade e os fiéis recolhiam-se aos esgotos e cloacas públicas, que acreditavam catacumbas. Os que não conseguiam se esconder a tempo eram obrigados a prestar o Juramento Sensível e a provar a sua sensibilidade no ato.

     Coloridos do Brasil inteiro se uniam em passeatas magníficas, ao lado dos deputados que por eles tudo faziam e dos senadores que tentavam esconder a sua senilidade com gestos sensíveis. O Exército estava nas ruas para prevenir novos ataques dos que eram Contra os Mais Sensíveis. A Esquadrilha da Fumaça fazia revoluteios no ar. Navios coloridos da Marinha ostentavam bandeirolas e lançavam vistosos fogos de artifício que podiam ser vistos nas alegres praias do país. A Nova Lei da Sensibilidade era pregada em majestosos Templos Sensoriais para multidões embevecidas com a sua nova liberdade dos cinco sentidos.

     Faziam-se festas e um Carnaval fora de época era anunciado. Tudo parecia muito alegre. Tudo se confundia, conforme o planejado. E a confusão tornava todos confusamente felizes.

     Depois de algum tempo – talvez meses, talvez anos – quando os fulgores da alegria geral já não eram tão fulgurantes e a alegria geral não parecia geral, e quando os assustados moradores dos esgotos que apelidaram de catacumbas, animaram-se a sair, aos poucos, e não foram agredidos imediatamente, mas apenas olhados com alguma animosidade, formaram-se, em nome da Democracia das Cores, pequenos grupos de obsoletos heteros, que somente foram aceitos porque podiam proliferar e o Estado necessitava de novos atores e novos soldados. E desses grupos surgiu um movimento que foi denominado Movimento da Proliferação, ao qual foi dado o direito de manifestar-se publicamente e, inclusive, fazer passeatas que reivindicavam direitos iguais aos Coloridos. 

     Os políticos, que continuavam políticos, apesar de Coloridos e dividindo-se no Congresso apenas pelas diversas cores e matizes, perceberam que surgia uma nova força social que proliferaria e traria votos. Logo, os Prolíficos começaram a queixar-se de agressões e até assassinatos, de perseguições pelos Coloridos Ortodoxos e os políticos, aos poucos, foram acolhendo as suas reivindicações.

     Chegou o dia em que uma nova lei seria votada no Senado, depois de ter sido aprovada pela Câmara, que daria aos Prolíficos os mesmos direitos que os Coloridos, e até alguns a mais. Uma lei que defenderia os Prolíficos do que eles chamavam de crescente heterofobia no país. Os Coloridos Ortodoxos reagiram e manifestaram-se contra aquela nova lei.

     No dia da votação, os Coloridos Ortodoxos colocaram-se na calçada oposta à do Senado, enquanto os senadores votavam. Mal perceberam quando foram cercados por um cordão de isolamento e por policiais que pareciam Prolíficos de farda, que começavam a preparar as bombas de gás lacrimogêneo e as balas de borracha. Ouvia-se buzinaços nas ruas.

domingo, 22 de maio de 2011

A CORRUPÇÃO TAMBÉM NA LÍNGUA



Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!


(Olavo Bilac)


Quando erramos, erramos. Ou não erramos? Há quem pense que uma república, por ser coisa do povo – res publica – no ensino da sua língua deve acompanhar a pobreza mental de quem não sabe ler, escrever e falar. O raciocínio parece ser o seguinte: se a maioria do povo não sabe falar (muito menos ler e escrever) o português correto, adote-se o não falar corretamente, o não escrever corretamente como sendo o correto, porque a maioria deve mandar no país, uma vez que a República deve pertencer ao povo.

     E assim pensando, os professores do MEC, do alto das suas altas graduações de pós-pós-doutorado, patrocinaram a edição de um livro didático que ensina que o errado também poderá ser certo, desde que você saiba falar (e talvez escrever) apenas o errado. A idéia é dizer ao povo, em sua grande maioria, que ele manda, mesmo que não saiba pensar, raciocinar e articular uma frase em português correto. Porque o correto poderá estar errado e o errado poderá estar certo, desde que o povo assim decida.

     O volume Por Uma Vida Melhor, da coleção Viver, Aprender, mostra ao aluno que não há necessidade de se seguir a norma culta para a regra da concordância. Os autores usam a frase “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” para exemplificar que, na variedade popular, só “o fato de haver a palavra os (plural) já indica que se trata de mais de um livro”. Em outro exemplo, os autores mostram que não há nenhum problema em se falar “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”. Segundo os autores, o estudante pode correr o risco “de ser vítima de preconceito linguístico” caso não use a norma culta. O livro da editora Global foi aprovado pelo MEC por meio do Programa Nacional do Livro Didático.

     Mais um ato de demagogia tipicamente petista. É mais fácil concordar com o que está errado do que ensinar o que é certo. E assim teremos uma segunda língua, alternativa aos analfabetos funcionais, que lembrará o português. E ficará tudo mais fácil para todos. Para que ensinar concordância, regência, análise sintática, que é tão difícil até para os professores? Morfologia...Sintaxe... E os verbos... São tão infinitivos que a sua tendência será desaparecer no infinito. É muito difícil aprender português. Então, para que aprender?

     Convenhamos, a linguagem vem em primeiro lugar, depois é que a língua é formada. Você pode se comunicar através de gestos, olhares, sons guturais e, desde que consiga fazer-se entender dentro do seu grupo social através de uma linguagem primitiva que facilitará essa comunicação... estamos conversados. Daí, para entender a língua conseqüente a essa linguagem e outras complicações ortográficas e gramaticais, deixemos isso para os idiotas que gostam de ler e de escrever. Vamos falar brucutu, inventar o nosso patoá. É mais fácil.

     É mais fácil, também, corromper e ser corrompido e estamos no Brasil onde quem não é corrupto é considerado bobo. Então, vamos corromper também a língua, para que fique bem entendido que a corrupção faz parte da nossa linguagem e entendimento enquanto brasileiros.

     Temos ótimos exemplos de corrupção também no modo de falar dos nossos presidentes. Lula não sabe falar e quando diz alguma coisa, como, por exemplo: “cumpanheiros, nóis tamu aquipra verquenhé qui póde mais!”, é perfeitamente entendido e ovacionado delirantemente pelos seus iguais. É uma língua própria, que está pegando e agora está sendo gramaticalizada, tamanho o exemplo do nosso ex-presidente. E a nossa presidente, que prefere ser chamada de ‘presidenta’, tem o seu próprio linguajar, que alguns apelidaram de “dilmês” – tão graciosa é a maneira como se expressa. Graciosa e ininteligível, muitas vezes, mas graciosa. E o exemplo sempre vem de cima.

     Mesmo que o que venha de cima seja um cacho de bananas na nossa cabeça, indicado pelos especialistas em cachos de bananas para parar o raciocínio supérfluo. Além disso, banana é rica em potássio e fibras. E precisamos de fibra para agüentar este demagógico e corrupto Brasil.

     Tão demagógico que de tanto falar em Paulo Freire, autor de “A Pedagogia do Oprimido”, o PT fez exatamente o contrário: ensina aos oprimidos que a opressão faz bem. E diz a eles que podem optar por continuar como oprimidos até na língua, se assim desejarem. Para não correrem o risco de preconceito lingüístico, poderão criar a sua própria língua – baseada na gíria e na preguiça mental. E, teoricamente, falando e escrevendo como quiserem, os oprimidos se sentirão livres de qualquer preconceito lingüístico. E colocarão a si mesmos em um guetto mental e cultural. 

     Mas como os oprimidos não sabem que são oprimidos, porque a pedagogia da ditadura civil continua a ser a mesma pedagogia da opressão da ditadura militar, e não a pedagogia proposta por Paulo Freire, acreditarão que falar e escrever de qualquer jeito é uma forma de liberdade. Só não sabem, e continuarão a não saber, que, na verdade, é mais uma maneira de opressão e de discriminação. Já não basta ser pobre e excluído; é necessário que fale e escreva errado, com o aval e os sorrisos do governo. Ghetto cultural.

     Na verdade, não importa ao Governo educar corretamente os jovens e adultos. Importa que passem de ano de qualquer maneira e corram para o mercado de trabalho, ostentando o seu diploma. Quanto mais pessoas procurando emprego, menor será o salário, devido à grande concorrência por vagas. É a lei da oferta e da procura também para o trabalhador.

     Ás vezes, quando assisto a um programa sobre a realidade dos países latino-americanos fico surpreso com a facilidade e riqueza de vocabulário com que os irmãos à nossa volta falam o espanhol, com pequenas diferenças de país para país, que não chegam a se configurar em dialetos, mas diferenças como o nosso português do Brasil em relação ao português de Portugal, Angola, Moçambique, etc. E as pessoas entrevistadas são simples, às vezes muito pobres, mas cultuam a sua língua como quem cuida de um filho, porque falar bem a própria língua – embora o atual Ministério de Educação e Cultura pense o contrário – é uma questão de cultura.

     E não percebo que usem gíria. Não tanto como nós. Eles gostam de falar espanhol, de se expressar em espanhol. Não tratam a sua língua como um estorvo, exatamente como nós, ou conforme as últimas orientações do MEC. Mas aqui é uma questão de corrupção até na língua.

     Também gosto de ler os livros em português de Portugal, como os romances de Saramago, que tão suave e agradavelmente sabia se expressar, e percebo o quanto perdemos não só em vocabulário como em amor à nossa própria língua e que a nossa distância de Portugal não é somente física.

     Porque um povo que não ama a própria língua não pode amar a si próprio. 

     À medida que esse desamor aumenta, diminui a sua auto-estima, diminui-se ante si mesmo. E passa a falar e a escrever atravessado, como nas mensagens da Internet, e a desfazer-se do seu orgulho e a sentir-se pequeno, muito pequeno e a adotar outras línguas, como o inglês, por entender, em sua sublime ignorância, que falar corretamente o português é errado. E o errado passa a ser o certo e a identidade nacional dilui-se.

     Talvez seja este o objetivo final deste governo que vai para dez anos: acabar com o que resta de orgulho pátrio. Porque pessoas sem qualquer orgulho, sem referências que não sejam as chuteiras e os cabelos dos jogadores de futebol, são mais fáceis de manipular.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

MILITARES


Desde que o mundo é mundo existem militares, ou pessoas com instintos guerreiros e belicosos. Talvez Caim tenha sido o primeiro militar sem farda, mas há dúvidas, porque ele foi castigado por Deus quando matou o seu irmão Abel e os militares não são castigados quando matam. Geralmente não primam pela inteligência, mas pela capacidade física. No início eram apenas pessoas fortes usadas pelos países para defender-se de outros países que também tinham pessoas fortes e agressivas. Aos poucos, ao perceberam a sua imensa força, foram se organizando e passaram a fabricar o que entendemos por História.

     A História é a história dos feitos militares. Ao estudarmos a História encontramos grandes guerreiros e conquistadores; jamais a história dos soldados que os transformaram em grandes guerreiros e conquistadores. Porque a história de cada grande vitória militar é encomendada pelos vencedores e nessa história não entra o povo fardado que lutou e morreu ou sobreviveu a cada batalha, mas somente as estratégias empregadas pelos generais.

     Por isso, a História oficial se torna extremamente suspeita, e por mais que os repetidores das grandes empresas de comunicação insistam que determinadas coisas aconteceram em determinadas épocas, procurando transformá-las em fatos históricos, se essas determinadas coisas se relacionarem com guerras já acontecidas e se os repetidores dessas empresas jornalísticas estiverem ligados àqueles que venceram as guerras... desconfie.

     A História não é uma ciência e os vencedores sempre manobram as suas próprias mídias para que as gerações futuras acreditem que tudo o que eles fizeram, por pior que tenha sido, foi o melhor para todos e que o inimigo foi combatido e exterminado porque era muito mau. Os historiadores acostumaram-se ao maniqueísmo e a aceitar as verdades oficiais, tornando-se – também eles – repetidores do que, muitas vezes, poderá ser uma grande mentira oficial.

     Ao repetir a História conforme lhes é dita para ser repetida, historiadores e professores de História transformam-se em uma forma de mídia defensora do status quo. É claro que existem aqueles historiadores que realmente pesquisam e buscam a verdade histórica, mas são poucos e raros. Quando descobrem alguma mentira no que até então foi considerada uma verdade histórica incontestável, costumam ser perseguidos pelo sistema. E se insistirem em revelar o resultado das suas pesquisas, podem até ser presos. No mínimo. Principalmente se for uma verdade histórica imposta por militares.

     Militares são os que fazem a História e as leis dos seus respectivos países. É claro que sempre ajudados por civis juristas e legisladores amigos, mas os militares estipulam quais leis que dizem respeito às suas ações e ao seu pensamento podem ou não vigorar.

     Com o passar do tempo, os militares formaram uma classe em cada país, como uma praga. Isso fez com que todos os esforços dos filósofos e dos amantes da liberdade e da vida tenham sido em vão. Até agora. Porque, por incrível que pareça, ainda existem pessoas que gostariam de viver em um mundo onde a criatividade e a paz estivessem em primeiro lugar. E tentam lutar pacificamente por isso. Mas pouco tem adiantado. Sempre que há alguma passeata pacífica pela paz, amor e outras necessidades humanas para uma vida melhor e mais justa, militares de baixo nível – com o nome de policiais – atacam os manifestantes. Invariavelmente.

     Por isto, talvez, tenham surgido sociedades secretas, que seriam grupos de pessoas amantes da verdade que se reuniriam secretamente para trocar opiniões, estudar e buscar a melhor maneira de transformar este nosso mundo em um lugar pacífico. Teriam como suporte eufemístico o ocultismo, o hermetismo e outras coisas tão secretas que não podem ser reveladas nem aqui.

     Mas de nada adiantou. Quando os militares descobriram as sociedades secretas, infiltraram-se, conquistaram altos cargos e conseguiram fazer com que os demais membros pensassem que para se conseguir a paz e a verdade é necessário fazer-se a guerra. Segundo alguns exegetas, como A..., B..., C... e outros que também não posso revelar os nomes, sob pena de morte inglória, existiram até lojas maçônicas formadas somente por militares. E talvez ainda existam. Seriam lugares onde estudariam as melhores estratégias de guerra secreta, se congraçariam trocando medalhas e apertos de mão esotéricos e teriam acesso a secretos fundos de beneficência mútua. Tudo pelo amor à guerra e à conquista.

     A classe militar se considera acima dos demais humanos não fardados, que chamam de civis. Acreditam-se superiores, porque é deles o poder da destruição. E nada mais assustador do que pessoas que gostam de destruir. Formam um mundo à parte, com costumes e leis particulares, não se deixando governar pelos civis, o que seria para eles um supremo opróbrio.

     Na verdade, o povo incomoda os militares, porque depois de cada guerra pede a paz e um governo pacífico e civil e os militares somente existem em função das guerras que eles mesmos promovem. Quando não estão guerreando ou preparando guerras, os militares não sabem o que fazer. Jogam xadrez, boliche, peteca; promovem manobras para treinar as tropas, desfilam perante a população civil nos dias aprazados, revelam a sua arrogância e o seu desprezo pelos não fardados com atitudes soberbas, porque se sentem intocáveis, mas nada disso os satisfaz.

     Quando muito necessário, assumem o poder dos seus países ostensivamente, mas, em geral, preferem que civis amigos façam esse trabalho por eles, desde que sigam as suas orientações. Sabem que, de qualquer maneira, são eles os donos do poder. O único medo que eles acalentam é o medo do povo que - mesmo desarmado - por seu vulto e quantidade, se um dia acordar, poderá dar-se conta de sua verdadeira força.

     Devido a isso, no Brasil os militares mais poderosos, como marechais, generais e coronéis, que circulam pelas varandas do poder, fizeram um trato com os civis poderosos – latifundiários, empresários e políticos – no sentido de amansar e enganar o povo através de eleições que acontecem a cada dois e quatro anos – ocasiões em que o povo pensa que estará decidindo o futuro do seu país. Isso faz com que o povo fique feliz por alguns dias, na época das eleições e, depois, quando quer reclamar de alguma coisa, já não pode fazê-lo porque entregou o seu poder aos políticos que são aliados dos militares – os verdadeiros governantes do país.

     Militares obedecem a outros militares que obedecem a outros militares, e assim numa cadeia de poder vertical que faz com que os militares mais graduados dos países mais fracos militarmente obedeçam aos militares mais graduados dos países que possuem armas de grande poder destrutivo. E o poder destrutivo é o grande deus dos militares.

     Dessa maneira e por amor à hierarquia, formaram-se grandes alianças militares, com os países mais fortes tendo o poder supremo das decisões e os demais países somente seguindo aqueles que tem força para decidir.

     Isto, nos países como o nosso, onde o povo não governa. Porque existem países onde os seus povos, através de revoluções, tomaram o poder em suas mãos e elegeram formas de governo que não incluem a militarização como premissa básica de governo ou a entrega do poder a políticos corruptos.

     São esse países os visados pelas grandes alianças militares, como, por exemplo, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que é custodiada pela ONU. A OTAN é uma organização militar que compreende os países europeus, mais os Estados Unidos e o Canadá. Mas, na verdade, é dirigida pelos Estados Unidos.

     A ONU, que sempre apóia tudo o que a OTAN faz, teoricamente seria uma organização civil, com representantes em quase todo o mundo, que existe para unir os povos e promover a paz, etc. Mas, na realidade, é dirigida pelos interesses dos Estados Unidos e de seus aliados, constituindo-se em uma espécie de organização fantoche do império.

     E o império atual, assim como todos os impérios que já existiram no decorrer da história das civilizações, é um império militarizado. A cabeça exposta desse império são os Estados Unidos, mas dele participam, com o mesmo poder de fogo, as demais nações que possuem arsenal nuclear. Com algumas exceções. Paquistão, Índia, China, Coréia do Norte, são algumas das nações que tem armas nucleares, mas nem sempre estão alinhadas com o império.

     Como todo império que se preze, o atual deseja dominar a tudo e a todos. Não por razões lógicas perfeitas ou devido a uma filosofia pura e humanitária, mas para conquistar todos os mercados do mundo, porque a sua origem é o capitalismo e as grandes empresas necessitam de mercados abertos para vender os seus produtos.

     Mas, atualmente, os militares também são considerados como um produto. O capitalismo previu a sua utilização como fonte de renda e lucros, à medida que fosse formada uma mentalidade militar voltada somente para o materialismo. Por isso, os militares são muito bem pagos para executarem as ordens dos seus senhores e pensarem que são eles que governam. Acostumados a não pensar e a somente obedecer, os militares concordaram com os planos de dominação mundial dos capitalistas e deles participam ativamente acreditando não na glória ou na honra, mas na conquista do espólio final.

     Em relação ao império que fabricou essa mentalidade militar, eles são mercenários e estão à mercê dos seus senhores. Não porque sejam somente submissos às decisões das multinacionais que governam o império. Mas também devido a isso. Mercenário é aquele que trabalha por soldo, não por ideal. É uma palavra que vem do latim mercenariu, de merce = comércio.

     Militares, no entanto, consideram mercenários somente aqueles que utilizam armas, mas não representam, oficialmente, nenhum país e que são contratados por países ou grandes empresas para desestabilizar militarmente as economias de outros países que contrariam os seus interesses. Geralmente esses mercenários são pessoas viciadas em guerras e tiram das guerras o seu sustento. Não possuem nenhum ideal e tem imenso prazer em matar – ao contrário dos militares fardados, que matam por obrigação.

     Antigamente, quando os príncipes eram príncipes apenas pelo poder econômico e sentiam grande necessidade de aumentar esse poder, invadindo e conquistando as terras dos outros, contratavam mercenários para esse serviço. Acontecia, às vezes durante as batalhas, o curioso fato de mercenários trocarem de lado, seguindo a lei mercenária de sempre aceitarem a maior oferta.

     Maquiavel, que serviu na administração da República de Florença, de 1498 a 1512, escreveu um livro intitulado “A Arte da Guerra” onde, entre outros assuntos bélicos, criticava o hábito daquela república – que era governada por famílias principescas, como os Médici e os Soderini – de contratar mercenários para fazer as suas guerras habituais contras as outras cidades italianas. Propunha que aquela cidade-estado formasse um exército regular com os seus cidadãos, a exemplo do que já acontecia em países bem maiores, como a França.

     Foi-lhe dada uma oportunidade de fazer uma experiência para provar a sua tese e Maquiavel recrutou um pequeno exército, formado por pessoas pobres e pequenos agricultores. Mas não deu certo. Os pequenos agricultores consideravam-se muito mal pagos e preferiram continuar cultivando os seus pequenos terrenos e as pessoas pobres recrutadas logo desertaram quando dos primeiros combates travados contra exércitos de mercenários de outras cidades. Acharam que a pobreza era preferível a serem mortos defendendo os interesses das grandes famílias de Florença.

     Quando os países começaram a consolidar as suas fronteiras, a necessidade de exércitos regulares tornou-se imperiosa e a essa necessidade seguiu-se a lei de alistamento obrigatório. E, devido a essa lei, que obriga os jovens a participarem ativamente dos interesses bélicos dos seus respectivos países, surgiram as Forças Armadas, divididas em Exército, Marinha e, posteriormente, – para horror de Santos Dumont - Aeronáutica. Nem todos os jovens alistados servem nas Forças Armadas dos seus países, mas, com certeza, todos os jovens pobres alistados são obrigados a servir.

     E servir é a palavra correta. A formação e a organização dos países originou diversos tipos de coerção sobre os cidadãos. O simples fato de nascer em determinado país obriga as pessoas a fazer coisas que, voluntariamente, não fariam, como pagar todo o tipo de impostos exigidos pelo Estado e servir nas Forças Armadas. Para que esse regime de servidão não pareça uma escravidão permanente, o Estado utiliza valores morais, como o amor à pátria, para coagir as pessoas a agir contra a sua própria natureza.

     Servir nas Forças Armadas é uma das maneiras das pessoas demonstrarem seu amor à pátria, mesmo que esse amor passe a ser obrigatório. E assim agindo, o Estado – sempre representado pelas famílias mais ricas – obriga os cidadãos mais pobres a morrerem heroicamente, quando necessário. Ou a seguir carreira - se tiverem capacidade e instrução suficiente. E, talvez, se transformarem também em pessoas ricas que passarão a representar o invisível, mas poderoso, Estado, coagindo as pessoas fardadas mais pobres a lutarem em seu nome, ou por amor à pátria.

     É claro que esse serviço é pago, porque os soldados recebem o seu soldo, e, de acordo com a gradação, o pagamento é maior. Mas em outras épocas não era assim. Em muitos casos, os soldados arregimentados para uma batalha recebiam a promessa da liberdade de saque. Começavam a batalha pensando em defender a nação e terminavam como ladrões.

     Aliás, até hoje. Uma guerra não se faz por princípios, mas por necessidade. Às vezes, necessidade de saquear as riquezas de outro país. Mas sempre em nome de valores morais. Os soldados, imbuídos desses valores morais, saqueiam outros países para que os muito ricos dos seus países se tornem ainda mais ricos. Existem inúmeros exemplos, na História, dessa degradação moral nas guerras, em nome de valores morais intangíveis.

     Mas exemplos mais próximos são mais tocantes. As invasões do Iraque e do Afeganistão foram feitas para ‘defender a civilização ocidental e contra o Islamismo terrorista’. Mas a verdade é que os Estados Unidos e seus aliados entraram naqueles países para tomar os seus poços de petróleo e outras riquezas. A guerra civil na Líbia, que seria ‘contra a ditadura e pela liberdade’, está se transformando em uma descarada invasão daquele país para roubar petróleo e gás.

     Quando surgiram os militares como organização bélica em seus países, eles lutavam pela honra e pelo amor à pátria. Às vezes, individualmente, também lutavam por suas amadas ou pela conquista de um ideal. Tornavam-se exemplos de retidão, de boa conduta e de luta constante pelo bem da Humanidade.

     Ainda existem militares assim, principalmente nos pequenos países onde a luta é para preservar as raízes do nacionalismo. Talvez ainda exista esse tipo de militar até no Brasil. Aqui, tivemos grandes exemplos de idealistas que tiveram que se converter em militares para tentar realizar um país justo e humano.

     Na verdade, se pensarmos bem e com o mínimo de análise que requer este pequeno texto, até a primeira Guerra Mundial os militares de cada país lutavam pela honra e pelo dever de defender a sua pátria. O início do século vinte ainda continha um pouco do romantismo dos séculos anteriores, principalmente dos séculos dezoito e dezenove, quando houveram grandes guerras de libertação e os militares se distinguiram justamente por se constituírem em líderes dessas lutas.

     Na América Latina reverenciamos, com justiça, a libertadores tais como Artigas, Sucre, Martí, Che Guevara, Fidel Castro, Emiliano Zapata, Pancho Villa, Toussaint L’Ouverture no Haiti, Francisco de Miranda, San Martín, Simon Bolívar, Bernardo O’Higgins, e tantos outros que a memória agora me falha. O curioso é que não consigo lembrar nenhum grande libertador no Brasil.

     Aqui, houveram líderes de revoluções, que tentavam a separação do Império – como Tiradentes, em Minas Gerais, João Batista Gonçalves Campos, no Grão-Pará (atualmente Amazonas e Pará), Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, que liderou a Balaiada, no Maranhão, Ceará e Piauí; Francisco Sabino, que liderou a Sabinada, na Bahia; general Netto, Bento Gonçalves e Garibaldi, que lideraram a Revolução Farroupilha.

     Invariavelmente, movimentos que foram traídos e seus líderes assassinados ou cooptados para as forças do Império, como Bento Gonçalves e Netto, que lutaram, mais tarde, na Guerra contra o Paraguai. E no século vinte, já durante a República, Antonio Conselheiro, que não liderou nenhuma revolução, mas fundou uma cidade no Nordeste, chamada Canudos que teve todos os seus habitantes massacrados pelo glorioso exército nacional.

     E pensando um pouco mais, puxando pela memória, depois que os militares instalaram a ditadura, em 1964, líderes como Mariguella e Lamarca merecem ser lembrados. Além daquela centena de gloriosos brasileiros que morreram lutando no Araguaia. Na verdade, a maioria deles foi traída por pessoas que hoje são políticos - e torturados e assassinados, para alegria suprema dos militares.

     Na verdade, houve um grande revolucionário, chamado Luiz Carlos Prestes, que atravessou o Brasil de ponta a ponta, nos anos ’20, lutando contra militares e cangaceiros contratados pelo governo da época, com uma coluna que foi depois chamada de “a Coluna Invicta”, que jamais foi vencida em nenhuma batalha ou combate e acabou se internando na Bolívia, por absoluta falta de armas, munições e víveres. Prestes era um militar. Como Lamarca, desertou do exército para fazer a revolução. Eram tempos em que militares - alguns deles - também pensavam em termos de nacionalismo e lutavam contra as injustiças de armas na mão. Época em que não havia Mcdonalds no Brasil.

     E houve, depois, nos anos ’30 um grande brasileiro nacionalista – advogado e jornalista – chamado Getúlio Vargas que, por estar na política, rebelou-se contra os políticos corruptos e fez duas revoluções – em ’30 e ’32 – contra as oligarquias dominantes. Venceu e como ditador deu direitos ao povo trabalhador, mas foi deposto em 1945 pelo exército que voltava de uma guerra que não era sua, na Europa e que de tanto fazer a cobra fumar acreditou que o Brasil deveria ser uma extensão dos Estados Unidos.

     Depois, mataram Vargas em 1954, quando era presidente, golpearam João Goulart em 1961 e em 1964 e instalaram-se no poder até o momento em que acharam civis confiáveis para quem esse poder poderia ser passado. Nesse meio tempo, mataram todos de quem desconfiavam.

     Militares são assim. Obedecem a outros militares e mandam nos civis a quem fingem obedecer, como no Brasil de hoje. Tem um pacto de sangue entre si e querem dominar a todos e a tudo. O seu único medo é que o povo acorde e reivindique um pouquinho desse poder.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O PREFEITO E AS ÁGUAS PÚBLICAS


O prefeito estava à janela da Prefeitura, observando a mais nova obra da sua gestão – a praça central. Com a mão direita nos cabelos louros e cacheados, procurava lembrar como era aquela praça antes de ele assumir o governo municipal. Uma praça que datava de quase 100 anos, sempre tivera bancos grandes de cimento e muitas árvores, as mais diversas. Ele conseguira fazer uma reforma estrutural, como dizia o engenheiro seu amigo, encarregado da dita reforma. Mas ele, pessoalmente, preferia a palavra “revitalização”. Tinha ido a Brasília e conseguido convencer o Governo de que a revitalização da praça era essencial. Afinal, o Ministério das Cidades tinha verbas para isso, e ele recebera mais de 1 milhão de reais. Dinheiro garantido, mas depois surgiram as dúvidas: o que fazer para revitalizar a praça?

     Aos poucos, surgiram as soluções: tirar os bancos de cimento e colocar bancos de madeira; alguns novos postes de luz, canteirinhos mais bonitos, tirar algumas árvores, colocar outras; cria-se um espaço aqui, outro acolá e pronto!... Tinha conseguido gastar a verba. É claro que não tinha gastado exatamente toda a verba. Sempre sobra alguma coisa. Mas ninguém poderia contestar: estava tudo especificado, tintim por tintim, no site da Prefeitura. E, qualquer coisa, a Prefeitura estava bem provida de contadores e advogados.

     Estava envolvido por esses pensamentos, quando entrou o seu secretário, dizendo:

     - Senhor prefeito, temos um problema!

     - Um momento, companheiro secretário! Nunca me chame de senhor prefeito, mas de companheiro prefeito, principalmente na frente das outras pessoas.

     - Mas estamos sozinhos, senh... er... companheiro prefeito.

     - Mesmo sozinhos, vá treinando. E não me fale em problemas: é claro que sempre temos problemas.

     - Mas este problema, companheiro prefeito, é de natureza diferente. Um cidadão reclamando que cortaram a água da casa dele.

     - Se cortaram é porque ele não pagou, companheiro secretário. Não lhe parece óbvio?

     - Muito óbvio, companheiro prefeito, e este é o caso. O cidadão não pagou e lhe cortaram a água. Mas é bem pior que isso: ele não pagou e não quer pagar porque diz que a cobrança é injusta e está apelando para o companheiro prefeito para que lhe restituam a água.

     - Mas em nome de quê, pardieu? Como está o meu francês?

     - Está quase perfeito, companheiro prefeito, mas ainda falta alguma coisinha.

     - Eu estou me esforçando, companheiro secretário. Você sabe, em terra de quem fala português e inglês, quem fala francês é rei...

     - Prefeito, companheiro prefeito.

     - Pois é, companheiro secretário... mas eu almejo maiores alturas, companheiro. E este companheiro cidadão, ou deverei dizer citoyen? Mesmo não pagando, ele quer água? Logo agora que estamos entrando em uma crise mundial pela água... Talvez até sejamos invadidos pelos Estados Unidos definitivamente. Eles querem a Amazônia, e não só a Amazônia... Que gente gananciosa! Comem aquela comida artificial deles e depois querem a nossa água... Sedentos, muito sedentos... E o companheiro sedento?

     - Esse companheiro sedento, companheiro prefeito, protocolou um ofício para o senhor. Está aqui.

     - Humm... Deixe ver... A água é um bem essencial à vida... É verdade... Saúde... Sim... Mas ele está louco, companheiro secretário!

     - Concordo, companheiro prefeito. Como o senhor quiser: ele está louco.

     - E sabe porque ele está louco?

     - Está louco porque está louco, companheiro prefeito?

     - É claro, mas além disso... Muito além das estrelas... Você acha, companheiro secretário, que iremos, algum dia, muito além das estrelas? Que o ser humano, mesmo com tantas bombas atômicas, não destruirá o seu habitat, a Terra? Que as geleiras derreterão e que teremos uma terrível inversão climática? Você acredita que Osama está morto, que Obama é um bom moço e que quem manda na Casa Branca é realmente a Hillary Clinton? Isso não é hilário, a Hillary querer invadir o Paraguai para pegar aquele imenso lençol freático e ser atacada pelos índios tupiniquins?

     - Perdão, companheiro prefeito, no Paraguai são os índios guaranis.

     - Tupiniquins, guaranis, caiapós, xavantes... Não é tudo a mesma coisa, não são todos índios?

     - Existem singularidades, companheiro prefeito...

     - Particularidades seria mais adequado, companheiro secretário. E esta, agora! Um cidadão, um citoyen, querer água sem pagar as taxas! Mas não é um abuso, companheiro secretário? Cortem-lhe a cabeça!

     - Absoluto abuso, companheiro prefeito. Mas cortar a cabeça... O companheiro não acha...

     - Eu sempre acho, companheiro secretário, mesmo sem procurar. E quando eu disse “cortem-lhe a cabeça” foi apenas uma citação: “Alice no País das Maravilhas”. Além disso, completo abuso fica mais correto, companheiro secretário. Completo abuso e não absoluto abuso. Completo abuso seria a invasão da América do Sul pelos soldados dos Estados Unidos para roubar água. Cada um deles com a sua canequinha na mão. Melhor: com o seu cantil e com tonéis vazios. E mais: empresas que antes eram petrolíferas e serão aqüíferas dando golpes de estado, substituindo presidentes, massacrando o povo nas ruas... E eu que queria tanto que o chafariz da praça funcionasse...

     - Mas é simples, companheiro prefeito, mande consertar o chafariz.

     - E ver aquele cidadão desesperado, com toda a sua família bebendo as águas públicas? E dando entrevistas sobre a insensibilidade do prefeito? Non, non, non, non, non e non!

     - Non?

     - Não, apedeuta companheiro secretário. Mil vezes não!

     - Então o chafariz não irá funcionar?

     - Com certeza que sim! As águas vão rolar e a fonte vai cantar. Você acha, companheiro secretário, que a música sertaneja de antigamente era superior a esta coisa de hoje que só fala em meu amor e você pra lá e você pra cá e calcinha preta... Todas essas vulgaridades?

     - Com certeza que sim, companheiro prefeito.

     - Com certeza que sim... Com certeza que sim... Há algo errado nessa sua frase, companheiro secretário. Não exatamente errado, mas redundante, desnecessário... Desnecessário dizer que a solicitação do companheiro cidadão deverá ser atendida, não acha, companheiro secretário?

     - Sem que ele pague as taxas de água, companheiro prefeito?

     - Ele pagará... Ele pagará... Através de um processo judicial, é claro. Por enquanto, peça ao companheiro secretário da autarquia para religar a água desse bom cidadão. Não queremos que a sua família passe necessidades, não é companheiro secretário?

     - A minha família ou a dele, companheiro prefeito?

     - A dele, companheiro secretário, você entendeu bem e não me venha com gracinhas. Um companheiro cidadão com problemas telúricos não deve ser abandonado. Porque a água brota da terra, do latim tellus, telúrico, e todos tem direito aos seus cinco minutos de fama, ou serão quinze? O sol nasceu para todos, assim como a água não existe apenas para os peixes e caranguejos e siris. Você já comeu uma casquinha de siri? É claro. Tão claro quanto a luz elétrica... Quem diria... Um pára-raios... E Benjamin Franklin não terá levado um choque? E depois Edison e a lâmpada maravilhosa... Enfim, não queremos que um cidadão passe dificuldades, não é companheiro secretário?

     - Claro, companheiro prefeito.

     - Muito bem... Muito bem... A nossa função é social. Estamos aqui para solucionar problemas, dirimir contendas, amar a todos, vencer os gigantes, defender as donzelas...

     - Como disse, companheiro prefeito?

     - Você não leu o “Dom Quixote de la Mancha”, companheiro secretário?

     - Ainda não, companheiro prefeito.

     - Então não leia. Traga-me a agenda. Sei... Outra reunião com os fazendeiros... Quero dizer, com a Comissão para a Prosperidade do Município. Belo e pomposo nome. Para quem irá essa prosperidade do município - hein, companheiro secretário? Para os industriais que não tem indústria – nos dois sentidos, companheiro secretário – no máximo uma fabriqueta aqui, outra ali. Para os comerciantes que vendem produtos do Paraguai e querem que eu expulse os camelôs? O que me diz, companheiro secretário? Ou para os fazendeiros, que agora querem plantar eucaliptos para vender madeira para as fábricas de celulose e para isso desejam uma lei de incentivo à pecuária, que de pecuária não tem nada, porque estão todos se mudando para o Mato grosso do Sul, com bois e tudo? E lá vou eu dizer que sim, que plantem eucaliptos que eu encaminho a lei para a Câmara, que façam o que bem entenderem, porque sem eles eu não sou nada... Ah!, hoje não é o meu dia nem será a minha noite, porque terei que sorrir para todos, elogiar os empreendedores que no fim do ano receberão o troféu dos caras de pau. Mon dieu! Mon dieu!

     - Como disse, companheiro prefeito?

     - Eu não disse nada, companheiro secretário, e se você ouviu alguma coisa, esqueça. Esquecer é o melhor remédio na política. Sorrir, também. Sorrir, esquecer; sorrir, esquecer... De vez em quando, em época de eleições, fazer discursos, dizer ao povo que todo o poder emana deles – mas somente emana, não é companheiro secretário? E depois sorrir, esquecer e concordar com os mais poderosos pela simples razão de que são mais poderosos e a política é um jogo de poder que não emana do povo... Sorrir, esquecer, concordar... Tudo é vaidade neste mundo, tudo é vaidade...

     - É verdade, companheiro prefeito.

     - O que é a verdade, companheiro secretário? Quod est veritas?

     - Perdão, companheiro prefeito, não entendi...

     - Perfeito, companheiro secretário, não é para entender. Agora pode ir e me avise quando for hora do cafezinho. Antes que as geleiras degelem, antes que seja necessário usar barcos e não carros, antes que o Obama invada esta cidade atrás de outro Osama ou da água do chafariz, que será tão belo! Antes que o mundo acabe em 2012, não é companheiro secretário? Companheiro secretário! Você já saiu? Que coisa... Um fim de mundo com data marcada... Não tem a menor graça... E pessoas que não tem água! Como este mundo é cruel! Mon dieu! Mon dieu! E eu que queria tanto ser franciscano... E eu que já tive ideologia... “Ó que saudades que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida...”

     - Hora do cafezinho, companheiro prefeito! O companheiro dizia...?

     - Nada. Estava apenas treinando o meu português. Você conhece Casimiro de Abreu?

     - Já ouvi falar, companheiro prefeito. Não é aquele companheiro que mora ali na...

     - Deixe pra lá, meu simplório secretário. Vamos ao cafezinho! Allons!
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