quarta-feira, 31 de março de 2010

TRENODIA



E na terceira vez ele caiu.
Foi ajudado a erguer-se,
a erguer seu peso.


Cercavam-no ridentes subumanos
a esquartejar-lhe o crânio com insultos
e a cuspir-lhe na face
onde o sangue coagulava.

(Era a terceira hora quando seu corpo
  foi varado do lado direito).

E o céu escureceu enquanto ele chorava.

E no terceiro dia
surgiram tanques de toda parte
guardando a entrada do sacrário
onde jazia o segredo revelado.

(O povo reunia-se na praça de Guernica
  quando os aviões despejaram hidrogênio e morte).

Rolaram pedras, matando Estêvão.
Alguém, na multidão, atirou um coquetel molotov:
era o início da revolução bolchevique.

E no terceiro mês
todos se reuniram num lugar oculto
dos gentios,
planejando e armando-se
enquanto esperavam o sinal.

Luminosos foguetes vermelhos
anunciaram-lhes o tempo e a hora
da Revolução.

Mas era sábado.

CONSERVAR O SONHO...


Conservar o sonho, a chama.
Implacavelmente morder
A vontade de vontade.

Voragem... vertigem...
Vento em dunas de areia!
Mãos em concha... água!

segunda-feira, 29 de março de 2010

CASO NARDONI - OS QUESITOS

Eu também acho que foram eles. Tudo indica; mesmo, porque não tive chance de saber de outras pistas que teriam sido pesquisadas. Se foram, foi tão superficialmente que quase nada ficamos (nós, o público) sabendo a respeito.

      Mas, o que ficou claro para mim é que o famoso Conselho de Sentença não tem poder algum. Depende dos quesitos formulados pelo Juiz e pela maneira como o Juiz formula esses quesitos. Quanto a isso, vimos uma segunda acusação, que deixou os jurados sem outra possibilidade senão a de considerar os réus culpados.

     Observem os quesitos, sempre lembrando que os jurados são obrigados a não raciocinar – apenas tem que responder “Sim” ou “Não”, na presença intimidatória do Juiz, promotor e advogado de defesa:

1A) A esganadura causou a morte?

- Eles tem que responder “sim” ou “não”, mas como ter certeza disso, se houve a queda, logo após?

1B - Ela (vítima) foi lançada pela janela?

- Aqui, não é uma pergunta, mas uma afirmação. Ninguém poderá supor que Isabela jogou-se voluntariamente. E, se o Juiz a está chamando de vítima é óbvio que ela foi jogada pela janela.

2A - Alexandre deixou de socorrer a vítima durante a esganadura?

- Observem que o Juiz está afirmando, implicitamente, que houve a esganadura na presença de Alexandre. Logo,também implicitamente, o Juiz defende a tese da promotoria.

2B - Foi ele (Alexandre) que a jogou pela janela?

- Outra pergunta que também é uma acusação. É só tirar o ponto de interrogação ao final da frase. Os jurados tem que responder “sim” ou “não”, sem poder raciocinar sobre outras possíveis hipóteses.

3 - O jurado absolve o réu?

- Depois das perguntas acima, como o jurado poderá absolver o réu?

4A - O crime foi cometido de forma cruel (esganadura)?

- Uma pergunta que somente serve para aumentar a pena dos acusados.

4B - O crime foi cometido de forma cruel (lançamento pela janela)?

- Outra pergunta que somente foi feita com o intuito de aumentar a pena dos acusados.

5A - Houve emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima durante a esganadura?

- Os jurados tem que responder “sim” ou “não”. Mas como eles terão certeza da resposta exata, se não houve testemunhas e os réus alegaram inocência?

5B - Houve emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima durante o lançamento pela janela?

- Os jurados tem que responder “sim” ou “não”. Mas como eles terão certeza da resposta exata, se não houve testemunhas e os réus alegaram inocência? Mais uma vez os jurados estão impossibilitados de raciocinar e induzidos a responder “sim”.

6 - O crime foi cometido para esconder a esganadura?

- Como saber com certeza? Mas esta é a tese da promotoria e como os jurados não podem pensar a respeito, serão obrigados a responder “sim”.

7 - O crime foi cometido contra menor de 14 anos?

- Uma pergunta que somente existiu para aumentar a sentença dos réus. Quem responderia “não”?

8 - Mexeram no local do crime?

- Como saber? A acusação diz que sim e a defesa diz que não. Mas, como os jurados até então já foram induzidos a responder “sim” a todos os quesitos anteriores, devem ter respondido “sim” também a este.

9 - Eles lavaram a roupa para impedir a coleta de prova?

- Mais uma dúvida. Mas os jurados são obrigados a responder “sim” ou “não”. Não podem raciocinar a respeito.

10 - O jurado absolve o réu?

- Como absolver, se o jurado já condenou o réu antecipadamente ao responder “sim” aos quesitos anteriores?

11 - Ele (Alexandre) fez isso para eximir-se da culpa?

- Aqui, o Juiz afirma que Alexandre é culpado. Nem os melhores advogados de defesa do mundo teriam a menor chance contra a maneira como os quesitos foram formulados.

     Os jurados apenas corroboraram as teses da acusação, que foram reafirmadas pelos quesitos que lhes foram impostos. Em nada os jurados influenciaram no julgamento. Não tiveram força para isto. Não tinham como raciocinar, porque foram obrigados a responder “sim” ou “não” a todos os quesitos. E foram induzidos a responder “sim” devido à maneira como os quesitos foram formulados.

     Haveria outra possibilidade? Claro que sim. Vou citar apenas uma possibilidade de quesito:

- Você tem alguma dúvida sobre a culpa dos acusados?

     O julgamento foi uma farsa? Não. Seguiu todos as regras, todos os ritos. Mas o Conselho de Sentença, os jurados, será que eles acreditaram, realmente, que tinham algum poder?

segunda-feira, 22 de março de 2010

XANTIPA


Sócrates molhava seus pés
Com altivez
Nas nuvens
Quando guerreava
As certezas inquietas
Com a impavidez da dúvida.

Os pés gelados
Lembravam-lhe
Seu ínfimo ser efêmero
Que insistia em partejar
Em sonhos e idéias
A possibilidade de existir
Em plenitude.

Xantipa, a Séria,
Com seu olhar
Histérico e mortiço,
Odiava em Sócrates
O dáimon
Que o instava a combater
Olhares pobres e parados.

Não entendia seu amor por Alcibíades
- Mesmo que socrático –
E sua indiscreta admiração por Aspásia
- A mulher que pensava.

E o que mais a fazia
Amar e odiar
Aquele estranho homem
Eram os momentos de extrema abstração
Que o tornavam alheio
E, ao mesmo tempo,
Intenso e participante
De um outro mundo
Que ela não ousava sonhar.

segunda-feira, 15 de março de 2010

EM QUE PAÍS VIVE O LULA?


Todos nós sabemos que o Lula é pernambucano, foi metalúrgico em São Paulo, onde se destacou pela sua liderança e ajudou a fundar o PT e que é o atual presidente do Brasil. Mas, como Presidente é que algumas das atitudes e decisões do seu governo levam a pensar, volta e meia, se ele realmente tem consciência do que está fazendo ou se somente está mal assessorado.



       Penso que não é só isso. O Lula foi cooptado pela direita – isso é óbvio para mim -, mas não somente pela direita do seu partido, aquela tendência que se diz de esquerda e que realmente domina o PT, a Articulação de Esquerda, que está mais para Gironda do que para Montanha...

       O Lula foi cooptado pela direita mundial. A nova geração que assumiu o governo junto com o Lula, deslumbrada pelo Poder, com “P” maiúsculo mesmo, resolveu que o capitalismo é o caminho, porque o Brasil é um país grande, rico e deveria estar entre os países grandes e ricos. E eles junto.
      
        Acenaram para o Lula com um lugar no G-8, o grupo dos oito países mais ricos do mundo e que decidem o destino da humanidade. O Lula ficou todo faceiro, assim como o PT e a base aliada – porque o PT sem essa base aliada não existe como governo. Mas não deu, o G-8 quer continuar G-8 e não G-9. Restou o G-20... que é um grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais a União Européia. Tá na cara que esse G-20 é a ponta de lança do capitalismo mundial. Aquele grupo promotor do neo-liberalismo econômico, que procura maquiar a pobreza mundial e nos seus respectivos países. E o Lula lá.

       Lembram que uma das primeiras medidas do governo Lula, no seu primeiro mandato, foi instituír o programa bolsa-família? Pois isso é uma das maneiras de maquiar a pobreza sem acabar com ela. É claro que isso foi feito com a maior boa vontade - assim como o Ministério do Combate à Fome e o Ministério do Trabalho e Emprego. 

       O verdadeiro capitalismo tem esses rasgos de compaixão. Não há interesse em acabar com a pobreza, mas em “combatê-la”. Mesmo, porque se a pobreza acabasse no Brasil, este não seria um país capitalista, mas socialista. Mas a palavra “socialismo” hoje é considerada palavrão dentro do PT. Tanto, que os verdadeiros socialistas saíram do PT. Ficou a demagogia, mas não a intenção.

       Mas o Lula... Será que o Lula acredita mesmo que está fazendo o melhor para o seu país? Eu gosto do Lula, acho que é um cara de bom coração e bem intencionado. Mas nunca foi socialista, ele mesmo admite. Acredita na democracia dentro do capitalismo, é apenas um ingênuo. Mas boa gente. 

       Não é como aqueles que – mesmo dentro do PT, que já foi um partido que prometia alguma coisa - sabem que o capitalismo é sinônimo de extorsão e miséria, mas fingem para si mesmos que “não é bem assim”. Não. O Lula simplesmente não sabe de nada disso. Não por falta de inteligência, que ele tem de sobra, mas pela maneira como ele usa essa inteligência na política.

       Acordos, conchavos, participação do Brasil na ocupação do Haiti, desconhecimento da realidade latino-americana e, o que é pior, desconhecimento da realidade do seu próprio país.

       Pois o PT e o Lula não combatiam o FMI? Agora fazem parte dele. Não eram contra as multinacionais? Pois o governo Lula só pensa no capital estrangeiro. Não eram pela erradicação da pobreza? Para eles, isso é sinônimo de bolsa-família. Não eram contra o analfabetismo? Pois o analfabetismo continua. Não eram por uma educação de verdade no Brasil? Nada fizeram a respeito. Não vituperavam a Globo e outras empresas de comunicação do sistema? Pois agora as acariciam.

       Mas o que mais me constrange é perceber que o Lula não se dá conta disso. Por ingenuidade, acredito. Botaram na cabeça do Lula que o Brasil é um país muito rico e que ficará mais rico ainda. E ele acreditou. Ele acreditou e, inclusive, ao que parece, acredita que essa riqueza esteja sendo distribuída para todos os brasileiros. 

       Dia desses ele chegou a dizer que quer “que os pobres também tenham carros”. Todos ficaram estupefatos com essa afirmação, mas o Lula continuou sorrindo. O que mostra que ele nada sabe da realidade brasileira, ou é muito mal informado, ou é demasiado ingênuo, mesmo. Demasiado para um Presidente da República.

       Mas houve coisa pior. Coisas que a gente vê e ouve na televisão e acha bonito. Mas, depois, ficamos pensando...

       Uma delas: o Brasil está disposto a doar 375 milhões de reais para ajudar na reconstrução do Haiti.

       Outra: Lula assinou medida provisória (MP) autorizando o Poder Executivo a doar partes de estoques públicos de alimentos a países necessitados de assistência humanitária, como Haiti, El Salvador, Guatemala, Bolívia, Zimbábue e territórios da Palestina.

       Muito bonito, louvável e nobre, mas...

       Mas, em que país vive o Lula?!

       Se o Brasil tem tanto dinheiro sobrando a ponto de doar para outros países pobres, porque não acaba com a pobreza aqui dentro, primeiro, Presidente?

       Ou acha que os pobres brasileiros já estão com dinheiro sobrando para comprarem carros?

       Neste exato momento, tem milhões de pessoas passando fome no Brasil, Lula, e tu estás enviando dinheiro para outros países!

       Só para a tua informação, meu ingênuo e desinformado Presidente: nosso país é um dos primeiros do mundo em desigualdade social. Aqui, 1% dos mais ricos se apropria do mesmo valor que os 50% mais pobres. A renda de uma pessoa rica é 25 a 30 vezes maior que a de uma pessoa pobre.

       - Temos 53 milhões de pobres, o equivalente a 31,7% da população, isto é, temos milhões de famílias com renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo por mês.

       - O Brasil ocupa o 9º lugar em renda per capita. Mas cai para 25º quando se fala em proporção de pobres. Trocando em miúdos, Lula: o país é muito rico, mas essa riqueza vai só para um pequeno grupo no qual tu estás incluído. A desigualdade social é muito grande, Presidente da República, as pessoas passam fome, tem muita miséria.

       Deu pra entender?

       Lê isto, Lula, por favor! E pára de te fazer de desentendido!

sábado, 13 de março de 2010

DONDE ESTABAS, DON PEPE?


Para Pepe Mujica, Presidente do Uruguay.

(Em ritmo de milonga...)


Donde estabas, Don Pepe
Que yo no lo conocía?
Ni tampoco imaginaba
su corazón de magia,
Su rostro de mago viejo
Y su estraña fuerza de niño...

Cuando, em mis madrugadas,
En paso de soledad,
Desquitado de esperanzas,
Sin versos em mis andanzas,
Deserdado de ilusiones,
Donde estabas, mano viejo?

Em que campa te escondias
Na Noche del Uruguay,
Con el fusil a cantar
el sol que renaceria,
Evitando la malasuerte
De los perros de la CIA?

Donde estabas, Don Pepe?
Sentimos mucho su falta,
No solamente uruguayos,
Todos los sudamericanos.

Donde estabas, Don Pepe?
Donde estabas, mi hermano?

segunda-feira, 8 de março de 2010

QUANDO A NOITE...


quando a noite vai
terna, mansa, densa
com seu cortejo de feéricas estrelas mortas
e vivas promessas de renascer...
nasce o dia, com suas cores
debochadas, debuxadas em todos os tons,
máscaras e esgares,
atiçando, insano, vozes, ruídos, ribombares,
em crescente sanha adormece sonhos
inventando regras, horários, limites,
ri-se dos lirismos,
pensa ser eterno o seu gargalhar,
sonha com a Lua de ouvir falar,
que, quando se afasta,
estranho mistério
em sombras estranhas o vem secundar...

quando a Noite invade
silenciosa e pura
tensa e sedutora
instiga orgias, rituais, profecias
e a todos desperta
seus sonhos, sonhares
em pleno frenesi,
voluptuoso silêncio,
promessa...

quinta-feira, 4 de março de 2010

brasileiríadas - O PREFEITO E O CAMPEONATO DE PETECA


O secretário chegou para o Prefeito e disse: - “Companheiro Prefeito, já recebi três mensagens da mesma pessoa. Insiste que o companheiro Prefeito responda a ele."


O Prefeito, com o seu sotaque arrastado de ex-seminarista, respondeu: - "Mas companheiro! Estamos aqui para atender a todos, somos um governo popular. O que deseja esse companheiro, companheiro secretário?"

- “É sobre aquele assunto da minha Secretaria, companheiro Prefeito, sobre a organização do campeonato de peteca."

- "Mas o que diz a mensagem desse companheiro, companheiro secretário?"

- "Companheiro Prefeito, esse companheiro contesta o campeonato, diz que não é democrático..."

- "Uh-la-lá!". Mas porque esse companheiro diz isso, companheiro secretário?"

- "Ele não concorda, companheiro, que o campeonato municipal de peteca seja organizado pelo Clube Petequense Municipal."

- "Mas o que tem de mal nisso, companheiro secretário?"

- "Ele diz que outros jogadores de peteca, que não pertencem àquele clube não foram ouvidos sobre a organização do campeonato. Dá a entender que os jogadores do Clube Petequense seriam beneficiados..."

- "Dilma do Céu!, companheiro secretário... Então esse companheiro quer complicar? Deve ser algum purista... Por acaso, companheiro secretário, esse companheiro é aquele companheiro?..."

- "Aquele mesmo, companheiro Prefeito."

- "Uh-la-lá! Russef!-russef!... Perdão, companheiro secretário... Estou com uma tosse! Será a H1N1, companheiro secretário? Feche aquela janela e me alcance a minha écharpe, por favor, companheiro secretário."

- "Mas com esse calor, companheiro Prefeito? Não se preocupe, que a H1N1 está proibida de entrar nas nossas prefeituras, companheiro Prefeito."

- "Então deixe a écharpe, companheiro secretário. O que iriam dizer?... Não é verdade, companheiro secretário?"

- "Ora, companheiro Prefeito... É tudo maldade do povo, o companheiro sabe..."

- "O povo às vezes é mau, companheiro secretário, mas precisamos dele, mesmo assim."

- "Com certeza, companheiro Prefeito. Mas, voltando ao companheiro insatisfeito com o campeonato de peteca, o que eu faço, companheiro prefeito?"

- "Precisamos compor com esse companheiro, companheiro secretário... Vamos ver... Se não estou enganado, ele tem um cargo na Federação de Peteca, não é?"

- "Não tem mais, companheiro Prefeito. Pediu demissão, alegando corru... corru... - perdão, companheiro Prefeito, estou com um pigarro - ele alegou má administração da Federação."

- "Mas ele é mesmo um purista, companheiro secretário! Ora, então vejamos... Quem sabe ele poderia patrocinar uma das etapas do Campeonato de Peteca, companheiro secretário? Nesse caso, ouviríamos os outros setores petequenses da cidade, é claro... O que acha, companheiro secretário?"

- "Temo que não seja possível, companheiro Prefeito. Parece que esse companheiro é muito purista mesmo e não teria dinheiro para patrocinar alguma etapa."

- "Russef!-russef! Ó, esta tosse, companheiro secretário!... Então ele é um companheiro pobre, companheiro secretário? Sinto tanto por ele... Ainda bem que nós já temos os patrocinadores do Clube Petequense, companheiro secretário... Não precisaremos mesmo desse companheiro."

- "Então, o que respondo a ele, companheiro Prefeito?"

- "Mas o que ele tem para nos dar para ficar exigindo alguma coisa, companheiro secretário? Você sabe que política é negócio. Olhe o seu caso, companheiro secretário."

- "O meu caso, companheiro Prefeito?"

- "É claro que você é competente, ninguém nega isso, companheiro secretário. Mas você deu o voto decisivo para que eu fosse indicado pelo Partido como candidato a Prefeito e agora, depois de eleito, você é um dos meus secretários, o seu pai é assessor, a sua..."

- "Correto, companheiro Prefeito. Uma troca justa."

- "Justíssima. Aliás, estamos aqui para fazer justiça social, não é companheiro secretário?"

- "Claro, companheiro Prefeito. E quanto ao companheiro queixoso...?"

- "Queixas, companheiro secretário? Todos se queixam de alguma coisa... Eu mesmo, agora, me queixo desta tosse... Russef!-russef! Você tem mesmo certeza, companheiro secretário...?

- Absoluta, companheiro Prefeito. A H1N1 não entra nas nossas prefeituras... Só nas dos DEMs."

- "Ó, isso já é um alívio!... Pois deixemos assim, companheiro secretário."

- "Assim como, companheiro Prefeito?"

- "Esse caso do companheiro que se queixa, das petecas... Ignore."

- "Mas se ele insistir, companheiro Prefeito?"

- "Uh-la-lá! Pois é... Deixe em banho-maria..."

- "Mas se ele continuar insistindo, companheiro Prefeito?"

- "Uff!... Diga que estou com a agenda cheia, que responderei assim que for possível."

- "Deleto ele, companheiro Prefeito?"

- "Ainda não, companheiro secretário... Russef!-russef!... Esta tosse!... Não delete... Nunca se sabe... Talvez um dia ele ainda possa servir. Os puristas são necessários numa sociedade."

- "Muito bem, companheiro Prefeito, então vou indo. Também estou com a agenda cheia."

- "Um momento, companheiro secretário!"

- "Sim, companheiro Prefeito?"

- "Apesar de tudo, não esqueça: a luta continua!"

- "Com certeza, companheiro Prefeito: a luta continua!"

terça-feira, 2 de março de 2010

BRAZIL CORPORATION E O FIM DO MUNDO


     Reunião de diretoria da empresa Brazil Corporation, em algum dia por estes dias.

- Presidente: - Senhores, convoquei esta reunião extraordinária para resolvermos um assunto que está me inquietando muito ultimamente: O Fim do Mundo.

     (Risos, sussurros, pigarros, olhares atentos, olhares pânicos e olhares surpresos).

     - Sei que os senhores se surpreenderam e que alguns até devem estar achando que eu enlouqueci, mas vou lhes dizer por que isso está me preocupando. Para isso, terei de narrar uma pequena história que aconteceu com um amigo meu.

     - Pois esse meu amigo, que também é empresário, e que não vou citar o nome, recebeu um relatório de um chefe de seção que dizia que um empregado recentemente admitido tinha pedido demissão. A razão? O Fim do Mundo.

     - Aquele empregado, ou ex-empregado, se preferirem, tinha pedido demissão porque dizia que o Fim do Mundo está chegando e que pouco importava para ele estar ou não empregado. Foi na época do terremoto no Haiti.

     - Era comunista?

     - Não, não era comunista e eu peço ao senhor que não me interrompa enquanto eu não terminar. Peço que todos os senhores prestem bastante atenção porque o assunto é muito importante.

     - Continuando... Até aí nada de mais. Poderia ser um desses crentes evangélicos ou qualquer outro tipo de fanático... Sabe-se lá... Foi despedido e fim de papo. Mas, dois ou três dias depois, na hora do cafezinho, esse meu amigo, como bom empresário que é, juntou-se aos seus funcionários para jogar conversa fora, falar sobre futebol e dar uma controlada, é claro... Pois ouviu uma conversa sobre kit de sobrevivência, mas não entendeu muito. Voltou para o escritório, chamou o seu secretário e falou sobre a conversa que tinha ouvido.

     - Compreenderam até aqui?!

     (Pequenas exclamações, pigarros, olhares atentos).

     - Ótimo. Pois o secretário dele, devotadíssimo, de extrema confiança, lhe retrucou assim (palavras textuais dele): “Pois é, chefe, todos temos que estar alertas... Os tempos estão mudando, o senhor sabe, todas essas tempestades, tsunamis, terremotos, o eixo da Terra mudando, o aquecimento global... Não que eu acredite, mas o que o pessoal tem falado é sobre qual o melhor kit de sobrevivência. Nunca se sabe, o senhor já leu a respeito do Calendário Maia?”

     (Profundo silêncio).

     - É claro que o meu amigo ficou apreensivo. Se até o secretário dele está pensando em kit de sobrevivência, então aquele caso do empregado que pediu demissão por causa do Fim do Mundo não era um caso isolado.

     (Alguns poucos pigarros).

     - Daí, que esse meu amigo resolveu informar-se melhor. Pesquisou na Internet, fez algumas teleconferências com as nossas filiais nos outros países...

     - Com as nossas filiais?

     - Senhores, eu pedi silêncio até eu acabar a explanação! Por favor... Eu disse nossas filiais? Deletem – com as filiais da empresa dele, bem entendido?

     (Sussurros, pigarros e mexer de cadeiras).

     - Continuando novamente... É claro que esse meu amigo não ficou preocupado com o Fim do Mundo ou com o Calendário Maia. Senhores, estamos no século vinte e um e os maias já estão bem enterrados há muito tempo!

     (Risadas aliviadas).

     - Pois é. Bem enterrados. Agora, entendam o seguinte. Esse meu amigo inteirou-se que o fenômeno não é só aqui no Brasil. Não que estejam pedindo demissão em massa por causa do Fim do Mundo. É claro que há um ou outro caso, mas nada relevante ainda... Mas está começando uma paranóia nesse sentido que deve ser controlada. Se não está começando ainda, poderá começar.

     - E se isso continuar, podem imaginar as conseqüências para os negócios? As pessoas começarão a comprar apenas kits de sobrevivência! E nada mais! Os negócios internacionais emperrarão, baterá o pânico na população mundial e as nossas empresas irão à falência, senhores!

     (Algumas palavras soltas, exclamações contidas).

     - Não pensem que eu estou entrando em pânico. Longe disso. Mas todos nós sabemos que o nosso dever enquanto elite mundial é controlar o povo. É claro que já controlamos os exércitos e os governos, mas todo o povo é mais difícil. O povo, quando coloca uma idéia nova na cabeça – desde que não seja uma idéia que nós lhe damos – pode chegar a conseqüências imprevisíveis.

     (Murmúrios de aprovação).

     - Senhores, esse meu amigo e eu resolvemos unir nossas forças com empresários de todos os países e elaboramos um plano que deve ser seguido à risca. Mandem entrar o Clodoaldo!

     (Entra Clodoaldo, com papéis embaixo do braço).

     - Senhores, tenho certeza que todos aqui conhecem o Clodoaldo, meu secretário fiel há mais de dez anos.

     (Cumprimentos alegres a Clodoaldo).

     - Pois o Clodoaldo, senhores, foi o encarregado de copiar e imprimir o nosso plano. Ele é mais que um secretário, é um amigo fiel e é claro que o Clodoaldo não acredita mais nessas balelas de Fim do Mundo, não é Clodoaldo?

     (Um sussurro de “sim senhor”).

     - O Clodoaldo, agora, está passando o plano aos senhores diretores. Cada um receberá apenas a parte que lhe cabe no plano, de acordo com a sua função. Mas vou ler para todos o plano em seu conjunto. Agora pode ir, Clodoaldo.

     - (“Sim senhor”. Sai Clodoaldo).

     Não existe nem haverá Fim do Mundo. O que está acontecendo no clima mundial é circunstancial, mera coincidência.

     As pessoas estão confundindo catástrofe global com aquecimento gradativo da atmosfera.

     Esse aquecimento é cíclico e deverá acabar em menos de uma década, quando tudo deverá voltar ao normal.

     - Estes primeiros três pontos são essenciais para o plano. Eu quero a partir de amanhã, o mais tardar depois de amanhã, ligar a televisão e ver - em todos os canais sem restrição – entrevistas, enquetes, programas os mais diversos, como os telejornais, programas de auditório e até pegadinhas, programas de humor, reality shows, ou, mesmo, nos intervalos das partidas de futebol, nas novelas, etc... Eu quero ver sumir a expressão “catástrofe global”. Deverá ser substituída por palavras como “coincidência”, “ciclo climático”, ou qualquer outra expressão ou palavra amena.

     - Outra expressão que deverá sumir da mídia é “Fim do Mundo”. Critiquem, desmoralizem, investiguem as vidas das pessoas que falarem essa triste expressão e mostrem os seus podres, porque nós sabemos que todos tem o seu ponto fraco. Não é para minimizar! É para acabar com essa onda.

     - Neste exato momento estamos em tratativas com uma grande empresa de informática – que não vou citar o nome, é claro – para que, gradativamente, sem que os internautas percebam, blogs e sites que falam de teorias da conspiração, Fim do Mundo, catástrofe global e coisas semelhantes sejam bloqueados definitivamente. Ao mesmo tempo, teremos a ficha de cada dono ou participante desses sites e blogs, até os grupos de discussão... Se eles persistirem, teremos que tomar outras medidas mais drásticas. Mas não é de nossa política nem desejamos que isso venha a acontecer.

     (Sussurros, pigarros, engasgos).

     - No entanto, senhores, como devem já ter percebido, desta forma cairemos no vácuo informativo. Todos aqui conhecem a Teoria do Vácuo Informativo, senão não estariam aqui, certo?

     (Sussurros de aprovação).

     - Pois esse vácuo que irá se formar deverá ser preenchido. E vamos preenchê-lo com os seguintes fatores que constam do plano:

     A culpa do aquecimento global, que deve ser sempre lembrado que é mínimo, é da superpopulação da China. Achem as maneiras: seja pelo excesso de consumo de oxigênio deles, ou pelo gás carbônico emitido pelas suas fábricas - que deveremos sublinhar sempre que são velhas, mal administradas e não cumprem as regulamentações internacionais a respeito da emissão de CO2.

     - Ficou claro, senhores?

     (Palavras alegres, gritos de “genial”).

     Muitas promoções esportivas. Vamos induzir as pessoas a se dedicarem a algum esporte, mesmo os mais velhos. Além das Olimpíadas e campeonatos das diversas modalidades esportivas, promoveremos os mais diversos eventos. As pessoas deverão ficar envolvidas de tal maneira que não tenham tempo nem disposição para pensar naquelas palavras e expressões que já estão proibidas desde agora.

     (Palavras alegres, pigarros).

     - Senhores, atenção! O sexto item é igualmente importante e vem diretamente da World Corporation. Não sei se os senhores perceberam que o Vácuo Informativo ainda não foi bem preenchido no 4º e no 5º item do plano.

     (Silêncio.)

     - Vou lembrar a todos que a Teoria do Vácuo Informativo prova que mesmo que o povo seja induzido a consumir, a pensar de determinada forma e a agir conforme os costumes que desejarmos e impusermos, mesmo assim ela gera uma resistência “interna”. Vamos lembrar da Teoria:

     “Haverá um Vácuo Informativo sempre que o povo não se sentir dono da Informação. Sentir-se dono da Informação, para o povo, significa o exercício da criatividade não só através das diversas atividades artísticas e culturais que emanam do povo, mas, de tempos em tempos, o surgimento de idéias independentes que formarão o núcleo de uma idéia central. Esta idéia central germina e propaga-se na forma de cultos, lendas e mitos, às vezes bizarros, mas que dá ao povo a sensação de ser o dono da Informação”.

     - Correto?

     (Silêncio atento).

     - E mais adiante:

     “No caso da formação indesejável do Vácuo Informativo, ou seja, dos mitos criados de alguma forma pelo próprio povo e assimilados como cultura popular, com a diminuição da criatividade popular poderão ocorrer períodos de depressão, ocasionando desinteresse, pessimismo e drástica diminuição do consumo”.

     - É claro que não queremos que isso aconteça, não é?

     (Sussurros de aprovação).

     - Pois bem, com a propalada “catástrofe global”, com a onda do “Fim do Mundo”, “Calendário Maia” e até da aproximação de um novo planeta que poderá colidir com a Terra...

     (Risos abafados).

     - Senhores, por favor... Toda essa carga de informação, segundo pesquisas recentes, preenche, neste momento, o Vácuo Informativo na medida em que o povo, em suas diversas camadas, sente-se o dono dessa informação global e interage com ela como se verdadeira fosse.

     - Mas, de acordo com os três primeiros itens do plano é forçoso que este mito seja desconstruído. E a palavra de ordem é esta: “desconstrução desse mito”. Mas, para que não surja o Vácuo Informativo devemos construir um novo mito. E é aqui que surge o 6º item do plano, emanado da própria World Corporation.

     É verdade que passamos por mudanças climáticas leves, que podem afetar algumas regiões do mundo, conforme tem acontecido através de terremotos, nevascas, tsunamis, etc. Mas, também, a partir de agora, passa a ser verdade que esses acontecimentos são sinais da Renovação Cíclica da Humanidade. Será do interesse de todos participar dessa renovação que terá como objetivo maior a vinda de um Salvador que trará a paz e a fraternidade mundial.

     (Silêncio expectante).

     - Senhores, com a aplicação global deste 6º item do plano teremos a criação do novo mito que preencherá o Vácuo Informativo que ameaçava se formar.

     - Agora não se trata mais de “catástrofe global”, “Fim do Mundo”, “Calendário Maia” ou qualquer coisa parecida. Os problemas climáticos são as dores do parto que antecedem a vinda do Salvador mundial. Deveremos, portanto, moldar a opinião pública no sentido de desejar essa vinda e agradecer sempre que acontecer alguma mudança climática inesperada.

     - Haverá a possibilidade do surgimento de seitas esperando o “Salvador” – e nós teremos pessoas de confiança nelas. Haverá a necessidade de um ressurgimento místico planetário. Isso será bom para os negócios. Imaginem o Dalai Lama sendo levado de volta para o Tibete nos ombros de hordas de fanáticos enfurecidos e armados. E com o nosso apoio, é claro. E mais um grande mercado se abrirá... Mas isso é apenas um exemplo, que poderá acontecer a médio prazo. Há múltiplas possibilidades.

     - Outro detalhe: vamos fabricar kits de sobrevivência, é claro. Não podemos perder esse grande negócio. Só teremos que mudar o nome. Não serão mais kits de sobrevivência, mas “kits da fraternidade universal”.

     - A propósito do “Salvador”, quando percebermos o momento certo, ele aparecerá. Não se preocupem quanto a isso. Já estamos pensando em várias possibilidades.

     - Senhores, vejo um grande futuro à nossa frente! Vamos ao trabalho!

     (Aplausos retumbantes).
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