terça-feira, 24 de novembro de 2015

PUTIN ENTRE LÊNIN E GORBACHEV




Em um desses programas de rádio tendendo ao humorismo, ouvi, em minha cidade, que agora sim o terrorismo seria combatido. Pela França, na Síria. A mesma pessoa, ou outra – porque são três a se revezarem nos chistes –, “informou” que a Rússia se limitava a bombardear os curdos, embora ela não soubesse explicar quem ou o que são os curdos. Surpreso, entre um mate e outro prestei mais atenção e fiquei sabendo que as fontes de informação desses, por assim dizer, jornalistas, limitam-se à Globo, Estado de São Paulo, revista Veja, Folha de São Paulo e correlatos, como Zero Hora & Cia. Então entendi o porque de tanta desinformação – embora não seja perdoável que jornalistas, por mais supostos que sejam, não corroborem suas informações com fontes alternativas, mesmo morando no que já foi apelidado pelos mais maldosos de fim do mundo. 
   Lá no outro fim do mundo, na Rússia, Maria Zakharova, porta-voz da chancelaria, em 06/10/2015 perguntou aos jornalistas ocidentais: “Vocês são mesmo jornalistas?” Zakharova denunciou lapsos e omissões da mídia ocidental, especialmente quando se trata da ajuda que a Rússia está prestando à Síria no combate ao Estado Islâmico e outros grupos terroristas e citou vários exemplos de matérias divulgadas na mídia ocidental que não indicam as fontes de suas informações. “Se nós falamos de jornalismo de verdade e não de jornalismo que serve aos interesses de alguém, como podem esses profissionais usar no seu discurso jornalístico expressões como ‘existe a opinião’? Qual é essa opinião? Indique a fonte!” 
  Jornalistas são, antes de tudo, formadores de opinião, e determinadas empresas jornalísticas abusam desse direito de formar opinião, distorcendo a realidade, impingindo mentiras, construindo e desconstruindo fatos de acordo com os interesses políticos e econômicos dos grupos oligárquicos que dominam a mídia mundial. No Brasil, a grande massa está acostumada a assistir ao Jornal Nacional enquanto espera a novela das oito ou das nove ou de que horário seja... E sofre dupla lavagem cerebral. A massa é massa porque aceita tudo passivamente. Não é de estranhar, portanto, que em lugares pequenos existam programas desleixados onde pessoas que fazem as vezes de jornalistas repetem como papagaios informações recebidas da sua mídia preferida. Mas isso é qualquer outra coisa, menos jornalismo. 
   No dia 21 de novembro, a Globo virtual – famosa por compilar informações da mídia estadunidense e européia - noticiou que os Estados Unidos atacaram 42 objetivos do Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Fiquei surpreso. Estariam os Estados Unidos a tentar destruir o seu grupo terrorista preferido? No corpo da matéria estava escrito que, inclusive, os EUA teriam atingido um campo de extração de petróleo na Síria, o que é ainda mais surpreendente. Afinal, o Estado Islâmico e grupos terroristas assemelhados, em troca da ajuda dos seus criadores – como Estados Unidos, Arábia Saudita, Israel, Turquia... – compram muito barato o petróleo que o Estado Islâmico rouba da Síria. E esta é uma das principais razões porque os preços do petróleo vêm caindo no mercado mundial – e prejudicando a economia de países como Rússia e Venezuela. 
   Fui conferir a informação – ou desinformação – e encontrei no Sputnik News a seguinte chamada: “Pega na mentira! Imprensa americana mostra vídeo de ataque russo ao EI para ‘provar’ operação dos Estados Unidos”(http://br.sputniknews.com/mundo/20151121/2832420/imprensa-americana-mostra-video-russo-para-provar-operacao-eua.html). De acordo com a matéria, um programa de notícias norte-americano exibido no canal PBS usou imagens de ataques aéreos russos contra alvos do Estado Islâmico, alegando que eram ataques americanos. 
   Na última cúpula do G-20, realizada na Turquia, o presidente Vladimir Putin mostrou uma série de fotografias revelando o volume de petróleo comercializado pelo Estado Islâmico. “Tenho mostrado a nossos colegas imagens espaciais feitas através de aviões.” (...) “Colunas de veículos petroleiros estendendo-se por dezenas de quilômetros, de maneira que a partir de uma altura de 4.000 e 5.000 metros desaparecem no horizonte.” Naquela cúpula, Putin desmascarou os membros do G-20 que patrocinam o Estado Islâmico. 
   O jornalista Pepe Escobar afirma que os Estados Unidos facilitam o contrabando de petróleo através da Turquia para poder usar a base aérea de Incirlik. “Gurzel Tekin, um dos membros do partido socialista da Turquia, revelou que o petróleo comercializado pelo Estado Islâmico é transportado até a Turquia por uma companhia controlada por Bilal Erdogan, filho do presidente Recep Erdogan.” (https://actualidad.rt.com/actualidad/191965-putin-desmintir-mito-washington-lucha-estado-islamico). 
   A partir da cúpula do G-20, o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, disse que os objetivos russos seriam centrados em liquidar as bases financeiras e econômicas do Estado Islâmico. Durante quatro dias, de 17 a 20 de novembro, caças-bombardeiros Sukhói e Tupolev lançaram mais de 100 mísseis de cruzeiro e 1.4000 toneladas de bombas contra o Estado Islâmico, destruindo 60 toneladas de petróleo destinadas ao mercado negro, além de 23 bases de treinamento, 19 fábricas de armas e explosivos e 47 armazéns com munições e recursos materiais. Foram 522 missões aéreas e a frota do mar Cáspio lançou 18 mísseis de cruzeiro, atingindo sete objetivos nas províncias de Raqa, Alepo e Idlib. Mas essas notícias não são veiculadas pela imprensa brasileira que se veste com a bandeira dos Estados Unidos. 
  Outra mentira que seguidamente aparece nos jornalões brasileiros e, provavelmente, na mídia internacional, é a “informação” de que a Rússia está lutando contra o Estado Islâmico em colaboração com os Estados Unidos e sua coalizão. Ao contrário. A Rússia é o único país que verdadeiramente está combatendo os exércitos terroristas na Síria a pedido do governo daquele país. Essa colaboração teve início a 30 de setembro e já se estende por quase dois meses, período durante o qual foram destruídos mais de 2.700 alvos do Estado Islâmico e da Frente al-Nusra, filiada à al-Qaeda. De acordo com o analista político Nikolay Pakhomov “a Rússia tem trabalhado incansavelmente para conseguir o apoio dos principais interessados na região – Egito, Turquia, Arábia Saudita, Iraque e Israel”. E tem obtido poucas respostas positivas. 
   Quanto aos Estados Unidos, na terça-feira, 17 de novembro o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou aos jornalistas: “Não há cooperação. Nossos colegas americanos se recusam a qualquer tipo de cooperação”. No dia seguinte, indagado se Washington estaria pronta a trabalhar em parceria com Moscou, o porta-voz do Pentágono, Steve Warren, esclareceu: “Neste momento não temos planos de conduzir operações coordenadas com os russos”. A Rússia tenta todas as possibilidades diplomáticas, deixa aberta todas as portas para um entendimento, faz questão de dizer que seu único inimigo é o Estado Islâmico e chega ao ponto de fingir que não entende os verdadeiros interesses dos países ocidentais e seus aliados do Oriente Médio, na Síria. 
   Depois dos atentados em Paris, a raivosa reação do governo francês ao mandar bombardear a cidade síria de Raqa, onde inúmeros civis foram mortos e feridos, seguidos de ataques contra os campos de petróleo da Síria, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia reagiu. O chefe do departamento das questões de novos desafios e ameaças do Ministério, Ilya Rogachev, disse: “Não podemos apoiar tais ações, em primeiro lugar porque são feitas sem aprovação do governo sírio”. (...) “Se os primeiros golpes fossem feitos contra campos de treinamento de terroristas na Síria e na seqüência supostamente morressem cidadãos franceses (existem mais de 1.200 franceses no Estado Islâmico) que tinham sido treinados como ‘terroristas’, isso poderia ser entendido como autodefesa. Mas bombardeios contra a infra-estrutura petrolífera são condicionados, pressupõe-se, por outras razões e não se justificam do ponto de vista de autodefesa”. (http://br.sputniknews.com/mundo/20151120/2827442/Ataques-Franca-Siria-infraestrutura.html). 
   Mesmo assim, e em flagrante contradição com o seu Ministério das Relações Exteriores, Vladimir Putin, no dia 17 de novembro, ordenou a elaboração de um plano de ações conjuntas no mar e no ar com a marinha francesa e encarregou o cruzador Moskvá de entrar em contato com o grupo naval francês no Mediterrâneo. Ou talvez não seja uma contradição do governo russo. Quem sabe Putin está tentando cooptar o governo francês para o seu plano de combater o Estado Islâmico na Síria, mesmo sem a aprovação do governo sírio? 
   O que seria um grande erro, porque atrás da França vem a Alemanha, Inglaterra e todos os demais países da OTAN, e o governo dos Estados Unidos já declarou que está pretendendo invadir a Síria com o apoio do exército da Turquia. Os Estados Unidos são assim: quando não alugam mercenários, usam o exército de outros países, assim como utilizaram o exército brasileiro para a invasão do Haiti. Para surpresa geral, no entanto, recentemente os Estados Unidos enviaram para a Síria, quase na fronteira com a Turquia, 50 soldados das suas tropas especiais – aquele tipo de soldado preparado em laboratório, que faz um pouco de tudo, desde cozinhar a lavar a roupa, e, nos momentos de lazer se diverte em atirar em seres vivos. Estão na Síria para ajudar os terroristas a traçar novas estratégias e talvez preparar a invasão. 
   Por enquanto, fingem apoiar os curdos. A etnia curda está sendo expulsa da Turquia por razões de racismo explícito. Os curdos são um grupo étnico que se considera nativo de uma região apontada como Curdistão, que inclui partes adjacentes do Irã, Iraque, Síria, Turquia, Armênia e Geórgia. Há referências de que os curdos seriam uma amálgama dos antigos povos, medos, hurritas e hititas. Atualmente é uma nação calculada ente 27 e 30 milhões de pessoas e compreendem 20% da população da Turquia, de 15 a 20% no Iraque, 7% no Irã, 1,3% na Armênia e 8% na Síria. 
   E são justamente os curdos da Síria que travam uma guerra contra o Estado Islâmico na região montanhosa daquele país. Por uma questão de espaço vital, de sobrevivência. Fingindo auxiliá-los, os Estados Unidos estão usando os curdos para estabelecer no norte da Síria um ponto de apoio estratégico. Ao mesmo tempo, o governo da Turquia – o mesmo que compra o petróleo do Estado Islâmico – trama com os Estados Unidos a maneira de invadir a Síria a pretexto de expulsar os curdos, que considera inimigos, o que, acontecendo, provocará massiva migração curda para o Iraque e para o Irã. 
   Por que a força aérea da França atacou exatamente a Síria e não o Iraque ou outros países onde o Estado Islâmico tem forte presença? Provavelmente porque a policia francesa teria encontrado no bolso de um dos terroristas suicidas de Paris um passaporte sírio. Curioso como aqueles terroristas estavam preparados para a morte, até passaporte levavam consigo. Para os planos ocidentais de conquistar a Síria e junto com ela o restante do Oriente Médio, os atentados em Paris serviram como a desculpa perfeita. Muito parecido aos ataques às torres gêmeas, que propiciaram aos Estados Unidos o pretexto moral para invadir o Iraque e o Afeganistão, e Osama Bin Laden era da Arábia Saudita. 
   O capitalismo não tem moral. Como o próprio nome diz, é um sistema que gira em torno do capital, do dinheiro, e pouco se preocupa com as pessoas ou com valores morais. Que o diga a Rússia. Na corda-bamba da busca de alianças, Putin mandou um presente para o genocida Netanyahu, primeiro-ministro de Israel: uma antiga foto de outro genocida, Davi Ben Gurion – no momento em que Israel está novamente bombardeando a Faixa de Gaza. Na ânsia de mostrar que a Rússia é um país confiável, Putin está estreitando relações com a Arábia Saudita, que invadiu o Iêmen e está provocando um massacre na população iemenita. A continuar assim, em breve Putin estará participando do Clube Bilderberg, que se reúne uma vez por ano para decidir o destino do mundo. 
   Perdeu-se em demasiada diplomacia o governo russo ao aceitar a invasão da França na Síria, ao aceitar a resolução da ONU contra o terrorismo, que encobre a possibilidade da OTAN participar da mesma invasão e dividir a Síria em diversas zonas de influência. Agora, na iminência do espaço aéreo sírio ser declarado zona de exclusão, a Rússia luta contra o tempo. Intensificou os bombardeios contra os terroristas e pretende “limpar” a Síria antes que as forças do império obriguem a Rússia a retirar a sua força aérea da Síria ou a aceitar a guerra. A outra possibilidade, mais remota, é a Rússia se unir ao império e aceitar uma pequena fatia da Síria.  
   Prepara-se uma grande batalha em Palmira, que poderá ser decisiva para a Síria enquanto país ainda unido. Se o exército sírio vencer essa batalha o Estado Islâmico será inexoravelmente expulso da Síria, ou totalmente destruído naquele país. Esse não é o desejo dos Estados Unidos e de seus vassalos da OTAN, que necessitam apenas de um incidente para que a guerra contra a Rússia seja deflagrada. 
   No momento em que terminava esta matéria fiquei sabendo que a Turquia derrubou um avião russo que bombardeava a região de Idlib, sob domínio terrorista, ainda dentro do território da Síria. Não se trata apenas de um incidente, mas de uma clara declaração de guerra. Se a Rússia não reagir adequadamente e ficar apenas na retórica, estará desmoralizada. A covarde ação da Turquia encontra respaldo dentro da OTAN, da qual faz parte, e Putin, até este momento, ainda não decidiu se encarna o revolucionário Lênin ou o leniente Gorbachev.

domingo, 15 de novembro de 2015

ATENTADOS EM PARIS PREPARAM A INVASÃO DA SÍRIA




Das duas uma: ou a polícia francesa é completamente incompetente e os seus serviços de inteligência são formados por pessoas apalermadas, ou alguém facilitou a ação dos sete atentados coordenados na noite de sexta-feira, 13 de novembro, em Paris. A primeira hipótese não é absolutamente impossível, mas altamente improvável. A França é um dos países mais vigiados do mundo e Paris, que atrai milhares de turistas a cada ano, deveria ser a cidade mais protegida do planeta. A segunda possibilidade revela-se, então, como a mais provável. Os atentados, por mais cuidadoso que tenha sido o seu planejamento, foram facilitados por interesses políticos que envolvem lideranças da própria França, Estados Unidos, Grã-Bretanha e demais países da União Européia e da OTAN. Caso contrário, se foi uma pane geral dos serviços de segurança franceses pode-se dizer da França o que Charles de Gaulle disse do Brasil: a França não é um país sério. 
   Trinta mil policiais foram destacados para garantir a segurança das fronteiras da França durante os preparativos e a realização da Conferência sobre o Clima da ONU (COP-21), que seria realizada entre os dias 29 de novembro e 12 de dezembro. O controle móvel das fronteiras iniciou no dia 13 – exatamente o dia dos atentados. O governo francês não pode, portanto, argumentar que as suas fronteiras não estavam sendo patrulhadas e que os terroristas teriam vindo de fora do país. Mesmo assim, terroristas armados circularam livremente em Paris, jogando bombas e assassinando pessoas inocentes com tiros de metralhadora e a polícia e o serviço secreto franceses nada fizeram. 
   Apesar das centenas de câmeras instaladas na capital francesa, apesar do policiamento, dos serviços de vigilância e dos serviços supostamente secretos, os terroristas agiram como se estivessem em casa. E não usavam armas escondidas, mas fuzis AK-47 e bombas. E nada foi detectado. Só muito depois de começarem os assassinatos no Bataclan é que a polícia francesa se dispôs a entrar na sala de espetáculo. 129 pessoas morreram na hora e mais de 300 ficaram feridos, muitos em estado grave, mas políticos envolvidos em tramas globais não se importam com o povo. Para eles, o fim justifica os meios. 
   E os meios empregados têm como fim provocar uma guerra contra o governo sírio e a Rússia. No dia 9 de novembro a aviação francesa resolveu bombardear o que afirmou ser um complexo petrolífero do Estado Islâmico na Síria. Foi o terceiro bombardeio francês em 2015, e com o mesmo objetivo: destruir a infra-estrutura econômica da Síria. Foi o que disse o governo sírio, ao salientar que os franceses não foram convidados a invadir o espaço aéreo sírio, somente os aliados russos têm esse direito. Anteriormente, a 5 de novembro, a França anunciou que enviará uma frota encabeçada pelo porta-aviões Charles de Gaulle para “lutar contra o Estado Islâmico” na Síria.  
   Contradição ou mentira. No dia 21 de agosto de 2014, o presidente da França, François Hollande, em entrevista ao jornal Le Monde, admitiu que o seu país entrega armamentos aos grupos terroristas que tentam derrubar o governo sírio. Salientou que as armas e munições são destinadas apenas aos “grupos moderados”. Mas não existem grupos moderados no terrorismo, ou, talvez, Hollande considere a Frente al-Nusra, aliada da al-Qaeda e do Estado Islâmico, um “grupo moderado”. Em 2012, François Hollande declarou textualmente: “A al-Nusra faz um bom trabalho na Síria”. 
   Sabe-se com certeza que a coalizão liderada pelos Estados Unidos e que tem na França um dos seus mais fiéis vassalos, finge atacar o Estado Islâmico no Iraque e na Síria, quando, na verdade, o patrocina com armamentos e dinheiro. A idéia inicial era provocar o caos nos dois países mais estratégicos do Oriente Médio – Síria e Iraque -, conseguir da ONU uma declaração de vazio de poder naqueles países – assim como fizeram na Líbia -, invadi-los e colocar governantes fantoches – talvez do próprio Estado Islâmico ou da al-Nusra. Não somente pelo petróleo e pelo gás. Principalmente pela posição estratégica que permitiria cercar o Irã e ameaçar a Rússia. 
   O plano estava indo muito bem até o momento em que a Rússia reagiu. A pedido do governo sírio, a Rússia reativou a sua base aérea em Tartus e participa ativamente do combate aos terroristas financiados pelo Ocidente. Em pouco mais de um mês a aviação russa já destruiu mais de 2.000 instalações do Estado Islâmico e da Frente al-Nusra na Síria. A coalizão liderada pelos Estados Unidos ficou completamente desmoralizada. Os planos do império, habilmente arquitetados durante vários anos começaram a ruir. Tornaram-se inúteis as ameaças aos russos – Putin declarou que a Rússia não se deixaria intimidar. 
   Em última instância, o império apelou para as armas mais à mão: os seus terroristas amestrados. Primeiro derrubaram um avião de passageiros, matando quase 250 cidadãos russos. Pretendiam provocar uma comoção na nação russa, com multidões pedindo o fim da intervenção na Síria. Não adiantou. O governo russo tem o apoio de 85% da sua nação, as forças armadas são incorruptíveis, o Congresso é um aliado. Fazer o quê? Uma declaração de guerra? A Rússia possui armas nucleares capazes de destruir os Estados Unidos em menos de meia hora, e a Europa em alguns minutos. A Rússia também seria destruída e ambos os lados, em confronto nada sutil, sabem que em uma guerra nuclear nunca haverá vencedores. 
   Então, o plano “B”. Se o 11 de setembro de 2001 provocou o impacto esperado para que a opinião pública estadunidense apoiasse a invasão do Afeganistão e do Iraque, porque não usar da mesma estratégia na França? Até então, qualquer intervenção militar mais séria na Síria equivaleria a uma declaração de guerra não só à Síria como à Rússia. Agora, com os atentados em Paris, a guerra já está declarada.  Sob o pretexto de combater o Estado Islâmico, a França e aliados como Estados Unidos e demais países da OTAN pretendem não só atacar a Síria – com ou sem o aval da ONU -, derrubar o governo e fatiar o país árabe de acordo com os interesses dos aliados regionais, como Arábia Saudita, Israel, Jordânia, Qatar e Turquia. 
   O secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, já está preparando o caminho. No dia 14, afirmou à imprensa que a Síria compra o petróleo que o Estado Islâmico rouba da própria Síria. Acredita John Kerry que os povos do mundo inteiro são iguais à mass-media alienada dos Estados Unidos: absolutamente idiotas. Por que o governo sírio compraria petróleo do seu próprio país para financiar a sua própria queda? Na verdade, quem deve estar comprando o petróleo roubado pelo Estado Islâmico são os países aliados dos Estados Unidos, como Turquia, Emirados Árabes Unidos, Qatar e Arábia Saudita. Em troca, financiam o Estado Islâmico. 
   Prepara-se a guerra com razões espúrias e pífias, como sempre acontece nessas ocasiões. Resta saber o que fará a Rússia, que só terá duas opções: reagir ou fugir vergonhosamente. Há, ainda, uma terceira possibilidade, que seria a Rússia aliar-se aos poderes do Ocidente, ao império e contribuir para a divisão da Síria, após ajudar a dar um golpe muito pacífico no governo sírio. Nos dois últimos casos, seria a Rússia a ficar totalmente desmoralizada aos olhos do mundo, perdendo completamente a confiança de países como Irã e Bielo-Rússia, que ficariam entregues à própria sorte. No entanto, há indícios de que a Rússia ainda tem dignidade.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

OS MERCENÁRIOS DO IMPÉRIO E A DIPLOMÁTICA TIMIDEZ DA RÚSSIA




Os Estados Unidos não só ajudaram a organizar o Estado Islâmico como continuam a auxiliá-lo através do envio de armas, munições e alimentos. Os túneis de mais de 15 quilômetros descobertos em várias regiões da Síria e que estão sendo bombardeados pela aviação russa provavelmente foram construídos por especialistas norte-americanos. Ainda em outubro, os Estados Unidos prometeram aumentar em quase U$100 milhões a ajuda à oposição síria, ou aos mercenários treinados por Washington. Além disso, Arábia Saudita, Turquia, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Omã, Bahrein e Kwait fornecem homens e armas para o Estado Islâmico e demais organizações que combatem contra o governo sírio. 
   No capitalismo não poderia faltar a indústria militar privada. Dentre tantas empresas de mercenários, destaca-se a Blackwater, considerada pela mídia ocidental como o “exército-sombra” dos Estados Unidos. A Blackwater conta com 23 mil mercenários em atividade, espalhados por nove países, e mais 20 mil contratados de prevenção. Sua sede é na Carolina do Norte e o Congresso norte-americano finge que não tem acesso a qualquer informação acerca da organização ou de suas atividades. 
   Desde que houve a certeza de que o Estado Islâmico é uma farsa, que não tem nada de Estado e muito menos de islâmico, voltaram-se as atenções para a Blackwater e não demorou muito para que algumas informações vazassem. De acordo com o Lebanon Press, os governos da Arábia Saudita e do Qatar estariam contratando mercenários da Blackwater. O jornal libanês informa que a contratação da empresa militar privada dos Estados Unidos é feita pelo príncipe Bandar Bin Sultan, chefe da Inteligência Geral e secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional da Arábia Saudita. 
   “(...) O destino das tropas de mercenários é o apoio aos grupos paramilitares que lutam na Síria contra o governo do presidente Bashar al-Assad, em mais uma evidência da ingerência externa no conflito. (...) A empresa norte-americana tem desempenhado um papel secreto na piora das relações nos países árabes alertados pela crise síria, que já transbordou as suas fronteiras. Exemplos são o Egito, a Tunísia e a Líbia, com ações como o assassinato dos opositores ao regime destes países e do ataque a instalações do Exército e da polícia. (...)” (http://www.dr-sergio-cruz.com/products/eua-infiltram-mercenarios-na-siria-pela-fronteira-de-paises-vizinhos/). 
   A Blackwater (leia-se Estados Unidos) formou batalhões de mercenários nos Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Qatar, Turquia e Arábia Saudita. Depois de matar 17 civis no Iraque, em 2007, a Blackwater foi rebatizada como XE Services, ou Academi, mas o novo nome não pegou. O chefe nominal da agora Academi é Eric Prince, mas a Blackwater, ou Academi, surgiu graças a pessoas como Dik Cheney (vice-presidente de George Bush e Secretário da Defesa dos Estados Unidos entre 1989 e 1993; foi o principal articulador da Guerra do Golfo e um dos arquitetos da invasão do Iraque), Donald Rumsfeld (Secretário de Defesa de George W. Bush, entre 2001 e 2006) e Paul Wolfowitz (ex-presidente do Banco Mundial, idealizador da política externa de George W. Bush; organizador da invasão do Iraque) – a nata da intelectualidade reacionária dos Estados Unidos. 
   Em 1997, com a União Soviética dissolvida e a China domesticada, os Estados Unidos e aliados se organizaram para recolonizar o mundo. Essa recolonização foi definida No “Projeto Para Um Novo Mundo” (PNCA, na sigla em inglês). Em 2000, um documento chamado “Reconstruindo as defesas americanas: estratégia, forças e recursos para um novo século” lançou as bases para a nova estratégia imperialista – que incluía terceirizar o Exército norte-americano através de “agências de segurança” absolutamente acima das leis, como a Blackwater. A formação de mercenários não está restrita à Blackwater. Existem ainda a britânica Aegis e as estadunidenses Triple Canopy, Zapata, Titan e CACI, entre outras. A idéia básica dessa empresas é recrutar pessoas de todos os países, independente de religião ou raça, e transformá-los em psicopatas, provavelmente drogados, dispostos a matar em troca de dinheiro.  
   A experiência dramática na Guerra do Vietnã traumatizou o exército dos Estados Unidos, que saiu vencido da Indochina e com muitos dos seus membros discutindo a validade de uma guerra que só serviu para enriquecer as grandes empresas bélicas e causou milhares de mortos e mutilados. Aqueles soldados usavam alucinógenos, desde a maconha ao LSD, e não se mostravam muito guerreiros, exceto os que usavam cocaína. Na guerra de Kosovo, em 1999, há informações de que os soldados da OTAN estariam usando heroína e cocaína, o que os deixava imbecilizados e prontos a praticar qualquer crime. 
   Formar pessoas aptas para matar deve ser um dos lemas dessas empresas de mercenários, recrutados em todos os países. “Terceirizar” é a palavra da moda no mundo dos negócios, e os Estados Unidos provocam as guerras, mas usam soldados de outros países ou contratam mercenários, que são atraídos pelo dinheiro, pelas drogas e pela impunidade. Altamente treinados, os mercenários não tem quaisquer escrúpulos e são utilizados tanto para provocar “revoluções coloridas”, promover sedições, assassinar chefes de Estado ou em guerras como a da Síria e do Iraque.  
   Serviços secretos como a CIA estadunidense e o Mossad israelense os encaminham para as organizações onde devem servir – seja a al-Qaeda e suas ramificações ou o Estado Islâmico – que também é uma ramificação da al-Qaeda (leia-se CIA). Os mais inteligentes são infiltrados em diversos países e organizam novas células para insuflar futuras rebeliões artificiais. 
   Assim que a Rússia começou a bombardear o Estado Islâmico, na Síria, havia a impressão que a vitória seria rápida e a destruição dos terroristas uma questão de dias. Passou-se quase um mês, o exército sírio voltou à ação, os mercenários do EI estão sendo desalojados de diversos locais importantes, mas ainda conservam uma forte estrutura graças ao apoio de novos mercenários que entram na Síria através da Turquia, da Jordânia e da Arábia Saudita e, somente em outubro, mais de 50 toneladas de armas e munições foram jogados de pára-quedas por aviões dos Estados Unidos para os militantes do Estado Islâmico, da Frente al-Nusra e outros grupos terroristas, chamados pela domesticada imprensa ocidental de “moderados”. 
   Não existe moderação no terrorismo. Tampouco o terrorismo existente, principalmente no Oriente Médio, é resultado de grupos tresloucados ou facções muçulmanas fanatizadas. Os grupos terroristas que atuam na Síria e no Iraque foram organizados detalhadamente pelos países interessados em desestabilizar Síria, Líbano, Iêmen, Iraque, Afeganistão e Irã, para depois colocar governos fantoches nesses países, com o que tomariam conta definitivamente do Oriente Médio e de suas riquezas minerais, assumindo uma posição estrategicamente dominante, de onde poderiam controlar Europa, África e Ásia. 
   Para não sacrificar os seus exércitos, Estados Unidos e seus parceiros contratam mercenários do mundo inteiro, especialmente de países do terceiro mundo, e para que os mercenários não se pareçam com mercenários e ostentem alguma legitimidade aos olhos da opinião pública, são aparelhados dentro de supostas organizações nacionalistas ou religiosas. Os mercenários recebem toda a necessária infra-estrutura dos países interessados, o que inclui armas, alimentos dinheiro, uniformes, bandeiras, uma ilusória ideologia para os mais cegos e batizam seus grupos com nomes pomposos, como Estado Islâmico e Frente al-Nusra, para que a mídia cúmplice tenha claras referências para a sua propaganda em defesa do império e de seus vassalos. 
   A Arábia Saudita está contratando centenas de mercenários da Colômbia, os mesmos que combatiam as FARC em organizações paramilitares, aterrorizando e matando camponeses. De acordo com o Sputnik News (http://br.sputniknews.com/mundo/20151102/2625482/coalizao-contrata-centenas-mercenarios-colombianos.html) “O salário médio dos soldados da fortuna no Iêmen é de $1.000 por semana.” (...) “Foi alegadamente prometido aos colombianos a cidadania nos Emirados Árabes Unidos. No entanto, o TeleSur informou que é a Arábia Saudita que contratou os mercenários.” (...) “Os combatentes mercenários colombianos tinham sido anteriormente contratados por um exército mercenário secreto norte americano, a Blackwater.” (...) No início de outubro, a Arábia Saudita confirmou a chegada de várias centenas de tropas militares sudanesas; se espera que o número total das forças sudanesas alcance os 6.000”. 
   Observe-se que esses dois países – Colômbia e Sudão – estão ocupados por forças imperialistas. A Colômbia tem inúmeras bases militares dos Estados Unidos, que estão ali a título de “combater a guerrilha”, mas na verdade, apóiam-se na Colômbia e em seu governo entreguista planejando um ataque contra Venezuela, Equador e Bolívia. Talvez com o apoio do Brasil de Dilma Roussef (ou Aécio, qual a diferença?), que mudou radicalmente a sua política externa e, em fevereiro, votou a favor de uma resolução condenando a Síria.  
   O Sudão é um país em constante guerra civil e, assim como a Venezuela, tem imensos campos petrolíferos cobiçados por muitos países ocidentais e também pela China, igualmente imperialista e não improvavelmente aliada secreta da OTAN e dos Estados Unidos, apesar das aparências em contrário. O Sudão tem exércitos paramilitares formados por mercenários que podem ser deslocados para onde o império julgar necessário. E, no momento, o império deseja esses mercenários no Iêmen, a pretexto de lutar contra a guerrilha iemenita. Na verdade, para prepará-los para um contra-ataque na Síria. 
   Khalib al Attiyah, ministro de Relações Exteriores do Qatar declarou, em 21 de outubro: “Junto com nossos irmãos sauditas não descartamos nenhuma hipótese na hora de defender a Síria”. “Defender” significa atacar. “Se o Qatar puser em prática sua ameaça de intervenção militar na Síria, vamos considerar uma agressão direta e nossa resposta será muito dura” – respondeu o vice-ministro de Relações Exteriores sírio, Faisad al Mekdad, no dia 22 de outubro. Sabe-se que o Qatar é um dos principais patrocinadores do Estado Islâmico e no Qatar existe uma imensa base militar norte-americana, chamada Central Command, de onde drones partem regularmente em missões secretas por toda a região. 
   A Turquia não fica atrás. Com a desculpa de atacar os curdos, o exército turco está pronto para a guerra e já fez algumas incursões dentro da Síria para testar a sua força. Na Turquia está a maior base aérea dos Estados Unidos no Oriente Médio – Incirlik – a 110 quilômetros da Síria, onde acabam de chegar mais dezenas de caças F-15 dos Estados Unidos. Quando houve a queda do avião de passageiros russo no Sinai, o Estado Islâmico reivindicou o atentado e o presidente turco, Recip Erdogan, comentou - segundo a agência de notícias Emirates (WAM): “Como eu posso condenar o Estado Islâmico por derrubar um avião russo no momento em que nossos correligionários na Síria estão sendo bombardeados?” 
   Na terça-feira (3), Vladimir Putin admitiu implicitamente que o avião russo foi derrubado, ao afirmar que quaisquer tentativas de assustar a Rússia seriam inúteis. Assustar é a palavra certa. Ações terroristas têm o objetivo de assustar, intimidar, amedrontar o inimigo. Até agora, no entanto, não há sinais de que o Airbus russo tenha sido atingido por um míssil. Provavelmente foi derrubado por Israel/EUA através de ondas escalares, o raio de Tesla vem sendo utilizado seguidamente por várias potências interessadas em esconder os seus feitos maléficos. 
   A todas essas a Rússia tenta o caminho diplomático, aproximando-se da oposição “moderada” da Síria, aparentemente pactuando com o Ocidente para golpear pacificamente o presidente da Síria, fazendo exercícios com a Força Aérea norte-americana, entabulando negociações secretas... Todos os erros e equívocos inerentes aos maus diplomatas ou aos países que costumam andar em zigue-zague. Por certo já percebeu que não pode contar com a China – preocupada unicamente com as suas próprias muralhas – no caso de uma guerra com a OTAN e sente-se insegura em seu isolamento.  
   O próprio governo russo, com medo de uma guerra de desgaste já está começando a dar sinais de que poderá mudar de posição ao diminuir os bombardeios diários, conversar seguidamente com representantes dos Estados Unidos e, por último e mais surpreendente: o chanceler russo, Sergei Lavrov, declarou que a Rússia estaria pronta a ajudar o que denominou de “oposição patriótica”, referindo-se ao Exército Livre Sírio – grupo terrorista organizado pelos Estados Unidos. Ajudar a “oposição patriótica” é o mesmo que colocar-se abertamente contra o governo sírio – até este momento apoiado oficialmente pelo governo russo. 
   O que fazer? A Rússia é um país capitalista. Está havendo uma grande confusão entre os grupos de esquerda que acreditam que a Rússia ainda é a União Soviética ou mesmo um país socialista. Longe disso. A Rússia é um país capitalista e age como tal. A sua decisão de combater o Estado Islâmico tem duas razões principais. A primeira é evitar a expansão do exército de mercenários patrocinado pelos países da OTAN, ao mesmo tempo em que defende um governo ainda aliado e ocupa uma posição estratégica.  
   A segunda razão é apoiar a sua indústria bélica. Atualmente, a Rússia é o segundo maior exportador de armas do mundo, atrás somente dos Estados Unidos. Somente este ano o seu complexo militar-industrial alcançou a marca de U$70 bilhões em armas fornecidas, um acréscimo de mais de 13% em relação a 2014. E continua a crescer, vendendo para países como Índia, Argélia, Iraque, Líbia, Peru, Uganda, Venezuela e Vietnã. 
   Apesar de o governo russo usar um discurso antiimperialista, não se apóia em qualquer ideologia de direita ou de esquerda. Tampouco aceita as novas premissas ocidentais que propugnam o fim dos valores tradicionais visando provocar um caos mental e espiritual, um total liberalismo de costumes que está fabricando uma massa muito fácil de manipular. A Rússia é, talvez, o último país “à moda antiga” e o seu repúdio à falsa globalização liderada pelos Estados Unidos é tão natural como alguém que busca remédios contra uma doença infecciosa. 
   Essa postura sadia é mais ofensiva ao império do que se a Rússia usasse – assim como a China – uma falsa máscara ideológica. O império não aceita concorrência e fará de tudo para destruir a Rússia, uma vez que não consegue cooptá-la para os seus planos de dominação mundial. As grandes guerras sempre aconteceram entre países capitalistas que disputavam o mesmo mercado. A Rússia não deseja a guerra e por isto tem usado o esquivo caminho diplomático, que somente dará bons resultados caso não recue timidamente como a China tem feito desde a morte de Mao-Tsé-Tung ou como fez a União Soviética ao se dissolver, preferindo a obscuridade histórica.
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