quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

ALÁ E CAPTAGON, OTAN E HEROÍNA




Entre no youtube e digite “guerra na Síria” na busca. Encontrará muitos filmes, a maior parte deles feitos a partir do ponto-de-vista dos mercenários terroristas. São facilmente reconhecíveis, porque estão sempre gritando “Alahu Akbar”, que significa “Alá é grande”. Alá é o nome do deus muçulmano. Alguns, como o Papa Francisco, acreditam que Alá, Jeová, Cristo, Brahma, Oxalá, etc., são diversos nomes para um único deus. Eu penso de maneira diferente. Não consigo entender o deus da paz, Jesus, confundido com o deus dos exércitos, Jeová. Ou com Alá que, através do Profeta, pregou a guerra santa.

   Então, você entrou no youtube e está vendo um combate, e outro e outro, e ouvindo a frase “Alahu Akbar” gritada pelos terroristas que querem derrubar o governo da Síria sob patrocínio dos Estados Unidos, Arábia Saudita, Turquia, Israel e demais amigos e deve ficar admirado como esses, por assim dizer, militantes islâmicos, usam como trincheiras somente os escombros das cidades. Ao mais das vezes, no entanto, eles atiram com o corpo descoberto, e nenhum deles é atingido, muito menos o câmera contratado para reportar as ações bélicas de tão destemidos guerrilheiros. Não é fascinante?

   Aliás, o câmera consegue ser tão perfeito que dificilmente você acreditará que aquelas filmagens foram produzidas através de um aparelho celular. Os combates são mostrados de diversos ângulos, como se existissem várias câmeras postadas em lugares previamente especificados onde os militantes, guerrilheiros ou que nome você prefira para aqueles soldados que dizem repetidamente a mesma frase irão passar atirando. Corte para uma caminhonete onde um deles atira com uma metralhadora. Corte para um grupo de soldados (?) que preparam foguetes que logo serão lançados. Corte para um tanque dando tiros espaçados, a câmera faz um zoom de aproximação, vê-se a explosão no campo inimigo e os militantes islâmicos gritam “Alahu Akbar”.

   É claro que há uma guerra. Disso ninguém tem dúvidas, ou seríamos todos loucos. Inclusive, existem alguns filmes que mostram cadáveres, sangue nos corpos e outras coisas feias. Mas que tipo de guerra é essa que permite aos, por assim dizer, jornalistas (?) do Estado Islâmico, Frente al-Nusra e Exército Livre da Síria filmar os combates, fazer a devida edição e colocarem no youtube no mesmo dia ou no dia seguinte?

   Provavelmente uma guerra de sedução. Pessoas do mundo inteiro estão vendo esses mesmos filmes e sendo seduzidas pelo ardor guerreiro do Estado Islâmico. Jovens viciados em televisão e filmes norte-americanos de guerra são atraídos para lutar ao lado de combatentes tão destemidos. Fiquei particularmente encantado por um desses filmes. O título: “Syria War 2015. Al Nusra atack saa”. (Guerra na Síria em 2015. Frente AL-Nusra ataca exército sírio). https://www.youtube.com/watch?v=qxbXMw0mQP0  

   Ao fundo, ouve-se um hino. Nos primeiros minutos, na parte direita da tela, um fuzil-metralhadora disparando. Em seguida, ruído de tiros e aparecem explosões que lembram fogos de artifício. A câmera está rodando como se estivesse em cima de um veículo. Casas, fumaça, tiros. E o hino ao fundo, embalando o combate cego.

 No número 2 de “Syria War...” https://www.youtube.com/watch?v=vC7X4snfoiY o hino continua ao fundo e há muita fumaça e ação de guerra, como soldados atirando com metralhadoras e lança-foguetes, lançamento de granadas, explosões, mais soldados mercenários atirando destemidamente, sem qualquer proteção, correndo em uma estrada no ataque a uma povoação - e o câmera junto. Percebem-se vários cortes sob a responsabilidade de “Kine Master”, provavelmente uma empresa cinematográfica dos Estados Unidos, e, em algumas cenas, um único soldado mercenário atirando com metralhadora, enquanto os outros passeiam ao seu lado. 

   Depois o descanso dos guerreiros. Após vários cortes mostrando inimigos mortos para que não haja dúvidas que houve um combate, os mercenários se reúnem e gritam – adivinhe? – “Alahu Akbar”, agitando a sua bandeira negra para a câmera. Mais um corte e uma cena que revela a alegria dos mercenários. Como propaganda de terrorismo, excelente. Então um novo hino mais lento por trás das vozes dos “guerreiros” a exaltar-se. Caiu a noite. Um líder discursa para os combatentes terroristas. Corte para a última cena que dá a entender que diversos prisioneiros serão fuzilados pelas costas. Ouvem-se tiros.

    Talvez eles só digam “Alahu Akbar” porque grande parte desses soldados mercenários provém de outros países que não os do Oriente Médio, e não devem conhecer o árabe. Somente a frase “Alahu Akbar”, que repetem incessantemente para as câmeras. Calcula-se que 90 países estão fornecendo mercenários para o Estado Islâmico, Frente AL-Nusra, Exército Livre da Síria (que é um amontoado de agrupamentos menores sob direção da Irmandade Muçulmana) e outros grupos menores - incluindo países nórdicos, como Noruega e Dinamarca. Basta deixar crescer a barba, aprender a frase célebre e eis mais um indignado jovem muçulmano a lutar por Alá e pelo Profeta.  

   Atualmente, o Profeta tem vários nomes: Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha, França... Por falar, descobriram 15 cientistas franceses trabalhando para o Estado Islâmico, no Iraque. Foram mortos em um daqueles ataques do exército iraquiano. O que estavam fazendo? Fabricando armas químicas ou drogas? 

   Os mercenários são treinados no Qatar, Arábia Saudita, Jordânia, Israel e Turquia e enviados aos grupos de 50 ou 100 para integrar as fileiras terroristas. Ganham muito bem, em torno de mil e quinhentos dólares por semana e, se morrerem (o que acontece seguidamente), suas famílias ficarão amparadas. Quando são feridos, retiram-se para os mesmos países que os treinaram para receber assistência médica gratuita. Se o ferimento não for muito grave, depois de curados voltam a combater.  

    Sabe aqueles jovens que gostam de fazer ginástica exaustivamente, adoram consumir por distração, pouco ou nada lêem e se informam através da mídia manipulada? Pois é. Também existem os jovens muito pobres que começam em pequenas gangues, fazem estágio remunerado no tráfico de entorpecentes e acabam recrutados como mercenários. São alvos ainda mais fáceis para a propaganda da internet, estilo youtube.

    O Profeta não usava drogas e proibiu o consumo de álcool entre os seguidores do Islã. O Profeta gostava muito de mel e dizia que a “Jihad” (guerra santa) era necessária apenas para combater os inimigos do Islã. Referia-se às tribos nômades de árabes da sua época que não desejavam largar a idolatria e aceitar que “Alá é o único deus e Maomé é o seu Profeta”. Nunca pregou a conquista de novos territórios ou uma gigantesca expansão do Islã.  

Dizia que os cristãos eram irmãos, que Jesus era um profeta enviado diretamente por Deus e que as duas religiões são complementares e tem a mesma origem: o Livro, a Bíblia. É claro que ele aludia principalmente ao Velho Testamento, a base do Judaísmo, que nada ou quase nada tem a ver com o Cristianismo. Quanto aos judeus, Maomé os considerava um povo traiçoeiro e no Corão podemos ver que Ismael, o filho primogênito de Abrahão, nasceu em Meca, a cidade sagrada dos muçulmanos e é o progenitor do povo árabe. 

A atual Jihad (guerra santa) islâmica só se justifica contra os povos que oprimem os muçulmanos, como o artificial Estado de Israel, cujos membros tem como diversão matar palestinos que defendem a sua legítima terra. O plano de conquistar o Oriente Médio – a começar pela Síria e o Iraque – através de um exército de mercenários “islamizados” junto aos grupos sunitas foi forjado quando da invasão dos Estados Unidos ao Iraque e Afeganistão, ao perceberem que não poderiam sustentar uma guerra indefinidamente contra exércitos nacionalistas. O próprio exército norte-americano não estava disposto a continuar sendo alvo diário de atentados guerrilheiros. 

No entanto, o que se vê é exatamente o contrário. O Estado Islâmico e outros grupos, como Frente Al-Nusra e Exército Livre da Síria combatem governos muçulmanos. Israel? Nem pensar; Turquia, muito menos. Arábia Saudita? É de lá que sai o dinheiro para os mercenários. E as drogas? Ninguém combate dia e noite sem estimulantes. Descobriu-se recentemente que a principal droga usada pelos mercenários chama-se Captagon (cloridrato de fenitilina). A droga é tão potente que tira o medo e o cansaço, aumenta o desempenho físico e mental e anula a dor quando os jihadistas são atingidos.  

O captagon foi produzido nos anos ’80 como remédio contra a narcolepsia (sonolência) e depressão. Por ser altamente viciante, quase imediatamente foi proibido. Mas continua a ser produzido em laboratórios clandestinos. O príncipe saudita Abdel Mohsen teve o seu jato particular flagrado, no Líbano, com mais de duas toneladas de captagon. Segundo jornalistas búlgaros mencionados pelo jornal “Courrier International”, em 28/05/2015, no artigo “Vu de Bulgarie. Aux origines de la potion magique de Daech”, o captagon seria produzido por laboratórios da OTAN, na Bulgária. (http://www.courrierinternational.com/article/vu-de-bulgarie-aux-origines-de-la-potion-magique-de-daech). 

A OTAN (leia-se Estados Unidos) ficou famosa por dominar países onde grande quantidade de drogas é produzida. A proibição do Corão às drogas e ao álcool provocou grande reação dos países ocidentais, principalmente quando grupos fundamentalistas passaram a combater o consumo de drogas. A seguir-se o Corão rigidamente, as drogas não só devem ser proibidas como a sua produção exterminada. O Ocidente ateu e falsamente cristão depende das drogas para fabricar zumbis, e necessita de multidões de zumbis que comprem as drogas. É um grande negócio, camuflado por máfias e traficantes. Além disso, os exércitos da OTAN necessitam de drogas estimulantes, como heroína e captagon, e a heroína tem como principal componente o ópio, que é extraído da papoula. 

Quando os fundamentalistas islâmicos, no início do século 21, passaram a pregar a extinção das plantações de papoula no Afeganistão, o comércio mundial de drogas sentiu-se ameaçado e aconteceu o 11 de setembro de 2001 como a grande desculpa para a invasão do Afeganistão e conseqüente proteção das grandes plantações de papoula daquele país. Sem contar o desbragado roubo de petróleo. 

Desde 2012, a OTAN ocupa o Afeganistão, substituindo o exército dos Estados Unidos, sob a desculpa de combater as drogas e o Talibã. Segundo o relatório do Gabinete da ONU para Drogas e Crimes (em inglês, United Nations Office on Drugs and Crime – UNODC), em 2013 as culturas de papoula de ópio no Afeganistão ocuparam a maior superfície de terra, ultrapassando todos os registros anteriores – 36% a mais que no ano anterior. E continuou aumentando em 2014 e 2015. 

Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos está acontecendo o que já foi apelidado de epidemia de heroína. Em 2014, morreram nos Estados Unidos mais pessoas de overdose de drogas (47.055) do que em qualquer outro ano registrado, segundo o Centro para Controle e Prevenção de Doenças. Cerca de 60% morreram por overdose de opiáceos, principalmente heroína. (http://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/27/internacional/1451251704_170861.html). 

Atualmente, existem mais de 100 mil soldados estrangeiros no Afeganistão. Todos da OTAN. E estão lá especialmente para proteger o negócio da heroína, que rende cerca de 100 bilhões de dólares por ano. Gordon Duff, editor sênior do “Veterans Today”, em entrevista à “Press TV”, referente às tropas britânicas no Afeganistão, afirmou: “Eu acho que eles vão para o Afeganistão para ajudar a gerir o negócio de 100 bilhões de dólares por ano, transportando a heroína através do Afeganistão e gerindo o setor bancário da indústria de heroína através dos bancos de Londres. Não consigo pensar em outra razão pela qual deveriam ir até lá”. (http://www.libertar.in/2013/11/otan-eua-e-reino-unido-o-grande-mercado.html). 

Você entrou no youtube e está assistindo combates quase ao vivo das guerras da Síria e do Iraque. Por que os mercenários são tão temerários, expondo-se abertamente? Devido à fé em Alá ou ao efeito do captagon e da heroína? Você não está vendo homens lutando pela sua pátria, mas pessoas dominadas pela droga. Mercenários fabricados pelos Estados Unidos, por Israel, pela Arábia Saudita, pela Turquia, condenados a morrer em uma guerra igualmente fabricada e que só serve aos interesses das grandes corporações internacionais. Ou condenados à morte em vida.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

PUTIN PREFERE GORBACHEV?




O presidente russo, Vladimir Putin, cometeu o que poderia ser chamado de ‘ato falho’, pelos seus assessores, ao dizer que Lênin foi o responsável pela destruição da União Soviética. Segundo a agência Interfax, o líder russo disse que as ações de Lênin tiveram como resultado a destruição do país. A declaração ocorreu durante uma conversa sobre a poesia de Boris Pasternak, autor de “Doutor Jivago”, livro que se queixava do regime soviético e que, por essa razão, foi muito aplaudido no Ocidente, que lhe deu o prêmio Nobel de Literatura, em 1958. Baseado no livro, Hollywood fez um filme melodramático enfatizando a maldade dos comunistas revolucionários da Rússia, e o “Tema de Lara” até hoje é entoado por saudosistas dos bons tempos do czarismo.

   Na ocasião, após ser recitado um poema de Pasternak em que Lênin é mencionado como uma pessoa que podia controlar o fluxo do seu pensamento, Putin afirmou: “Controlar o fluxo do pensamento é bom, mas este pensamento deve trazer um resultado correto, e não como fez Vladimir Ilich (Lênin), porque, como resultado, o seu pensamento levou à queda da União Soviética. Houve muitas idéias incorretas: a criação de autonomias nacionais, etc. Puseram uma bomba atômica sob o edifício chamado Rússia e esta, finalmente, explodiu”. (https://actualidad.rt.com/actualidad/197476-putin-acusa-lenin-caida-union-sovietica).

   A revolução bolchevique aconteceu em 1917, a União Soviética foi criada em 1922 e Lênin morreu em 1924. Acusá-lo de ser o responsável pela dissolução da União Soviética somente revela o grau de distância intelectual dos atuais dirigentes russos em relação aos revolucionários de 1917. Entre 1918 e 1921 houve uma guerra civil na Rússia, entre os bolcheviques e os “brancos” czaristas, apoiados por tropas japonesas, holandesas, estadunidenses e inglesas. Sem a revolução bolchevique liderada por Lênin, a Rússia não seria hoje uma das três maiores potências mundiais (junto com Estados Unidos e China), com tecnologia própria e desenvolvimento sustentável. No máximo, acompanharia o Brasil como mais um satélite dos Estados Unidos. E Putin, se por acaso fosse presidente dessa suposta Rússia vendida, não passaria de mais um títere amestrado, estilo Lula “o Cara do Obama”, ou Dilma Roussef.

    É certo que a revolução russa cometeu muitos erros até achar o caminho para o desenvolvimento que levou a Rússia a se transformar de um país semi-feudal em uma grande potência mundial. Também é certo que a derrocada da União Soviética, 67 anos após a morte de Lênin, deveu-se não só à excessiva burocratização da máquina estatal, que emperrou o processo revolucionário a partir do governo de Kruschev - político grosseiro que foi apeado do poder devido aos seus erros políticos e econômicos na condução da União Soviética – como à derrota desmoralizante do exército vermelho na guerra do Afeganistão (1979-1989) e a conseqüente conspiração do grupo de Mikhail Gorbachev, presidente que adotou reformas econômicas que levaram a União Soviética ao colapso que provocaria a sua desintegração.

    O fim da União Soviética não teria acontecido não fosse a atividade anti-soviética de Gorbachev. A diferença entre Kruschev e Gorbachev é que a Kruschev lhe retiraram o poder antes que ele completasse o serviço de desmoralização do socialismo soviético, que começou com a demonização de Stálin. Gorbachev, contra a vontade do povo soviético, desmantelou a máquina pública, incluindo o partido comunista e o Estado soviético. Devido a essas “reformas” de Gorbachev, em 2012, o Sindicato dos Cidadãos da Rússia entrou com um pedido de abertura de processo criminal por alta traição junto ao Comitê de Investigação da Rússia, contra o ex-presidente.

    Dizem que Gorbachev teria sido comprado para promover o fim da União Soviética – o que não é impossível nem improvável. Inclusive, Margareth Thatcher, após uma conversa com Gorbachev teria exclamado “Este é o nosso homem”. Mas a verdadeira traição, testemunhada pelo mundo inteiro, aconteceu quando Boris Yeltsin foi eleito chefe do Soviete Supremo da Rússia. Em 17 de março de 1991, houve um referendo a respeito da permanência ou não da União Soviética. Tudo muito democrático, conforme pede a cartilha liberal.

    77,8% do povo soviético votou “Sim”, aprovando a continuidade da União Soviética. 22,2% foram contra. Mais de 80 milhões de votos de diferença. O resultado nas diversas repúblicas: Armênia – 71,6% a favor, 27,2 contra; Azerbaijão – 94,1% a favor, 5,9% contra; Bielo-Rússia – 82,7% a favor, 17,3% contra; Geórgia – 98,9% a favor, 0,7% contra; Cazaquistão – 95,6% a favor, 4,4% contra; Quirguistão – 94,5% a favor, 5,5% contra; Estônia – 95% a favor, 5% contra; Letônia – 95,1% a favor, 4,9% contra; Lituânia – 98,9% a favor, 0,5% contra; Rússia – 71,3% a favor, 28,7% contra; Tajiquistão – 96,2% a favor, 3,8% contra; Turcomenistão – 98,3% a favor, 1,7% contra; Ucrânia – 70,2% a favor, 29,8% contra; Uzbequistão – 94,8% a favor, 5,2% contra. (http://www.culturabolchevique.com/2014/03/los-pueblos-sovieticos-votaron-en.html).

    Apesar da decisão do povo em voto livre e direto pedindo a permanência da União Soviética, alguns meses depois, Yeltsin, já no cargo de presidente da Rússia, encontrou-se com o presidente da Ucrânia e com o presidente da Bielo-Rússia (Leonid Kravchuk e Stanislav Shushkiévich, respectivamente) e com eles firmou o que foi chamado depois de “Tratado de Belaveja”, documento em que a União Soviética era dissolvida oficialmente.

    Essa violência com aparência de legalidade não teria acontecido sem o apoio das Forças Armadas e do serviço secreto, a KGB. As duas instituições haviam sido infiltradas com bastante antecedência, desde a época de Gorbachev, e serviram de sustentáculo ao golpe que destruiu a União Soviética. Tanto é assim, que o sucessor de Yeltsin foi o então primeiro-ministro e ex-chefe da KGB, tenente-coronel Vladimir Putin.

    Principalmente agora, quando se desenha uma guerra contra o império, na qual a Rússia poderá assumir notável protagonismo, não há como negar o empenho e a capacidade de governar de Vladimir Putin, que reergueu a Rússia destroçada pela gangue de Gorbachev e Yeltsin. No entanto, declarações que tendem à leviandade e que, por certo, foram ditas em momento de irreflexão, não podem passar em branco, principalmente quando acusam injustamente o verdadeiro pai da Rússia moderna – Vladimir Ilich Ulianov – Lênin.  

     Em matéria anterior, de 24 de novembro de 2015, intitulada “Putin Entre Lênin e Gorbachev” eu questiono a excessiva diplomacia do atual governo russo, que, a continuar assim, se deixará envolver pela política maquiavélica dos Estados Unidos, e coloco: “Putin, até este momento, ainda não se decidiu se encarna o revolucionário Lênin ou o leniente Gorbachev”. Após as suas últimas declarações sobre Lênin eu fico me perguntando se Putin optou por se tornar um novo Gorbachev...

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A RUSSIA EM XEQUE




O ano novo começou com 47 decapitações na Arábia Saudita. Todos os assassinados eram xiitas, incluindo um dos principais líderes religiosos – o iraniano Nimr al-Nimr. O objetivo, que foi alcançado, é óbvio: provocar a ira dos xiitas, e principalmente dos iranianos, com a clara possibilidade de fomentar uma guerra contra o Irã, aumentar o ódio ancestral entre sunitas e xiitas, dividir ainda mais o Oriente Médio, enfraquecer os governos da Síria e do Iraque e evitar a derrota completa dos exércitos terroristas.

   É uma espécie de “Plano B” (ou C, ou D...), visando proteger e incentivar as ações terroristas contra Síria e Iraque e colocar os países vassalos da Arábia Saudita e dos Estados Unidos contra o Irã, tendo em vista destruir o país persa.

   Ao mesmo tempo, coloca a Rússia em xeque, quase um xeque-mate. Ou defende o aliado Irã ou retira a força aérea da Síria para se escudar novamente entre suas fronteiras cercadas pela OTAN. O caminho do meio é tentar a via diplomática, buscando apaziguar os ânimos entre Irã e Arábia Saudita, o que pode dar em nada – a guerra está a caminho e a Arábia Saudita não a estaria provocando se não tivesse a certeza do apoio dos Estados Unidos, Israel e demais aliados.

   Há indícios de que a Rússia está prestes a declarar que a sua missão na Síria terminou – com muito sucesso, graças a Deus e a Putin – e que chegou a hora de repatriar os seus heróicos guerreiros, antes que mais um avião ou helicóptero seja derrubado. Realmente, foi um grande sucesso: a indústria bélica russa está vendendo mais do que nunca. O objetivo foi alcançado e os líderes russos devem estar pensando em uma retirada estratégica, deixando que o exército sírio e seus verdadeiros aliados – o Hezbollah libanês e as milícias iranianas – terminem o serviço.

   Em nenhum momento a Rússia pensou realmente em intervir de fato na guerra contra os exércitos terroristas que pretendem destruir a Síria. Caso contrário, teria enviado o seu próprio exército e a guerra já teria acabado há muito tempo. O que a Rússia tem feito na Síria – além de bombardear rotineiramente os terroristas – é entabular negociações e acordos com as demais partes envolvidas no conflito, como Turquia, Jordânia, Israel e a própria Arábia Saudita. Não por acaso Vladimir Putin disse que tinha sido atraiçoado pela Turquia – “uma facada pelas costas” - quando o governo de Erdogan, respaldado pela OTAN, derrubou um avião caça russo. Somente somos atraiçoados por amigos. E até aquele momento a Rússia acreditava que a Turquia poderia ser um país parceiro.

   A Rússia busca aliados desde que começaram as sanções dos países da União Européia e dos Estados Unidos e Canadá devido à reintegração da Criméia ao território russo. Aproximou-se da China e da Índia, duas potências nucleares, mas China e Índia também são próximas dos Estados Unidos e da OTAN, mesmo que a China tenha algumas divergências com os Estados Unidos e Japão, principalmente no que se refere à demarcação de fronteiras marítimas. Nada que provoque uma guerra: seria ingenuidade. A China cresce economicamente e quer expandir-se na América Latina e na África, como todo país imperialista. Para isso precisa do apoio do império liderado pelos Estados Unidos, ainda que não renegue algumas alianças estratégicas com a Rússia. Uma questão de diplomacia.

   Sabedor disso, o governo russo foi buscar novas alianças no Oriente Médio. A título de defender o governo sírio, ameaçado pelos exércitos mercenários patrocinados pelos Estados Unidos e comparsas, enviou as suas Forças Aeroespaciais para bombardear os inimigos e, de quebra, para mostrar a sua força, mandou 20 mísseis de cruzeiro na cabeça dos militantes do Estado Islâmico. Também ajudou a rearmar o exército sírio, que estava tecnicamente derrotado, e aceitou o apoio de milícias do Hezbollah e do Irã.

   Ao mesmo tempo, e graças à atividade incessante do chanceler Sergei Lavrov, o governo russo conversa amigavelmente com os governos da Jordânia, de Israel, da Turquia e da Arábia Saudita; deseja que aqueles governos parem de treinar e financiar os exércitos de mercenários terroristas. Em troca, quem sabe a Síria de presente, devidamente repartida entre os interessados, com todos os seus imensos recursos minerais, após um período de transição que incluiria a necessária queda do governo de Assad? Melhor ainda: após Assad, um governo amigo, muito amigo e venial, na Síria, estilo Macri na Argentina, pronto a entregar para as multinacionais o petróleo sírio.

   O incansável Lavrov reúne-se seguidamente com John Kerry, secretário de Estado dos Estados Unidos para, juntos, encontrarem a equação que possibilitará mudanças no governo sírio. Isso é essencial para que os dois países – Estados Unidos e Rússia – possam fortalecer a sua amizade, participar de exercícios militares conjuntos, festas, declarações sobre a paz mundial... Provavelmente, se tudo der certo, Putin será convidado para o Clube Bilderberg. No mínimo, para o Clube de Roma e outras maçonarias. Nas conversas com Lavrov, Kerry e Obama marcaram a data para a saída de Assad: março de 2017, no máximo maio.

   Afinal, com seus bombardeios, a Rússia está fazendo o trabalho pesado, ajudando a limpar a Síria do Estado Islâmico e da Frente al-Nusra, exércitos de mercenários que já não servem aos objetivos finais do império, tornaram-se demasiado sectários e fugiram ao controle dos seus criadores. Os outros exércitos mercenários, como o Exército Livre da Síria, poderão ser usados politicamente num futuro não muito distante.

   No entanto, na sua ânsia de se mostrar amiga, muito amiga dos demais países capitalistas, desejando somente algumas fatias do bolo mundial (em troca, a Síria?) a Rússia corre o perigo de se tornar suspeita de fazer um jogo duplo. Aliás, jogo duplo faz parte do treinamento de espiões e Vladimir Putin foi coronel da KGB soviética. 

   Logo após a instalação dos mísseis defensivos S-400, que, segundo os russos, cobrem todo o território da Síria, aviões de Israel invadiram o espaço aéreo sírio e tranquilamente bombardearam um prédio onde havia uma reunião do Hezbollah, na capital Damasco, matando o líder libanês Samir Kantar. Ficaram duas perguntas, ainda não respondidas seriamente: 1. Qual o serviço de inteligência que indicou que Samir Kantar estaria naquele prédio exatamente na hora do bombardeio - o Mossad israelense ou o FSB russo? 2. Por que os S-400 russos não protegeram o espaço aéreo sírio?

   Outras questões se colocam. Somente após a derrubada do Su-24 russo por aviões provindos da Turquia é que a Rússia “descobriu” que a Turquia não só treina mercenários como recebe o petróleo roubado da Síria pelo Estado Islâmico. Para demonstrar a sua indignação, a Rússia enviou alguns aviões Tupolev para bombardear a rota do tráfico de petróleo que leva à Turquia. Por alguns dias. Depois, os Tupolev voltaram para a Rússia. São aviões muito bonitos e caros e não devem ficar expostos em campo de batalha sem grande necessidade. O tráfico de petróleo roubado não acabou e não se sabe se a Rússia faz como a força aérea norte-americana, que lança folhetos avisando que vai bombardear determinado local dentro de 45 minutos, pedindo aos terroristas que se protejam.

   Aliado ou não, o Irã já não confia na Rússia, ou confia desconfiando. Desde 2007 que a venda de cinco divisões de antimísseis S-300 foi acordada e foi necessária uma ação do Irá contra a Rússia, na Corte Internacional de Arbitragem, para que a Rússia anunciasse, em novembro de 2014, que começaria a entregar os 40 lançadores ao Irã, sob protestos do governo de Israel, que deseja bombardear o Irã facilmente. O governo russo é muito amigo do governo de Israel. Em 2015, Vladimir Putin chegou a enviar de presente para Benjamin Netanyahu uma foto de Ben Gurion. Se e quando os S-300 começarem a chegar ao país persa, convém que o governo do Irã faça alguns testes com os lançadores para ter a certeza de que estão funcionando bem.

    A Rússia é um país capitalista, ou seja, um país sem outra ideologia que não seja o lucro. Mesmo que pareça, por vezes, que a antiga União Soviética voltou, não se deve cair nessa armadilha midiatizada. Neste momento, o governo russo está tentando achar maneiras de sair da armadilha que o coloca em xeque – apesar da indubitável habilidade de Vladimir Putin. Se houver uma guerra entre Arábia Saudita e Irã, como se comportará a Rússia?
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