quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A MOEDA DO DOUTOR MONTENEGRO





Em “Redoble Por Rancas” (transliterado para “Bom Dia Para Os Defuntos”, no Brasil), o escritor peruano Manuel Scorza narra o massacre de uma população andina que ousou se rebelar contra a “Cerro de Pasco Corporation” – empresa norte-americana de extração de cobre e interesses fundiários. No romance, o primeiro de uma saga composta por cinco livros que o autor intitulou de Cantares e retrata a luta do povo peruano contra o poder corrupto, uma das principais personagens é o juiz Montenegro, retrato da vileza, defensor dos fortes e opressores. 

     Das seis às sete horas da noite o juiz Montenegro dava exatamente vinte voltas em torno à praça de Yanahuanca. Naquele horário, a praça se esvaziava. Um dia, deixou cair uma moeda, um sol. Escreve Manuel Scorza: 

“(...) Os arruaceiros, os namorados e os bêbados se desgrudaram das primeiras escuridões para admirá-la. – É o sol do doutor! – sussurravam exaltados. No dia seguinte, cedo, os comerciantes da praça desgastaram-na com olhares temerosos – É o sol do doutor – diziam emocionados. Gravemente instruídos pelo Diretor da Escola – ‘Espero que nenhuma imprudência leve os seus pais à cadeia!’ – os escolares admiraram-na ao meio-dia: a moeda tomava sol sobre as mesmas descoloridas folhas de eucalipto. Por volta das quatro, um garotinho de oito anos se atreveu a cutucá-la com uma varinha: nessa fronteira estacou a coragem da província (...)”
“(...) A moeda passou a ser uma atração. O povo acostumou-se a sair de casa para admirá-la. Os namorados marcavam encontro em torno das suas fulgurações (...)”
“(...) Às quatro, a praça fervilhava, às cinco ainda é um logradouro público, mas às seis é um deserto. Nenhuma lei proíbe passear nela a essa hora, mas seja porque o cansaço se apodera dos passeantes, seja porque os estômagos reclamam o jantar, às seis a praça fica despovoada. A metade de um corpo de um homem atarracado, pançudo, de pequenos olhos deslocados num rosto citrino, emerge às cinco na sacada de um sobradão de três andares com as janelas sempre embaçadas por espesso nevoeiro de cortinas. Durate sessenta minutos, esse cavalheiro quase desprovido de lábios contempla, absolutamente imóvel, o cair do sol. Que comarcas percorre a sua imaginação? Enumera as suas propriedades? Reconta os seus rebanhos? Prepara severas condenações? Visita os seus inimigos? Quem sabe! Cinqüenta e nove minutos depois de iniciada a sua entrevista solar, o Magistrado autoria o seu olho direito a consultar o Longines, desce a escada, atravessa o portão azul e gravemente se dirige para a praça. Já está despovoada. Até os cachorros sabem que das seis às sete ali não se late (...)”
“(...) Na véspera do Dia de Santa Rosa, padroeira da Polícia, descobridora de mistérios, quase na mesma hora em que, um ano antes, a perdera, os olhos de camundongo do Dr. Montenegro deram com uma moeda. O terno preto parou diante do celebérrimo degrau. Um murmúrio arrepiou a praça. O terno preto recolheu a moeda e afastou-se. Nessa noite, contente com a sua boa sorte, anunciou no clube: ‘Senhores, achei um sol na praça!’. A província suspirou (...)”

     Manuel Scorza faleceu aos 55 anos, devido a um acidente de avião, e por muitos é considerado o verdadeiro pai do que foi apelidado de “realismo fantástico” pela crítica especializada, embora Gabriel García Márquez atribua ao escritor mexicano Juan Rulfo, autor de Pedro Páramo, a verdadeira paternidade do realismo fantástico, ou mágico.

    Época das obscenas ditaduras explícitas na América Latina, os anos ‘60 e ’70 foram prolíficos em excelentes autores e ótima literatura que, acredito, não deveria ser rotulada. Em Scorza, ao contrário dos outros dois autores citados, o realismo ultrapassa a magia, ou o fantástico, fixando-se em pessoas, lugares e acontecimentos - como o massacre das populações andinas do Peru –, aos poucos, apagados da memória contemporânea pelos maquiladores da História, que a fazem parecer bonita, justa e necessária, mesmo quando encobrem os maiores crimes.  

   Naqueles anos, escritores contavam fantásticas estórias para desvelar verdades escondidas confiando na inteligência do grande e exigente público leitor que então existia. O grande risco dessa literatura encabeçada por Juan Rulfo e continuada por Jorge Luiz Borges, Vargas Llosa e outros menos realistas e mais fantásticos é o hermetismo literário, motivador de castas, grupos seletos de admiradores que realimentam a ficção pela ficção, a arte pela arte, perdendo o sentido da realidade.

     Autores como Manuel Scorza - cada vez mais raros neste momento da indústria do entretenimento pelo entretenimento, do deboche pelo deboche, do esvaziamento da cultura, substituída por fetiches e máscaras de todos os tipos de carnavais –, conseguem resgatar de sua prisão a verdade histórica, mesmo que sob o apelido de ficção.  

     Em um pequeno trecho, como o transcrito acima, o leitor é sacudido de sua calma e romântica monotonia para uma realidade que talvez não ousasse pensar. A embaraçosa moeda do juiz Montenegro traz consigo a truculência, a tirania, a opressão e impõe a sujeição, o constrangimento, a angústia dos oprimidos e os desafia a – quem sabe um dia – transformar a vergonha em coragem e a coragem em ação.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

APOCOLOQUINTOSE DA DIVA DILMA




 Concordo que é um palavrão, mas um palavrão gostoso de dizer. Experimente falar para o espelho“apocoloquintose”. Não é sonoro e grandiloqüente (outro palavrão!)? Não causa uma sensação inebriante? Também concordo que é um plágio do titulo do famoso texto de Sêneca (“Apocoloquintose do Divino Cláudio”). Não pude resistir. É bem melhor do que dizer “a transformação em abóbora”. Abóbora é muito chão e um achado desses não pode ficar perdido em úmidas bibliotecas, entre tratados de heráldica e estóicas teses sobre numismática. Saboreie comigo: diga “apocoloquintose!”. Não é bom? 

    Saibam todos que a NSA – aquele serviço de informação dos Estados Unidos que reflete a paranóia norte-americana – continua a vigiar a todos nós. Foi o que disse Obama – aquele senhor que ganhou o Nobel da Paz, foi bombardear a Líbia e está com o dedo no gatilho apontando para a Síria - quando anunciou que enquanto ele for presidente daquele país entregue aos tufões e tornados, a chanceler da Alemanha, Ângela Dorothea Merkel, não será espionada.

      Não citou Dilma, mas deu a entender que se ela se comportar, nada deve temer. Ou, textualmente: “As nossas agências continuarão a obter informações sobre os Governos de todo o mundo, tal como o fazem as de todos os outros países. Não pedimos desculpas por sermos mais eficazes. Mas chefes de Estado e de Governo com quem trabalhamos de forma mais chegada, e de cuja cooperação dependemos, devem confiar que os tratamos como verdadeiros parceiros”.

   Não pediu desculpas. Para ele, presidentes brasileiros devem agir como obedientes vassalos. Dilma engoliu em seco e fingiu que não era com ela. Ou que era com ela. Em seguida, fechou os olhos aos movimentos sociais e entregou o campo de Libra às multinacionais. Precisava fazer caixa para as próximas eleições? Além disso, obedecer ao chefe é prioridade do verdadeiro subalterno. O consórcio que ganhou o leilão do campo de Libra é formado pela Petrobrás (10%), Shell (20%), Total Elf (20%), CNPC (10%) e CNOOC (10%). O Estado brasileiro poderá ficar com apenas 14,58% do óleo gerado no campo de Libra. Naquele momento, Dilma começava a se transformar em abóbora.

      Falam tanto da privataria tucana, mas o governo Lula-Dilma é um excelente e submisso aluno do antigos governos do PSDB. Entregar o Brasil é a sua meta, e está apenas começando. Ou continuando. É necessário obedecer ao chefe, que está de olho no que a Dilma faz ou deixa de fazer, através de satélites-espiões, bases da CIA no nosso território - travestidas de colônias de pescadores, peripatéticos amantes do epicurismo, honestos clubes de gastronomia, ameaçadores Anonymous e muito bem treinados Black Blocs - e uma gigantesca base de dados nos seus computadores quânticos.

     Obama não pediu desculpas ou deixou de vigiar Dilma e todos os brasileiros e latino-americanos, porque os donos do mundo não pedem desculpas: mandam. Depois de ficar sabendo que somente será igual à Ângela Merkel, a dona da Europa, quando for dona da América do Sul e Caribe, Dilma foi correndo a Davos – aquele lugar na Suíça onde, todo início de ano, se reúnem representantes dos países muito ricos e seus agregados – para participar do Fórum Econômico Mundial. Na sua delegação, 34 líderes políticos e empresariais. 

    Em Davos, Dilma pediu, implorou, suplicou por novos investimentos das empresas estrangeiras no Brasil; declarou-se fiel ao Deus Mercado e seduzida pela globalização. Para provar o seu amor ao dinheiro e à ostentação, na volta fez o que chamou de “parada técnica” em Lisboa, onde ela e sua equipe ocuparam 45 quartos de dois hotéis de luxo, ao custo de 8 mil euros por dia, o equivalente a R$26,2 mil. Jantou em um restaurante de luxo e, no dia seguinte, viajou para Cuba, para completar a sua missão.

      Missão que diz respeito à reintegração de Cuba ao livre comércio, ao esponjoso mundo das finanças, ao capitalismo. Cabe a Dilma provar a seu chefe em Washington que ela é capaz de fazer o que os Estados Unidos não conseguiram em 65 anos de revolução cubana, por meio de ameaças e de um equívoco bloqueio econômico. Afinal, a propaganda do governo brasileiro no exterior alardeia que o governo petista é socialista; afirma que Dilma teria sido uma guerrilheira presa pela ditadura e que no Brasil estamos em pleno processo revolucionário.

    E os representantes dos 33 países que estão participando da 2ª Cúpula da CELAC (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) talvez não tenham condições de analisar com precisão a força da influência que estão sofrendo de um governo estreitamente ligado ao capital estrangeiro e que atua como uma espécie de vírus malicioso, um verdadeiro cavalo de tróia entre os países anticapitalistas.

     A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), criada em fevereiro de 2010, durante a Cúpula da Unidade da América Latina e do Caribe, realizada em Riviera Maya (México) não admitiu a entrada dos Estados Unidos e do Canadá, porque considera que esses dois países não respeitam a democracia e a autodeterminação dos povos. Este ano, a II Cúpula da CELAC está sendo realizada em Cuba. 

      Lá, voltando do Fórum Econômico Mundial, Dilma deve fazer eco a todos os pedidos e reivindicações e, particularmente com o presidente Raúl Castro, tratará dos investimentos do Brasil na ilha, como o porto de Mariel, onde o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) investe cerca de 1 bilhão de dólares.  

    É apenas o início. Raúl Castro já demonstrou grande interesse em copiar o modelo chinês de capitalismo de Estado com o pseudônimo de socialismo, tendo reservado uma grande área, uma zona franca e industrial, para a qual o governo cubano pretende atrair investimentos estrangeiros.

   Como a Odebrecht, multinacional de origem brasileira e com capital internacional. E tantas outras empresas, brasileiras e de outros países, que serão atraídas para Cuba, onde contarão com isenção de impostos e não serão obrigadas a se aliar com empresas estatais. Naturalmente, usarão a barata mão-de-obra cubana. Segundo Thomaz Zanotto, diretor da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), em Cuba o Brasil teria um posto avançado para exportar inicialmente para a América Central e depois eventualmente para os Estados Unidos – que tem no Brasil de Dilma Roussef o parceiro perfeito, o agente 00D que ajudará Raúl Castro a implodir o socialismo cubano. 

     Não será tão simples, porque a base do socialismo é a educação anticapitalista do seu povo, mas, se em troca dos médicos cubanos, o Brasil enviar professores para Cuba, em menos de 10 anos Cuba voltará a ser famosa somente por suas praias.

      Assim, Cuba fará o caminho inverso da revolução, tornando-se, aos poucos, dependente do capital estrangeiro e da economia mundial, perdendo a sua autonomia e liberdade graças ao irmão mais moço de Fidel Castro, o maçom Raúl que, junto com Dilma, formam o par perfeito: os dois fingem que são socialistas, enquanto aceleram a implementação do capitalismo nos seus países. E à Dilma, definitivamente livre do seu disfarce socialista, somente restará a inevitável transformação em abóbora. Uma abóbora feliz por ter cumprido a sua missão, mas abóbora. E receberá do presidente dos Estados Unidos a notícia de que não estará mais sendo espionada.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

DE RAMBOUILLET A MONTREUX: O CINISMO DA ONU



A Conferência de Montreux, na Suíça, para tratar da paz na Síria é outra das grandes mentiras da ONU, uma organização que cada vez mais perde a credibilidade, agindo como uma velha e rica prostituta que compra um título de nobreza para adquirir respeitabilidade. A ONU foi criada para defender os interesses dos Estados Unidos e dos países vencedores da II Guerra Mundial e nesse sentido tem se mostrado coerente, empenhando-se em impor a vontade daqueles que a sustentam, principalmente porque dispõe do maior exército do mundo, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que é acionado sempre que necessário.

    Perdida a guerra na Síria, os autodenominados revolucionários - que nada mais são que mercenários recrutados em Israel, Arábia Saudita, Qatar, Iêmen, Jordânia, Turquia e outros países da região aliados dos Estados Unidos e demais países europeus diretamente interessados nas riquezas da Síria, principalmente o gás, e liderados pela Al-Qaeda – organização criada pela CIA nos anos 1980 para atuar no Oriente Médio e deter as forças soviéticas no Afeganistão – pediram a urgente intervenção da OTAN, com a invasão da Síria e incessantes bombardeios como aqueles que liquidaram a Líbia de Kadhafi. 

    Foram obstados não só pela Síria, como pelo Irã e pela Rússia, que ameaçou retaliar caso o seu aliado fosse bombardeado. Imediatamente, os países ocidentais passaram a negociar com o Irã, na tentativa de torná-lo potencial aliado ou, ao menos, um país mais cordato e inofensivo do que na época do presidente Ahmadinejad. Ao mesmo tempo, aconteciam conversas bilaterais com a Rússia na vã tentativa de desligá-la da Síria, e foi criado em Kiev, capital da Ucrânia, logo ali ao lado da Rússia, um grande movimento contra o governo objetivando atrair a Ucrânia para a órbita ocidental e pressionar militarmente a Rússia nas suas fronteiras. 

   Concomitante a esses fatos, propuseram a conferência de Montreux para tratar da paz na Síria, na última tentativa de retirar Assad do poder e entregar o país árabe à Al-Qaeda que representa os países ocidentais. Após o fracasso da conferência, terão razões formais para bombardear e invadir a Síria, caso assim o desejem. 

    Nada muito diferente do que aconteceu nos Bálcãs, quando a Iugoslávia se negou a participar da remodelação do mundo em um desenho capitalista, e exatamente entre a Sérvia e a Albânia – em Kosovo – foi criada uma república artificial, logo reconhecida pelos Estados Unidos e aliados. Naquele enclave, um exército fortemente armado formado por mercenários patrocinados pela Alemanha, França, Grã-Bretanha e Estados Unidos enfrentou os iugoslavos, e quando os "rebeldes"estavam sendo derrotados pediram à ONU uma conferência de paz que foi realizada no castelo de Rambouillet, na França, entre janeiro e fevereiro de 1999. 

   A guerra cessou durante aquele período, o suficiente para os mercenários de Kosovo se reorganizarem, enquanto os iugoslavos acreditavam na boa vontade da ONU. Ou da OTAN, porque a conferência de paz foi presidida por Javier Solana, presidente daquela organização bélica, que ameaçou os iugoslavos de bombardeio, caso não aceitassem as reivindicações de Kosovo.

A conferência terminou em 19 de fevereiro de 1999 e o espanhol Javier Solana, presidente da OTAN e membro do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) – partido revisionista e reacionário como o PT do Brasil ou o PRI do México e tantos outros partidos que se dizem socialistas, mas servem ao capitalismo -, cumpriu as suas ameaças. Em 24 de março as forças da OTAN começaram a bombardear a República Federal da Iugoslávia. Foram três meses de bombardeios aéreos contínuos sobre o território iugoslavo, especialmente Belgrado. Milhares de civis foram assassinados pela OTAN.

Quando a guerra terminou, a Iugoslávia foi desintegrada em vários países: Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia, Sérvia e Montenegro - e Kosovo. Dividir para governar. Os veículos de comunicação do Ocidente receberam ordens de divulgar que as razões da “intervenção” da OTAN foram muito humanitárias: acabar com uma guerra “étnico-religiosa”. Simples assim. Em Kosovo, os Estados Unidos desenvolveram a maior base militar do mundo: Camp Bondsteel.

E agora eles estão em outra conferência de paz que prepara a guerra. Desejam muito dominar a Síria, não só pelo gás que poderão roubar e abastecer toda a Europa, mas para transformá-la em uma imensa base militar. A Síria tem fronteiras com o Iraque, Israel, Jordânia, Líbano e Turquia. Conquistar a Síria é um grande passo para a projetada invasão do Irã; dois passos para cercar e subjugar a Rússia.

sábado, 18 de janeiro de 2014

DA REVOLUÇÃO AO ROLEZINHO




Achei estranho quando a Dilma se manifestou a favor dos rolezinhos em shoppings, porque estaria indo contra os seus principais aliados da burguesia e classe média alta, mas logo entendi que ela vislumbrou a possibilidade de atrair os votos da juventude esvoaçante da periferia, aqueles que passam dia e noite pensando em festas e que acreditam que ser jovem é um grande brinquedo, e só então me dei conta que dar um rolê nos shoppings não significa necessariamente protestar contra a sociedade de consumo que massifica e transforma as pessoas em produtos. Muito pelo contrário.

     Imaginem que, desde o ano passado, eu tinha uma idéia errada sobre a juventude que protesta, acreditando que realmente era composta por pessoas bem informadas e a favor de uma mudança radical no sistema e tal e coisa e coisa e tal. Qual o quê!

   Aos poucos, fui percebendo que sem os “Anonymous” e os “black blocs” - que todos ou quase todos sabem que são cobra mandada dos serviços de informação estrangeiros, atuando desde o Egito até a Síria, Irã, Rússia, Líbia, Venezuela, Bolívia, Equador, enfim, aqueles países que são ou eram, de alguma forma, contra o império – não haveria protestos, no máximo manifestações caóticas e com pedidos mínimos e pontuais, jamais abrangendo o fim da política ou dos políticos ou o fim do Estado para dar espaço aos boinas azuis da ONU. Ou coisa pior.

   E para este ano estão previstas novas manifestações, com direito a vandalismo, bombas de fabricação caseira e outras armas que o pessoal da CIA já deve estar preparando, porque o Brasil é um país estratégico e deve ser dos Estados Unidos não apenas através de tratados de boas intenções e trocas de bens e serviços, mas totalmente - acredita Obama e seus sequazes - e nada como atiçar os mais histéricos dentre os jovens, os que desejam muito correr e pular e gritar e são programados para atender a todos os apelos publicitários e palavras de ordem, principalmente se partirem daquele partido aliado que se finge de muito esquerda e promete um golpe blanquista para junho.

       Porque o blanquismo é arma utilizada pela direita. Louis Blanc pregava a tomada do poder político por uma minoria revolucionária, o que sempre foi contestado pelos marxistas que não acreditam em revolução sem a participação popular, e se até Luiz Carlos Prestes incorreu nesse pecado em 1935 – provocando uma grande reação da direita – não significa que deva ser repetido, e sua tentativa significaria apenas que há grupos de esquerda que agem infantilmente, provocando a direita a dar seus golpes oportunistas. Mais vale dizer que são grupos de direita travestidos de esquerda.  

       Protestar contra a Copa do Mundo em um país de extrema pobreza é legítimo; denunciar o barbarismo contra os favelados é uma obrigação; revelar os desmandos e a corrupção na política deve ser um compromisso dos mais engajados. Mas jamais se deve dar chance a que a extrema-direita aproveite um momento de caos para dar um golpe e provocar novo retrocesso.

       E o que tem a ver o pessoal dos rolezinhos com isso? Nada. Absolutamente nada. O pior é que nem infantis blanquistas eles são. Os rolezinhos são manifestações de jovens desesperados porque não podem consumir e que tem o capitalismo como um deus que deve ser cultuado diariamente. Assistem as propagandas de carros, computadores, relógios, roupas, tênis caríssimos que são expostos em lugares exclusivos para a classe média alta e ficam indignados, não pelas propagandas ou pelos produtos que são muito caros, mas porque eles - jovens que moram na periferia - não têm condições de comprar o que é anunciado.

      Não são comunistas, são consumistas que têm como grande objetivo na vida comprar produtos de marcas consagradas. Para isso e pensando somente nisso usam gírias, como “portar o kit” (se vestir bem), “tênis de mil” (gíria para as marcas Mizuno e Adidas), “lala” (gíria para a marca Lacoste), “onda gigante” (gíria para a marca Quiksilver), “setas” (gíria para a marca Ciclone), “pano loko” (roupas de marca) e não gostam de “barracudas” (meninas briguentas), “lókis” (bagunceiros) e “vermes” (policiais). Eles desejam muito as “novinhas” (garotas novas) e elas querem ficar famosas junto com os “garotos do momento” (quem fica famoso no perfil do Facebook ou pelas roupas que usa). Chamam de “parceiro” ao logista e muitos não renegam uma “farinha” (cocaína) ou “beck” (maconha).

       São amantes do rap e do funk, principalmente do Funk Ostentação, que fala de carros (chamados de “naves”), vida de luxo, dinheiro e mulheres, e onde é importante ostentar o “kit” (tênis, bermuda, camisa, anéis e colares, óculos escuros e boné). Adoram letras de música como a do rapper 50 Cent, que possui discos como “Power of the Dollar” (O Poder do Dólar) e “Get Rich or Die Tryin” (Fique Rico ou Morra Tentando). Os cantores são chamados de Mestres de Cerimônia, ou MC (deve ser pronunciado emici), os instrumentistas de DJs (deve ser pronunciado dijeis) e os dançarinos ou participantes tentam ao máximo falar inglês.

      Não se espere desses jovens qualquer rebeldia, exceto quando não podem comprar o que desejam. Não serão revolucionários, porque perderam, ainda na juventude, a capacidade de indagar e é muito provável que não gostem do ensino e detestem a leitura. Tentam apenas copiar a cultura burguesa que lhes é ditada pelos meios de comunicação e entregaram a sua força de vida ao capital.

       Ultimamente, resolveram se reunir nos shoppings para um rolezinho, provavelmente para ficarem mais perto dos produtos desejados. Combinaram os encontros através da internet e compareceram aos milhares. Foram repelidos, inclusive com bombas e balas de borracha. Em sua maioria, são negros ou mestiços e logo perceberam a discriminação e o racismo. Este é o país onde se diz cinicamente que há união entre as raças. Agora, esses jovens que querem ficar ricos ou morrer tentando possivelmente estejam aprendendo alguma coisa sobre a divisão de classes que não olha a cor da pele, mas o dinheiro. Provavelmente, tentarão novos protestos, ou voltarão para os bailes funk, muitos deles acreditando que em junho, data marcada para a rebelião, poderão quebrar e assaltar.
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