quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A QUEM ELES QUEREM ENGANAR?



Certo início de ano, que não este, depois de todo aquele auê da contagem regressiva, abraços, votos de paz e amor, etc., a Globo colocou um de seus globais para fazer um discurso de entrada de ano e lembro que uma das coisas que ele disse foi “agora acabam-se as dúvidas e as dívidas”... No mínimo risível. Mas, naquele momento de efusão, quando todos acreditavam que tudo, realmente, iria mudar, a frase passou. Depois é que as pessoas se deram conta de que nem tudo o que a Globo diz é verdade, porque depois é que veio a verdade da Vida. E a Globo é só parte dessa engrenagem, desse sistema selvagem que nos vendem como o melhor dos mundos.

       A quem eles querem enganar? Ao povo, como sempre. Ao povo, aquela massa silenciosa domada durante o ano inteiro com carnaval, futebol, drogas, bebidas, sexo e todas as ilusões possíveis, imagináveis e por imaginar, para que não se lembre da miserável vida que leva, dia após dia, com as noites sendo adocicadas com novelas e falsas esperanças e quando a velhice chega o que o espera, de verdade, é uma grande fila do SUS, que poderá, ao fim, minimizar ou não as suas dores, um salário mínimo pela metade e a total desesperança de mais nada.

       Agora que entramos em um novo ano, novamente aquela festa de faz de conta, quando todos fingem que estão felizes e que desejam que todos tenham tudo – “principalmente saúde, o resto vem depois” – mas, no dia seguinte, agora, o que acontece? A Vida cai em cima. Todos os problemas não acabaram, você não ganhou a mega sena ou a loto ou coisa parecida e, na verdade verdadeira, passou apenas mais um dia e se você não fizer por você mesmo, não for à luta e reivindicar os seus direitos, do jeito que der, mas lutando, nada vai mudar mesmo. E tudo que eles querem é que você não se dê conta disso, que você não lute, não reivindique, que finja estar dentro de um eterno sonho cheio de bons fluidos e cuecas amarelas ao fim de cada ano, e mais nada.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A ÚNICA CERTEZA

a única certeza
é aceitar
cada segundo
como perpétuo único





segundo
como primeiro último
segundo

aceita correnteza
carregar
os remoinhos a espuma
do próprio dorso líquido
e os espumantes remoinhos
de outros dorsos
que perderam o dom de correnteza

aceita correnteza
carregar
fluir a herdada carga
até o mar
e transformar-se em maresia
e esperar
a próxima maré

a única certeza
é maré
repouso à correnteza

ouvir o vagaroso avolumar-se
do murmúrio imensurável
entregar-se ao pressentido inevitável
sem debater-se em equívocos repuxos

e ir ao encontro
do mais profundo dos profundos

eternal agitação, perfeita calma.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

2010 - ANO UNIVERSAL 3


Em 2010 estaremos em um Ano Universal 3 ou o terceiro ano de um ciclo universal de nove anos que teve início em 2008 (Ano Universal 1).


   Se o Ano Universal 1 é o ano que favorece novos acontecimentos e realizações e o Ano Universal 2 é o ano da ponderação, da escolha e do pensamento sóbrio, o Ano Universal 3 dá a possibilidade de expansão em todos os setores. As pessoas estarão mais propensas a buscar novos caminhos que levem ao progresso e ao bem-estar. Para isso, no entanto, será necessário muita luta, porque essa necessidade de progresso implicará em muitas cobranças dos setores sociais em relação aos seus representantes. Nem as eleições nem a Copa do Mundo poderão ser usadas como agentes de atenuação das lutas sociais, que deverão ser muitas e constantes.
   No Brasil, apesar dos esforços do governo em buscar diminuir as desigualdades, muito mais será exigido para resolver questões que até hoje foram relegadas para segundo plano, como a reforma agrária e a extrema pobreza da grande maioria do povo brasileiro.

   No mundo, as lutas pelos direitos sociais poderá provocar maiores conflitos, não só entre países como, também, as lutas ecológicas serão aprofundadas e os governos severamente questionados. A energia gerada poderá redundar, também, em muita criatividade nas artes e na ciência.

   Individualmente, as pessoas procurarão se engajar em causas populares e em atividades que digam respeito a melhorias sociais e cívicas. Haverá muito nervosismo e necessidade “urgente” de lutas reivindicatórias. É claro que aqueles 10% que tem tudo e controlam a economia procurarão obstar essas lutas sociais, o que poderá provocar conflitos.


   Se o Brasil ganhará a Copa do Mundo ou se teremos uma Miss Universo? Há boas probabilidades, mas isso é realmente importante?

sábado, 19 de dezembro de 2009

EM RITMO BÚDICO DE BLUES


Muito antes do número das revelações,
quando o Nôus ainda esperava o não-empurrão do não-Nôus,
quando a aparência era ainda uma gritante expectativa
dos mais surrealistas
e o desejo uma possibilidade numérica,
O Louco iconoclasta, o Andarilho,
passeava em ritmo búdico de blues
- entre pura emotividade e Nirvana absoluto -
nas múltiplas possibilidades de si mesmo
da paródia da paródia da paródia
ao borbulhante esfaquear da cachoeira
a cada gota.

QUANTO AO OBAMA...



Quando o lixo da Europa foi para a América do Norte formar o que hoje conhecemos como Estados Unidos, o mundo ficou de sobreaviso. Aquele povo, formado por bandoleiros, traficantes, piratas e escravagistas, logo após a sua independência se sentiu livre para saquear e assassinar os demais povos.


   Começaram por dilacerar todas as suas nações indígenas. Depois invadiram o México e tomaram quase dois terços do seu território. Com isso, conseguiram vastos campos de petróleo, ouro e outras riquezas. Empregaram essas riquezas para aumentar as suas Forças Armadas e tentar dominar os demais povos do sul – América Central e América do Sul. Deram-se conta de que era mais fácil “prosperar” através do terror e da pillhagem do que com o trabalho honesto, e gostaram da idéia.
   Ao mesmo tempo, usavam a escravidão como forma de enriquecimento. Com a industrialização, perceberam que era mais barato ter assalariados do que grandes quantidades de escravos. O assalariado tem que manter-se por si mesmo com a miséria que recebe, enquanto o escravo demandava grandes gastos. Fizeram a guerra contra os estados do sul, que não concordavam com essa idéia e dependiam de seus escravos para a manutenção de suas grandes plantações de algodão. Com a vitória na Guerra da Secessão, aumentaram ainda mais a divisão entre pobres e ricos, formaram uma nova elite – que já se propunha um plano de dominação mundial – e posaram de heróis para o mundo.
   Instigaram as duas grandes guerras européias, e delas participaram com o único objetivo de auferirem grandes lucros. Expandiram as suas empresas e dominaram o mercado mundial. Com o fim da União Soviética, aumentaram ainda mais o seu domínio.
   Enquanto isso, construíram uma grande máquina massificadora. Através do cinema e dos demais meios de comunicação tentavam convencer os povos de que todas as suas ações eram justificadas, “em nome da democracia e da liberdade”. Suas agências de notícias vendem informações para todo o mundo, as informações que eles desejam que sejam veiculadas. Com isso, conseguiram formar uma massa imbecilizada de bilhões de pessoas.
   Recentemente, invadiram o Iraque e o Afeganistão. Não somente para roubar as riquezas daqueles países, mas para ocupar uma estratégica posição com os seus exércitos. O próximo alvo é o Irã, depois, virá o Tibete, a China...


   Nunca se preocuparam com a Natureza. Ao contrário, a sua política sempre foi a de “dominar” a Natureza e não respeitá-la. O resultado estamos vendo agora.
   Na recente Conferência sobre o Clima, em Copenhague, negaram-se, mais uma vez, a auxiliar o planeta. E as pessoas se perguntam: “Mas são burros? São suicidas?” Talvez. Mas o mais provável é que já tenham pronto um plano para salvar as suas elites quando as grandes catástrofes aumentarem. Talvez seja um bom negócio para eles, que só pensam no lucro, gerenciar somente alguns milhões de pessoas, e não seis bilhões.




   Quanto ao Obama...

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

300 TANQUES CHEGANDO


 As forças armadas brasileiras estão felizes. Temos mais 300 tanques de guerra chegando da Alemanha. Ainda não sabemos para que, mas supõe-se que sejam para guerra. É claro que, em existindo forças armadas, elas deverão ser devidamente armadas com o que de melhor há no mercado. Mercado armamentista, é claro. Agora, pensando bem, contra quem vamos guerrear? Contra ninguém, responderão os militares, “Exército, Marinha e Aeronáutica deverão estar bem armados para defenderem nossas fronteiras”.

   Óbvio, mas defenderem de quem? Para não dar muito na vista, esses tanques não foram encomendados dos Estados Unidos, mas da Alemanha. Mas, se analisarmos bem a Alemanha pós-1945, ela nada mais é que uma colônia dos Estados Unidos. Simplesmente o principal aliado dos EUA, depois da Grã-Bretanha, na Europa. Hoje, a Alemanha é um país domesticado, devidamente incluído dentro dos planos globalizadores do império. O povo alemão se curvou aos desígnios dos EUA e parece estar feliz assim.
   E nós compramos tanques deles. Com essa estranha política externa do governo brasileiro, que inclui a ocupação do Haiti a pedido dos EUA, tudo pode acontecer, até uma guerra. Devemos lembrar que a ideologia das forças armadas brasileiras é a mesma da época da ditadura militar – extrema direita. O que houve nos anos ’80, com a Constituinte e a chamada “normalização democrática” foi um pacto de elites, mas nada mudou no âmago do poder brasileiro. Lembrem, também, que nossos militares mais graduados continuam sendo treinados em bases dos Estados Unidos. E somem dois mais dois.


   Hugo Chávez que se cuide!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

ECOS

Me oferece a Odisséia.

Ah!... e a Blavatsky,
O Castañeda
E a Divina Comédia


( Onde é tão difícil chegar ao Céu )

Para que eu possa viajar
                                            Buscar
                             Enfrentar
                             Ousar


Como um espadachim que luta com a sua sombra
               Em eterno duelo de egos
               - Ecos de ecos na bruma... -
Tento dizer não
Ao medíocre previsível


Quero a Odisséia
E a possibilidade de falar com deuses,
Amar ninfas de única beleza e volúpia
E mostrar-me guerreiro às sombras do Hades


( Como na Divina Comédia onde é tão difícil chegar ao Céu )


Me oferece a Odisséia?

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Último pensamento de Ícaro


Eu sou
           aquele
que,
nas costas,
entre as omoplatas,
tem um labirinto.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

SOBRE O CÓDIGO DA VINCI






      Todos os que leram “O CÓDIGO DA VINCI”, de Dan Brown, devem ter ficado um pouco decepcionados com o final de típico “happy-end” norte-americano.
     No fim, o mocinho fica com a mocinha e o mundo continua girando como sempre. Tudo está bem e podemos dormir tranqüilos.
     Depois daquelas incríveis peripécias que duram quase 24 horas, percebe-se que, na verdade, nada foi revelado. Nada de novo. Nada que seja, comprovadamente, verdade.
     Mas o que surpreende, de fato, é a incrível cara-de-pau com que o autor defende os privilégios da aristocracia e da nobreza.
     Baseado na falsa e romanceada tese que Maria Madalena teria tido uma filha de Jesus e que essa filha teria dado origem à casa dos Merovíngios, de onde provieram os reis da França e, depois, de outras dinastias européias, Dan Brown defende, descaradamente, a sacralização da monarquia.
     Para os milhões de leitores que leram e acreditaram nas informações contidas no livro foi passada uma mensagem subliminar de que a nobreza, a monarquia, é algo sagrado a ser preservado indefinidamente - mesmo nos países democráticos - mas com uma casa real sustentada pelos impostos cobrados ao povo.
     O livro também é claramente sionista, na medida em que a filha de Jesus e Madalena seria descendente das casas de Judá e Benjamin, respectivamente, e, portanto, teria o direito ao trono assegurado.


     Simples assim. A tese do Direito Divino ressuscitada em pleno séc. XXI.


     É claro que o autor tenta encobrir essa tese através de um romance de muita ação, com múltiplas informações superpostas, colocadas de maneira a parecerem verdades incontestes.
     As novas informações somente parecem “novas” pela forma de “thriller” com que foi escrito o romance.
     Autores bem mais conceituados que Dan Brown, como Juan Atienza, em “O Legado Templário” e Umberto Eco em “O Pêndulo de Foucault” trataram de questões como Santo Graal, Templários, neopaganismo, etc., de uma maneira séria e desmistificadora.
     Ao contrário de Dan Brown, que, em seu livro, coloca em destaque e relevo a burguesia e a monarquia como os únicos e legítimos detentores da verdade.


     Devemos sempre ficar atentos quanto a esse tipo de literatura, porque o imperialismo cultural e a massificação não se fazem apenas através de revistas, jornais e mídia televisiva. E temos uma nova geração sedenta de novidades e disposta a aceitar qualquer "verdade" que se lhes imponha. Principalmente sob a forma de romance.


     Quanto à “Santa Ceia”, de Leonardo Da Vinci... Se Maria Madalena é João, onde está o apóstolo João? Teria ido ao banheiro?


sábado, 28 de novembro de 2009

ILHA

Pântano,
Dotado da malícia
Que a todos atrai.
Estiar-se em tédio
- Arisca espera -
Dúbio, majestoso...
Dotado da malícia
Que a todos atrai.


Ilha,
Nudez soberana
Que a todos seduz.
Por expor-se inteira
- Altiva, sábia -
Em solene solidão...
Nudez soberana
Que a todos seduz.

 
Farol,
Ferindo a plena noite
Que a todos possui.
Em densa, pura, chama
- Tonto, extasio êxtase -
A inebriar os abismos...
Ferindo a plena noite
Que a todos possui.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

PAULO FREIRE E A AÇÃO PELA LIBERTAÇÃO



(Foto de Lidia Amaral)

Todo ensino é fascista, pois todo ensino impõe verdades. Ou: todo ensino será fascista enquanto servir para veicular uma visão de mundo não comprometida com o desenvolvimento individual, com o crescimento individual, e, consequentemente, com o aperfeiçoamento social. Todo ensino será fascista enquanto for objeto de manipulação das classes possuidoras, dominantes; manipulação voltada para a preservação do status quo, para a perenidade do estabelecido.
        O verdadeiro ensino é aquele que não manipula, não se impõe como verdadeiro e único, mas é aberto a todas as possibilidades, e tem como premissa principal a crítica constante.
        Estas são algumas das colocações de Paulo Freire em “Pedagogia do Oprimido”, livro sempre atual onde procura analisar a estrutura do ensino nos países capitalistas, marcadamente o Brasil.
        O Brasil, apenas como ponto de referência, pois a realidade sócio-cultural revista por Paulo Freire diz respeito a todo o contexto latino-americano, e, por extensão, aos países do terceiro mundo.
        Para essa análise é necessário rever os pontos de encontro da relação opressor-oprimido.
        Do ponto-de-vista do oprimido, Ser é igual a Parecer, e parecer é “parecer com o opressor”. Aceitar o opressor. É claro que do ponto-de-vista do oprimido alienado, bitolado, cúmplice do opressor, a quem aprendeu a reverenciar e temer. Aprendeu, também, a admirar e aceitar os valores da classe burguesa como únicos, verdadeiros e absolutos.
        Essa aceitação é tão forte que, quando o oprimido consegue “libertar-se” – por lhe ser facilitada alguma ascensão social – assume os valores burgueses que combateu; torna-se, por sua vez, opressor.
        O medo da liberdade concorre para a formação “prescrita” da consciência do oprimido, ou “de” oprimido. E aí entra outro fator: a Prescrição.


“Toda prescrição é a imposição da opção de uma consciência a outra”.


        A consciência recebedora da prescrição é a consciência hospedeira da consciência opressora. “Por isso, o comportamento do oprimido é um comportamento prescrito”.
        Por isso o medo da liberdade. Pois a liberdade, de acordo com a consciência que prescreve, é apenas a liberdade de usar calças de brim, desde que estas estejam na moda. O que fugir disso, qualquer tentativa de especulação supra, é imediatamente desestimulada e qualificada de utópica. A não ser que realmente seja uma especulação utópica, como a tentativa de provar a existência de Deus, de classificar o sexo dos anjos. Isso pode.
        A primeira luta pela liberdade, pelo “Ser Mais” é a luta consigo mesmo. Contra si. Contra a alienação que resulta da prescrição. O oprimido é um castrado no seu poder de recriar o mundo.
O oprimido também é um opressor, e sua libertação consiste em superar essa contradição, em se desalienar, em superar-se.
        É necessário o reconhecimento do limite que a sociedade opressora impõe ao oprimido. E esse reconhecimento deve servir como motor de sua ação libertadora. A contradição somente pode ser superada “quando o reconhecer-se oprimidos os engaja na luta por libertar-se”.
        Ser Mais, para Paulo Freire, é a primeira meta de todo indivíduo. Para o oprimido, Ser Mais consiste, primeiro, em se desvincular da estrutura opressora. E essa desvinculação só acontecerá quando houver uma exigência radical da transformação da situação concreta que gera a opressão. A realidade opressora, sendo “funcionalmente domesticadora”, deve ser suprimida e dar espaço a uma nova realidade, sem opressores e oprimidos.


        A pedagogia do opressor “é instrumento de desumanização”. Sua única finalidade é manter a própria opressão.


        A Pedagogia do Oprimido consiste em enfrentar, culturalmente, a cultura da dominação. De duas maneiras:


1. Percepção do mundo opressor;


2. Expulsão dos mitos criados e desenvolvidos na estrutura opressora, e que se preservam como espectros míticos na estrutura nova que surge da transformação revolucionária.


        O opressor consciente de sua situação como tal, deve solidarizar-se, não de maneira paternalista, mas engajando-se na mesma luta de libertação dos oprimidos, na mesma práxis – procurando transformar a realidade objetiva.
        A supressão da contradição opressor-oprimido só se pode verificar objetivamente. Esta é uma exigência radical: a da transformação objetiva da situação opressora. Radical, porque combate um imobilismo subjetivista que transforma o ter consciência da opressão “numa espécie de espera paciente de que um dia a opressão desapareceria por si mesma...”.
        A ação pela libertação, para a Revolução, não poderá ser puro ativismo, porque a Revolução possui caráter eminentemente pedagógico. Ao se transformar a realidade opressora, o homem que participa dessa transformação, transforma também a si mesmo, liberta-se do opressor que até então conduzia dentro de si.
        Daí o caráter pedagógico, dialético, da transformação, da Revolução, que deve constituir-se, fundamentalmente, em duas distintas etapas.
        A primeira, “em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se, na práxis, com a sua transformação”.
        A segunda, em que, “transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação”.

domingo, 22 de novembro de 2009

GATOS

enrodilhados
enrolados enlaçados
olhos olhos olhos olhos
corpo maciez ronronar
independência



a solene solidão de sonhar
o olhar esguio lânguido solerte
o desafio a sedução a dúvida

GATOS

esguio-me intenso
eriçados pelos pele morna
sou
somente olhar em meu escuro espelho
volátil denso titubeante alerta
luto as lutas da saudade
sinto
meu sereno espreitar felino







sábado, 21 de novembro de 2009


CAMINHANTE DA GALILÉIA

- Não há a menor dúvida quanto a isso, companheiro: eu ainda sofro da “doença infantil do esquerdismo”. A única vantagem é que sei disso. Quer dizer, nem tudo está perdido.
- E como, com esses vícios, pretendes contribuir para o movimento?
- Tendo consciência dos vícios, procurando comportar-me a cada dia melhor...
- Tu falas como um budista, um seguidor ortodoxo dos Oito Caminhos à procura da perfeição, pretendendo alcançar o Budhi através do estado de Nirvana, mas tendo antes de atingir o estado de Nirvana e para isso é preciso seguir os Oito Caminhos e para seguir os Oito Caminhos é preciso, etecetera, etecetera e tal. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, cara. Toma um mate. Desculpa a mão: é a do coração.
- Tudo bem, mas é o ;ultimo, porque já estou verde por dentro.
- Ou vice-versa, como a piada da abóbora que os integralistas tanto gostam de contar, não é? Eu sei que tô parecendo um inquisidor te fazendo tantas perguntas, mas é preciso, tu sabes, a vida de vez em quando é coisa séria. Sabe aquela canção do Chico: “Canta a canção do homem/canta a canção da vida...”- algo assim. Mas sem ufanismo, sem frescura, sabendo porque cantar. Não sei se tô conseguindo me explicar; até parece que tô tentando me desculpar, mas não é isso.
- Eu sei, entendo, vai firme.
- Por quê essa fixação na postura correta? O que é a postura correta para ti?
- Tentar extirpar os vícios burgueses e tudo o mais, em resumo.
- E que são vícios burgueses?
- Ora, o espírito de competição.
- E como pensas acabar com o teu espírito de competição se não competires contigo mesmo nesse sentido?
- Não tinha pensado nisso. Mas acho que dá. Não é bem uma competição comigo mesmo...
- Mas é o sobrepujamento, o esmagamento de um lado por outro, ainda incipiente.
- Que está nascendo, mas com muita força.
- Mas, por estar nascendo, não é mais forte que o outro.
- Nem menos forte, pois possui a força do imaculado.
- Tu percebeste a palavra que dissestes?
- Que palavra?
- Imaculado.
- E daí?
- Daí, que é uma palavra de clara influência religiosa.
- É mesmo, eu não tinha percebido, tu vê! O meu subconsciente é mesmo mal-educado.
- Por quê? Tu tá com algum sentimento de culpa?
- Bem, não é mesmo um sentimento de culpa, mas sim a percepção de um detalhe não muito abonador.
- Por quê não? É apenas uma palavra, e o vocábulo, em si, não é mau nem bom. Nada “em si” é bom ou mau. A manipulação do vocábulo é que faz com que ele seja mais ou menos fascista.
- Eu sei. Eu também li Barthes.
- Parabéns. Daí, porque tu não precisa ter medo de uma palavra. A não ser que ela carregue em si toda uma carga intencional.
- E a que eu disse, carregava?
- Creio que não. Ela deve fazer parte daquele lado que queres esmagar, não? Deu pra sentir que não é fácil, não é ?
- Só não é, só não é...
- Tu não podes simplesmente dizer para ti que não és mais um competidor. Mesmo porque, se isso fosse verdade, quem seria mesmo esmagado, sem a mínima piedade, seria tu, não é?
- É. Quer dizer que eu tenho de me conservar de uma certa maneira ainda competitivo, embora sabendo que é um modo de pensar e agir manipulado, que atende aos interesses burgueses?
- Mais ou menos isso. Mas sem máscaras, meias-verdades. Tu tens que ser sincero contigo mesmo. Aquela história de César e de Deus, que já foi explicada por aquele tal caminhante da Galiléia, ou da Judéia, não sei, ou das duas, ou de tantas outras, tanto faz!...Aliás, um cara que eu respeito muito; nada contra a pessoa dele: seria um excelente companheiro. Mas tem mais uma coisa, que talvez seja o principal: e os pequenos luxos, os pequenos confortos?
- Mas eu vivo em um mundo capitalista. Não posso negar a realidade que me cerca. É claro que sempre estarei à disposição dos companheiros e tudo mais...
- Não é o suficiente. Tu tens que te entregar todo. Ficar completamente disponível. Livre de qualquer relação mais íntima que possa te tolher, sem preocupações materiais de qualquer espécie. Tu te entregas todo e nós cuidamos de ti. É a única condição.
- Mas eu não tenho todo esse preparo. Não posso me dispor inteiramente. Tenho pais, mulher, filhos, emprego, compromissos sociais, diversos vínculos, amigos - alguns alienados, mas amigos, enfim - toda uma gama de relações que me seria impossível cortar de repente - nem eu desejaria. Eu posso, é claro, dar minha colaboração de acordo com as possibilidades.
- Não dá. Nós estamos falando da parte séria da vida. A vida verdadeira. E quando se descobre esse lado, ou é a entrega total ou não é nada. A teoria é a prática total.
- Assim é duro demais.
- A vida verdadeira é dura demais.
- Pois é...assim já fica difícil...mas eu não tô desistindo não. Me dá um tempo pra falar com o pessoal, pensar...
- Não há mais tempo. Eu já estou de partida. Ou vem ou fica.
- Bem, eu fico então. Não dá pra sair assim correndo. Tu entende, não é?
- Entendo. A gente se vê.
- Espero que sim. Até. Não leva a mal.
- Até.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O TEMPO


O Tempo veio e não disse nada.
Não avisou,
não sentenciou,
não corrigiu.
Veio.


Fez, então, as diabruras
que lhe estavam destinadas.


Depois, foi indo, devagar,
sem dizer nada.


Sem avisar,
sem sentenciar,
sem corrigir.


Foi.

ALIENAÇÃO


Usa-se a palavra alienação, vulgarmente, para designar o estado de auto-reclusão em que determinadas pessoas, ou grupos de pessoas, se colocam em relação às questões sociais, como se existissem fora da sociedade ou formassem uma sociedade à parte, independente da grande maioria.
    O alienado social não é encontrado apenas dentro de uma classe ou estrato social. Há alguns tipos, que poderiam, a fortiori, ser assim classificados:


A MASSA (ou mass-media)


          Incluindo todas as pessoas massificadas, pessoas manipuladas, geralmente pela mídia, que seguem determinado padrão de comportamento em cada momento de suas vidas, acreditando que o fazem de plena consciência. Para essas pessoas, que perpassam as diversas classes sociais, o outro (e as questões sociais) é apenas uma questão de competição, ou seja, o outro é visto como aquele que pode tirar o seu lugar, e, portanto, deve ser derrubado, anulado.




O ALIENADO INDIVIDUALISTA


          Geralmente pertence a uma classe social mais culta, que se pretende mais esclarecida. Pessoas que tem acesso à cultura oficial e que a repassam sem discussão. Recebem um determinado tipo de cultura – a cultura oficial, academicista – a assimilam e a repetem, como se somente dentro de seu meio acadêmico existisse o que entendem como verdade. São repetidores – também chamados de professores - que formam novos repetidores. Caracterizam-se por evitar a discussão social, fugindo de todo e qualquer envolvimento que não seja o acadêmico. Criam o seu próprio mundo, compartimentando-o, delimitando-o de maneira natural e clara, e dentro dele interagem com aqueles que consideram seus iguais.




O ALIENADO MANIPULADOR


          Geralmente são pessoas que pertencem aos meios de comunicação social – jornalistas e publicitários. São alienados na medida em que se distanciam do apelo das grandes massas populares. Ao contrário, trabalham no sentido de minimizar esse apelo, procurando maneiras de tornar as pessoas mais dóceis, mais acomodadas à própria situação social, por pior que seja, fazendo com que acreditem que as coisas nunca vão mudar e que o que interessa é aproveitar os raros momentos em que é possível “gozar a vida”. Com esse objetivo, fazem a apologia de todos os prazeres e vendem a ideologia da liberdade sem freios.
              A esse tipo de alienado manipulador, mas sob um outro prisma, uma outra forma de atuação, também pertencem todos aqueles que se dizem donos da verdade, de alguma religião ou seita, fazendo com que as pessoas – seus adeptos – vejam a vida de forma exclusivamente maniqueísta, emudecendo sua capacidade de crítica e sua força criativa.
              Os três tipos de alienados citados acima, são, aparentemente, os principais, aqueles que atuam mais claramente dentro da sociedade, ou como massa de manobra, ou como formadores da inteligência conservadora ou como elementos predadores e claramente desagregadores.
              Mas todos os três são, por sua vez, consciente ou inconscientemente, manipulados maquiavelicamente pela classe que os gerou e que procura alimentá-los: os donos dos meios de produção que formam a grande burguesia. É essa classe, que, devido à sua necessidade estratégica de contínua sobrevivência, faz com que a Sociedade se subdivida em estamentos, que, mesmo móveis, se sobrepõem uns aos outros, formando a pirâmide social que tem em sua base uma imensa maioria de miseráveis, em seu meio uma classe média que se dessangra para alcançar um grau mais alto enquanto perde o último resquício de consciência e capacidade crítica.
              No cimo da pirâmide, os representantes da oligarquia que governa o mundo e que manipula os cordéis da alienação social em seu proveito.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

GERMAN. ALBION.


Chego em casa de German. Está tocando a sua velha e cansada música. "Está ficando eterna", comenta, "o problema é que eu é que não sou eterno. É a única composição não composta que conheço".
German está num daqueles intoleráveis dias de auto-piedade. "É que não sei nada de música. O piano me atrai, por isso vou até ele e tento fazer alguma coisa, alguma coisa... mas sempre sai a mesma música, esqueço todos os ritmos que conheço. Aliás, não sei executar ritmo algum, e sempre sai a mesma e entediada música (desculpa, musiquinha, eu gosto de ti). Corrijo, ela não me entedia. Ao contrário, funciona como catarse - será que a colocação está certa? - ou como elemento catalisador de meus sentimentos - mas aí fica pedagógico demais, não é? Então vamos dizer assim: eu, German, não sou o Rei dos Pirineus!"
Deixo German falar. É a única maneira de acalmá-lo, fazer-me de compreensivo, uma espécie de analista sem sofá. Se bem que German talvez seja a única pessoa que conheço que não precisa de análise. Está satisfeitíssimo com o seu mundo. Na verdade, a auto-piedade é uma maneira de justificar aos outros o seu isolamento, sua aparente ruptura com o mundo. Ele se achincalha antes que os outros o achincalhem: o que sobrar é lucro.
German se superestima. É uma espécie de Narciso moderno que faz seus próprios espelhos - bem aconchegantes, de preferência.
Descobri isso agora e digo tudo para ele sem lhe dar chance de me interromper. Ele apenas me observa, com aquele olhar analítico e desconfiado de olheiro de seleção de amadores.
German é assim. Feito de longos discursos e longas pausas. Mas desta vez não posso lhe dar a vantagem da pausa, e digo: German, eu não vim aqui para intelectuar ("intelectuar" é uma palavra que German descobriu e me fez incluir em um de meus poemas; German também faz às vezes de crítico de arte) - a gente precisa bater aquele papo.
- "Qual deles?"
- Sobre Rita.
- "Rita é incrível!" - e esse incrível bate lá dentro e volta. É mais do que eu poderia dizer.
(Ó, German!, porque tens sempre a palavra certa no momento certo?)
Mas não posso pensar. Não posso lhe dar tempo para pensar. Insisto: - tu não tens sido honesto comigo, tens saído com ela e eu não gosto disso, embora possa parecer chauvinismo. Eu sei que tem essa estória de libertação da mulher e pá-pá-pá, mas qual é?!
"Tudo bem, cara". German acende um cigarro, sorri para mim com o mais angelical dos sorrisos: "eu já disse que não sou o Rei dos Pirineus, um título que caberia melhor a ti, pela juventude, força e beleza - se queres ouvir elogios. Mas não posso me impedir de gostar de Rita, de amar Rita, de me sentir feliz por Rita existir. Mas tudo bem, eu não fui nem serei - talvez já tenha sido em priscas eras (a literatice proposital de German é o que faz com que German seja German - como odiá-lo?) - o Rei dos Pirineus, quero dizer, podes me chamar de Albion, se quiseres, mas estou aqui, com a minha eterna música não composta e com Rita, se ela me quiser - assim e apesar de - independente da tua existência ou da relação de vocês".
Nova pausa. German continua fumando, mas seu olhar, agora, é mais sincero. Levanta-se, brinca com as teclas, senta na banqueta, recomeça a tocar.
Está de costas para mim, eu poderia matá-lo. Seria o trágico e esperado fim. "Você poderia me matar. Estou de costas, não iria me defender. Seria o trágico e esperado fim, não?"
Eu me aproximo, toco-lhe o ombro em sinal de despedida, acaricio seus cabelos como quem acaricia um gato (terei ouvido German ronronar?). É impossível atingir German.
Desço as escadas com aquele som martelando, martelando. Na calçada, lembro que German não me ofereceu chimarrão.
Vou ver Rita, penso. E caminho decidido.
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