quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

NÓS SOMOS O ESTADO


Muitas vezes, na História, temos nos deparado com situações em que essas duas expressões - a Justiça e a Lei - e seus significados, batem de frente, entram em atrito. Isto, porque, também muitas vezes, governos necessitando de legitimidade, ou seja, governos ditatoriais, através de decretos, atos institucionais, ou, até, medidas provisórias, promulgam leis nas quais está contida a marca do seu atropelo à Justiça.

    Temos como exemplo da história recente brasileira a ditadura militar, que, para parecer legítima aos olhos do mundo - e até aos olhos do próprio povo brasileiro - editou o que foi chamado na época de Atos Institucionais. Esses "atos institucionais" procuravam justificar, sob a máscara da "Lei", as arbitrariedades cometidas contra todos aqueles que não concordaram com a nova situação política.
    Era o reinado da arbitrariedade sob justificativa legal, e quando há despotismo não há Justiça.

    O oposto também acontece. São os casos dos povos que se sentem injustiçados, que, não tendo alternativa, rompem com a Constituição, atropelam as leis e impõem um governo revolucionário, em nome e em defesa da maioria do povo. Ou seja, o povo em busca de justiça derruba as leis que o oprime, e muda o chamado "estado de direito".

    Para que isso aconteça é necessário que as pessoas tenham a consciência de que nós somos o Estado e que cada um de nós é, potencialmente, autor de sua própria história, assim como o povo em conjunto pode e deve ser o autor da História do seu país.

    Mas o povo é composto por indivíduos. Os indivíduos se agrupam em células sociais, comunidades, cidades, estados que tem em comum a língua, os costumes e a cultura. Dos costumes surgem as leis, que, pressupostamente, deveriam reger o modo de viver dos cidadãos; impor limites e resguardar direitos.

    No Brasil, os responsáveis por fazer cumprir as leis pertencem a um corpo ao qual chamamos de "Estado". Esse corpo estatal é composto por três órgãos: Legislativo, Executivo e Judiciário. Teoricamente, os três órgãos que compõem o Estado deveriam agir de maneira autônoma, independente, mesmo que relacionados entre si.

    Ao Legislativo cabe legislar, fazer as leis; ao Executivo, fazer cumprir as leis, representar a nação que compõe o corpo estatal e cuidar da liberdade e dos direitos dos cidadãos que compõem a nação; ao Judiciário cabe julgar as demandas (em última análise, os processos) que a ele chegarem.

    Como vivemos em uma federação, o país é composto de diversos estados, até certo ponto autônomos do governo central, cada um deles representando uma região com seus costumes e culturas próprias. Cada um desses estados tem, a exemplo do governo central, seus três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Também a exemplo do governo central, que tem seus ministérios, secretarias e autarquias, cada um dos estados que compõem o país também tem suas secretarias e autarquias.

    E ainda temos as cidades e municípios que fazem parte de cada um dos estados do país. Diretamente ligadas ao estado a que pertencem, cada uma delas também tem seus três poderes.

    Isso é chamado de sistema representativo dentro de um regime democrático. Representativo e democrático, porque supostamente o Povo é representado democraticamente, uma vez que elege seus representantes a cada dois anos para cada uma dessas instâncias.

    Quem originou tudo isso, que é a razão de ser desse Estado extremamente burocrático, é o Povo; e o Povo é composto por cada um de nós. Logo, o Estado somos nós. Nós somos o Estado.

    Mas a coisa é feita de tal forma que as pessoas acabam pensando - e acreditando - que o Estado é o patrão delas, quando é exatamente o contrário: o Estado depende de cada um de nós para existir.

    Na verdade, a palavra "Estado", quando se refere a corpo estatal, significa uma entidade abstrata, que só se corporifica na mente de cada um de nós e na medida em que essa entidade passa a nos atingir através de seus afiados órgãos.

    É o "Estado" que cobra impostos, taxas, tributos os mais diversos. E a própria palavra "imposto" diz por si mesma.

    É o "Estado" que nos impõe o que chama de "políticas públicas" e que, geralmente, não tem nada a ver com o público, com as pessoas, individualmente.

    É o "Estado" que pactua com outros "Estados", sem que saibamos exatamente quais seus objetivos ou seus interesses nesses pactos. E a isso o "Estado" chama de "política externa".

    É o "Estado" que, através dos meios de comunicação que o servem " e aos quais ele serve " torna o povo cada vez mais massificado, alienado e idiotizado.

    É o "Estado" que, através de sua ideologia segregacionista e selvagem, faz a divisão de classes, o aumento da miséria, do analfabetismo, da doença e da violência social.

    É o "Estado" que torna o indivíduo massa de manobra a ponto de fazer com que as pessoas acreditem que tudo isso é "Democracia".

    Mas porque o Estado age desta maneira despótica e maquiavélica? A quem serve? Quais os seus objetivos?

    O único interesse do Estado é servir a si mesmo, ou seja, àquele grupo de pessoas que constitui a máquina estatal. O único objetivo dessas pessoas é a perpetuação no Poder e elas servem somente a si mesmas.

    Para isso, usam de todas as maneiras de que dispõem, para que as demais pessoas não despertem e se dêem conta da realidade.

    Observem como os deputados e senadores trocam de partido de acordo com as conveniências e não de acordo com a ideologia partidária. Porque a sua ideologia é a do poder pelo poder.

    Vejam a morosidade do Judiciário no Brasil, onde os processos só "andam" para quem tem dinheiro.

    Percebam como os presidentes que se sucedem no Poder somente mudam de cara, mas pertencem, todos, ao mesmo clube.

    Enquanto isso, a massa domesticada ganha o seu carnaval anual e o seu futebol duas vezes por semana; digere sua subcultura importada e acredita que as coisas são desse jeito porque Deus quer. É mais fácil pensar desse modo. E é o modo que os donos do poder querem que todos pensemos: comportadamente.

    O que eles não querem, o que eles temem, é que nós, o Povo, tenhamos a consciência de que somos o Estado. Esta possibilidade os aterroriza.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

TAMBÉM O CISNE...


Também o cisne e a taverna e os anos vinte
brincavam de poeira no meu colo. Cerzia a noite inteira
esse requinte de me fazer de tolo. Havia o subsolo passadio,o passadiço para o sobressalto, o salto mais que o sobre do passado, o solo mais que o sub ensimesmado
                                                              em mesmo rio.
          
          
           Então eu árvore
           ousando seiva e raízes
           na cidade de cal e chuva ácida
           permitindo galhos fauna aconchego
           tempo e promessa na cidade rígida.


Na cidade réplica, os passos que passaram e são passado
ecoam clandestinos, abafados, em eterno estio.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

brasileiríadas - GETÚLIO E JANDIRA (2)


- Ainda bem que terminou, amor, que horror!

- Terminou, Jandira, eu já não estava agüentando mais.

- Me dá um beijo, Getúlio, para passar esta sensação de mal-estar.

- Claro, Jandira, um beijo pra tirar o baixo astral... Mas nós tínhamos que ver. Não dava mais pra ficar criticando só por ouvir dizer. Eu até cheguei a pensar que as críticas poderiam estar equivocadas, que poderia ser só um filme inteligente mal interpretado...

- É um filme fascista, amor.

- Extremamente fascista.

- Getúlio, eles querem passar a idéia de que matar bandidos está dentro da lei; que invasão de favelas é legal e que este tipo de polícia deve ser aplaudida!

- O pior é isso... Imagina só a polícia invadindo a nossa casa, matando e torturando como se eles fossem a Lei.

- Amor, eles pensam que são a Lei. E eles aprendem a torturar e a matar como se fosse a coisa mais natural do mundo. E ainda dizem que estamos numa democracia!...

- Democracia pra trouxas! Democracia só para quem tem dinheiro. O resto, a grande maioria, tem apenas a liberdade de passar fome, mas sem reclamar. Senão, “Tropa de Elite” pra cima deles! E “ai!” de quem reclamar! Apanha na hora, se não for morto...

- E a desculpa que eles usam é que estão matando traficantes. Mas são eles mesmos os consumidores: a própria polícia, as elites que fizeram essa polícia à sua imagem e semelhança, os filhinhos de papai, as dondoquinhas da sociedade deles... É uma sociedade podre, amor!

- Podre e viciada. Olha só, o Jobim e seus milicos ameaçam de golpe se sair o Plano Nacional de Direitos Humanos, o Lula já se acomodou tanto que recebe prêmio em Davos, dos próprios donos do mundo e, daqui a poucos meses, todo mundo estará feliz, achando que votar é o maior direito do mundo. Depois, passa a euforia, os eleitos fazem todo o tipo de acordos e quem sofre mesmo é o povo. Será que este nosso povo não se dá conta?

- Não adianta se enraivecer, Getúlio. É claro que o povo se dá conta, porque ninguém é burro. Mas o povo não tem o poder, não pode decidir nada. São enganados pelos próprios sindicatos, que fazem acordos com os patrões; são enganados pelos políticos, que só fazem promessas, você sabe. Sem contar a mídia vendida que entorpece mais que qualquer entorpecente, e muita gente cai nessa, preferindo ver novelas, viver a vida fictícia das personagens, fingir que no dia seguinte as coisas vão melhorar...

- E quem reclamar, “Tropa de Elite” pra cima deles!

- Pois é. E as pessoas acabam acreditando que isso é legal; que a polícia pode invadir a casa deles sem mandado judicial a qualquer momento.

- Brasil-zil-zil!!!

- Me dá um beijo, Getúlio. Ainda bem que eu conheci você.

- Todos os beijos pra você amor. Só pra você.

- Ainda bem que nós não somos eles, amor.

- Ainda bem que nós somos nós.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

ELES VOLTARAM




Estão mais ávidos de poder e mais organizados.





    Extremamente pragmáticos, sabem exatamente o que fazer antes mesmo de fazer seja o que for. Especializados em esquemas, já conhecem todos os truques. De início, vacilavam; agora, não. Apenas perguntam: “Quanto?”.

     E sempre ganham. Acreditam que estão lá para isso, para ganhar sempre mais e mais. Lá, nas suas mansões imponderáveis, feitas por sonhadores que acreditavam em honestidade - em priscas eras - eles planejam como multiplicar os seus ganhos.

     Para isso, fazem todos os acordos. Antes de tudo, são grandes negociantes e aceitam todos os negócios, negocinhos e negociatas. Sempre ganham.

     Sentem-se intocáveis, indevassáveis. A impunidade os faz ter orgasmos. Deuses em seus olimpos artificiais, acreditam que são imortais.

     É eles que tudo decidem, e sabem disso. Ninguém escapa de suas garras. É dentre eles que saem os presidentes, ministros, secretários, diplomatas, chefes de autarquias... Tudo e todos! Organizam-se, planejam e conspiram também para indicar ao Presidente da República os Ministros do Supremo que ele deverá nomear. Todos do mesmo clube, da mesma irmandade.

     Defendem os Três Poderes, mas sabem, no íntimo, que só existe um Poder: o deles – inominado e total.

     Gostam muito de falar no Povo – como se fosse uma entidade irreal a qual devem agradecer os seus cargos. Mas, na verdade, servem aos grupos de poder que os elegeram com o seu dinheiro: banqueiros, latifundiários, empresários, multinacionais. Como abutres ou vampiros, do povo querem apenas o seu sangue.

     Dividem-se em partidos para aparentar democracia em suas atividades; legendas ilusórias com nomes pomposos. Mas é nos gabinetes fechados, iguais às salas escuras de suas mentes, que os partidos se diluem.

     Trocam favores, aumentam os próprios salários, nomeiam parentes, amigos e amigos dos amigos para todos os cargos imagináveis. E quando faltam cargos, eles os inventam.

     São especialistas em comprar e cooptar pessoas e grupos de pessoas. Sua máxima arte é a imoralidade. São corruptos profissionais e mestres em hipocrisia e se alegram e agradecem a Deus por isso.

     Eles voltaram. Voltaram de suas férias e já estão agindo – ávidos de poder e cada vez mais organizados.



     Os parlamentares voltaram.


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

ARIOSTO TEIXEIRA


Conheci o Ariosto quando ele era empresário de um grupo de rock em Bagé, o "LIBERTY". Éramos colegas de 2º grau, na época chamado de curso Clássico. Aprendíamos um com o outro, como os adolescentes candidatos a gente aprendem: na marra, na experiência.
     Fizemos artesanato juntos, estudamos para o vestibular juntos e fomos morar juntos em Santa Maria, cursando Comunicação Social.
     Depois, a vida nos separou. Seguimos caminhos distintos, mas continuamos juntos no coração.
     Ele foi o irmão homem que não tive, o amigo de todas as horas, o mestre da minha vida de adolescente. Uma das coisas que mais nos unia era a poesia, o gosto por escrever, a paixão pela descoberta da arte nas palavras. Tateando, buscando, tentando, fazíamos versos, que chamávamos de poemas. Algumas vezes, escrevíamos contos. Passei para ele a minha paixão pela leitura. Compartilhamos todas as loucuras possíveis e deixamos a vida fluir para nós.
     Diferente de mim, o Ariosto conseguia unir inteligência com esperteza, com sagacidade. Antes de nos conhecermos, ele já tinha passado por muitas experiências, pode-se dizer que “conhecia o mundo” e sabia das armadilhas e das possibilidades.
     Quando se formou em Jornalismo foi para Brasília trabalhar. Lá ele constituiu família e demonstrou ser um ótimo jornalista. Uma ou duas vezes veio a Bagé, mas senti que esta cidade já tinha se esgotado para ele. Ele sempre desejou mais e sempre alcançava o que desejava.
     Aos poucos, fomos perdendo o contato. Uma noite, em 2007, ligou para mim. Conversamos por mais de hora e fomos inteiramente sinceros um com o outro, como nunca tínhamos sido antes. Ele estava se recuperando de uma séria cirurgia e me disse claramente que achava que ia morrer. Que duraria, talvez, mais um ano ou dois. Eu brinquei com ele ao dizer que também estava me recuperando de um AVC e que íamos apostar uma corrida para ver quem iria primeiro. Na mesma conversa, me contou que estava lançando o livro “POEMAS DO FRONT CIVIL”. Poucos dias depois, recebi o livro. Vale a pena. Dentro daquela aparente rudeza de seus versos há uma pureza exultante. Depois, conversamos mais algumas vezes, sempre por telefone, e eu sentia na voz do meu amigo uma grande emoção.
     Há poucos dias fiquei sabendo que o meu amigo tinha falecido, no dia 23 de janeiro. É muito difícil acreditar nisso, pois sempre temos a sensação de que somos imortais e a morte dos que nos são muito próximos é, também, um pouco da nossa morte. Resta a certeza de que ele apenas foi na frente e se agora choro por ele é porque tive a felicidade de conhecê-lo.


“Nada mais sei além do que vejo
 Nunca se esqueçam de como arrebentamos o crânio
 Contra as paredes de aço
 De como atravessamos a cidade
 Como um cego sem cão
 Em pânico como um homem que acaba de
 Enlouquecer
 E vê o raio de uma lua amarela romper a treva
 Navalha a raspar a retina da fera
 Que cruza a rua e aos berros cai fora

Nunca se esqueçam de que vocês queriam um prêmio
Por terem tido o impulso do bem
Mesmo depois de todo o mal feito.”


(ARIOSTO TEIXEIRA – “POEMAS DO FRONT CIVIL”).
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...