sexta-feira, 20 de maio de 2011

MILITARES


Desde que o mundo é mundo existem militares, ou pessoas com instintos guerreiros e belicosos. Talvez Caim tenha sido o primeiro militar sem farda, mas há dúvidas, porque ele foi castigado por Deus quando matou o seu irmão Abel e os militares não são castigados quando matam. Geralmente não primam pela inteligência, mas pela capacidade física. No início eram apenas pessoas fortes usadas pelos países para defender-se de outros países que também tinham pessoas fortes e agressivas. Aos poucos, ao perceberam a sua imensa força, foram se organizando e passaram a fabricar o que entendemos por História.

     A História é a história dos feitos militares. Ao estudarmos a História encontramos grandes guerreiros e conquistadores; jamais a história dos soldados que os transformaram em grandes guerreiros e conquistadores. Porque a história de cada grande vitória militar é encomendada pelos vencedores e nessa história não entra o povo fardado que lutou e morreu ou sobreviveu a cada batalha, mas somente as estratégias empregadas pelos generais.

     Por isso, a História oficial se torna extremamente suspeita, e por mais que os repetidores das grandes empresas de comunicação insistam que determinadas coisas aconteceram em determinadas épocas, procurando transformá-las em fatos históricos, se essas determinadas coisas se relacionarem com guerras já acontecidas e se os repetidores dessas empresas jornalísticas estiverem ligados àqueles que venceram as guerras... desconfie.

     A História não é uma ciência e os vencedores sempre manobram as suas próprias mídias para que as gerações futuras acreditem que tudo o que eles fizeram, por pior que tenha sido, foi o melhor para todos e que o inimigo foi combatido e exterminado porque era muito mau. Os historiadores acostumaram-se ao maniqueísmo e a aceitar as verdades oficiais, tornando-se – também eles – repetidores do que, muitas vezes, poderá ser uma grande mentira oficial.

     Ao repetir a História conforme lhes é dita para ser repetida, historiadores e professores de História transformam-se em uma forma de mídia defensora do status quo. É claro que existem aqueles historiadores que realmente pesquisam e buscam a verdade histórica, mas são poucos e raros. Quando descobrem alguma mentira no que até então foi considerada uma verdade histórica incontestável, costumam ser perseguidos pelo sistema. E se insistirem em revelar o resultado das suas pesquisas, podem até ser presos. No mínimo. Principalmente se for uma verdade histórica imposta por militares.

     Militares são os que fazem a História e as leis dos seus respectivos países. É claro que sempre ajudados por civis juristas e legisladores amigos, mas os militares estipulam quais leis que dizem respeito às suas ações e ao seu pensamento podem ou não vigorar.

     Com o passar do tempo, os militares formaram uma classe em cada país, como uma praga. Isso fez com que todos os esforços dos filósofos e dos amantes da liberdade e da vida tenham sido em vão. Até agora. Porque, por incrível que pareça, ainda existem pessoas que gostariam de viver em um mundo onde a criatividade e a paz estivessem em primeiro lugar. E tentam lutar pacificamente por isso. Mas pouco tem adiantado. Sempre que há alguma passeata pacífica pela paz, amor e outras necessidades humanas para uma vida melhor e mais justa, militares de baixo nível – com o nome de policiais – atacam os manifestantes. Invariavelmente.

     Por isto, talvez, tenham surgido sociedades secretas, que seriam grupos de pessoas amantes da verdade que se reuniriam secretamente para trocar opiniões, estudar e buscar a melhor maneira de transformar este nosso mundo em um lugar pacífico. Teriam como suporte eufemístico o ocultismo, o hermetismo e outras coisas tão secretas que não podem ser reveladas nem aqui.

     Mas de nada adiantou. Quando os militares descobriram as sociedades secretas, infiltraram-se, conquistaram altos cargos e conseguiram fazer com que os demais membros pensassem que para se conseguir a paz e a verdade é necessário fazer-se a guerra. Segundo alguns exegetas, como A..., B..., C... e outros que também não posso revelar os nomes, sob pena de morte inglória, existiram até lojas maçônicas formadas somente por militares. E talvez ainda existam. Seriam lugares onde estudariam as melhores estratégias de guerra secreta, se congraçariam trocando medalhas e apertos de mão esotéricos e teriam acesso a secretos fundos de beneficência mútua. Tudo pelo amor à guerra e à conquista.

     A classe militar se considera acima dos demais humanos não fardados, que chamam de civis. Acreditam-se superiores, porque é deles o poder da destruição. E nada mais assustador do que pessoas que gostam de destruir. Formam um mundo à parte, com costumes e leis particulares, não se deixando governar pelos civis, o que seria para eles um supremo opróbrio.

     Na verdade, o povo incomoda os militares, porque depois de cada guerra pede a paz e um governo pacífico e civil e os militares somente existem em função das guerras que eles mesmos promovem. Quando não estão guerreando ou preparando guerras, os militares não sabem o que fazer. Jogam xadrez, boliche, peteca; promovem manobras para treinar as tropas, desfilam perante a população civil nos dias aprazados, revelam a sua arrogância e o seu desprezo pelos não fardados com atitudes soberbas, porque se sentem intocáveis, mas nada disso os satisfaz.

     Quando muito necessário, assumem o poder dos seus países ostensivamente, mas, em geral, preferem que civis amigos façam esse trabalho por eles, desde que sigam as suas orientações. Sabem que, de qualquer maneira, são eles os donos do poder. O único medo que eles acalentam é o medo do povo que - mesmo desarmado - por seu vulto e quantidade, se um dia acordar, poderá dar-se conta de sua verdadeira força.

     Devido a isso, no Brasil os militares mais poderosos, como marechais, generais e coronéis, que circulam pelas varandas do poder, fizeram um trato com os civis poderosos – latifundiários, empresários e políticos – no sentido de amansar e enganar o povo através de eleições que acontecem a cada dois e quatro anos – ocasiões em que o povo pensa que estará decidindo o futuro do seu país. Isso faz com que o povo fique feliz por alguns dias, na época das eleições e, depois, quando quer reclamar de alguma coisa, já não pode fazê-lo porque entregou o seu poder aos políticos que são aliados dos militares – os verdadeiros governantes do país.

     Militares obedecem a outros militares que obedecem a outros militares, e assim numa cadeia de poder vertical que faz com que os militares mais graduados dos países mais fracos militarmente obedeçam aos militares mais graduados dos países que possuem armas de grande poder destrutivo. E o poder destrutivo é o grande deus dos militares.

     Dessa maneira e por amor à hierarquia, formaram-se grandes alianças militares, com os países mais fortes tendo o poder supremo das decisões e os demais países somente seguindo aqueles que tem força para decidir.

     Isto, nos países como o nosso, onde o povo não governa. Porque existem países onde os seus povos, através de revoluções, tomaram o poder em suas mãos e elegeram formas de governo que não incluem a militarização como premissa básica de governo ou a entrega do poder a políticos corruptos.

     São esse países os visados pelas grandes alianças militares, como, por exemplo, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que é custodiada pela ONU. A OTAN é uma organização militar que compreende os países europeus, mais os Estados Unidos e o Canadá. Mas, na verdade, é dirigida pelos Estados Unidos.

     A ONU, que sempre apóia tudo o que a OTAN faz, teoricamente seria uma organização civil, com representantes em quase todo o mundo, que existe para unir os povos e promover a paz, etc. Mas, na realidade, é dirigida pelos interesses dos Estados Unidos e de seus aliados, constituindo-se em uma espécie de organização fantoche do império.

     E o império atual, assim como todos os impérios que já existiram no decorrer da história das civilizações, é um império militarizado. A cabeça exposta desse império são os Estados Unidos, mas dele participam, com o mesmo poder de fogo, as demais nações que possuem arsenal nuclear. Com algumas exceções. Paquistão, Índia, China, Coréia do Norte, são algumas das nações que tem armas nucleares, mas nem sempre estão alinhadas com o império.

     Como todo império que se preze, o atual deseja dominar a tudo e a todos. Não por razões lógicas perfeitas ou devido a uma filosofia pura e humanitária, mas para conquistar todos os mercados do mundo, porque a sua origem é o capitalismo e as grandes empresas necessitam de mercados abertos para vender os seus produtos.

     Mas, atualmente, os militares também são considerados como um produto. O capitalismo previu a sua utilização como fonte de renda e lucros, à medida que fosse formada uma mentalidade militar voltada somente para o materialismo. Por isso, os militares são muito bem pagos para executarem as ordens dos seus senhores e pensarem que são eles que governam. Acostumados a não pensar e a somente obedecer, os militares concordaram com os planos de dominação mundial dos capitalistas e deles participam ativamente acreditando não na glória ou na honra, mas na conquista do espólio final.

     Em relação ao império que fabricou essa mentalidade militar, eles são mercenários e estão à mercê dos seus senhores. Não porque sejam somente submissos às decisões das multinacionais que governam o império. Mas também devido a isso. Mercenário é aquele que trabalha por soldo, não por ideal. É uma palavra que vem do latim mercenariu, de merce = comércio.

     Militares, no entanto, consideram mercenários somente aqueles que utilizam armas, mas não representam, oficialmente, nenhum país e que são contratados por países ou grandes empresas para desestabilizar militarmente as economias de outros países que contrariam os seus interesses. Geralmente esses mercenários são pessoas viciadas em guerras e tiram das guerras o seu sustento. Não possuem nenhum ideal e tem imenso prazer em matar – ao contrário dos militares fardados, que matam por obrigação.

     Antigamente, quando os príncipes eram príncipes apenas pelo poder econômico e sentiam grande necessidade de aumentar esse poder, invadindo e conquistando as terras dos outros, contratavam mercenários para esse serviço. Acontecia, às vezes durante as batalhas, o curioso fato de mercenários trocarem de lado, seguindo a lei mercenária de sempre aceitarem a maior oferta.

     Maquiavel, que serviu na administração da República de Florença, de 1498 a 1512, escreveu um livro intitulado “A Arte da Guerra” onde, entre outros assuntos bélicos, criticava o hábito daquela república – que era governada por famílias principescas, como os Médici e os Soderini – de contratar mercenários para fazer as suas guerras habituais contras as outras cidades italianas. Propunha que aquela cidade-estado formasse um exército regular com os seus cidadãos, a exemplo do que já acontecia em países bem maiores, como a França.

     Foi-lhe dada uma oportunidade de fazer uma experiência para provar a sua tese e Maquiavel recrutou um pequeno exército, formado por pessoas pobres e pequenos agricultores. Mas não deu certo. Os pequenos agricultores consideravam-se muito mal pagos e preferiram continuar cultivando os seus pequenos terrenos e as pessoas pobres recrutadas logo desertaram quando dos primeiros combates travados contra exércitos de mercenários de outras cidades. Acharam que a pobreza era preferível a serem mortos defendendo os interesses das grandes famílias de Florença.

     Quando os países começaram a consolidar as suas fronteiras, a necessidade de exércitos regulares tornou-se imperiosa e a essa necessidade seguiu-se a lei de alistamento obrigatório. E, devido a essa lei, que obriga os jovens a participarem ativamente dos interesses bélicos dos seus respectivos países, surgiram as Forças Armadas, divididas em Exército, Marinha e, posteriormente, – para horror de Santos Dumont - Aeronáutica. Nem todos os jovens alistados servem nas Forças Armadas dos seus países, mas, com certeza, todos os jovens pobres alistados são obrigados a servir.

     E servir é a palavra correta. A formação e a organização dos países originou diversos tipos de coerção sobre os cidadãos. O simples fato de nascer em determinado país obriga as pessoas a fazer coisas que, voluntariamente, não fariam, como pagar todo o tipo de impostos exigidos pelo Estado e servir nas Forças Armadas. Para que esse regime de servidão não pareça uma escravidão permanente, o Estado utiliza valores morais, como o amor à pátria, para coagir as pessoas a agir contra a sua própria natureza.

     Servir nas Forças Armadas é uma das maneiras das pessoas demonstrarem seu amor à pátria, mesmo que esse amor passe a ser obrigatório. E assim agindo, o Estado – sempre representado pelas famílias mais ricas – obriga os cidadãos mais pobres a morrerem heroicamente, quando necessário. Ou a seguir carreira - se tiverem capacidade e instrução suficiente. E, talvez, se transformarem também em pessoas ricas que passarão a representar o invisível, mas poderoso, Estado, coagindo as pessoas fardadas mais pobres a lutarem em seu nome, ou por amor à pátria.

     É claro que esse serviço é pago, porque os soldados recebem o seu soldo, e, de acordo com a gradação, o pagamento é maior. Mas em outras épocas não era assim. Em muitos casos, os soldados arregimentados para uma batalha recebiam a promessa da liberdade de saque. Começavam a batalha pensando em defender a nação e terminavam como ladrões.

     Aliás, até hoje. Uma guerra não se faz por princípios, mas por necessidade. Às vezes, necessidade de saquear as riquezas de outro país. Mas sempre em nome de valores morais. Os soldados, imbuídos desses valores morais, saqueiam outros países para que os muito ricos dos seus países se tornem ainda mais ricos. Existem inúmeros exemplos, na História, dessa degradação moral nas guerras, em nome de valores morais intangíveis.

     Mas exemplos mais próximos são mais tocantes. As invasões do Iraque e do Afeganistão foram feitas para ‘defender a civilização ocidental e contra o Islamismo terrorista’. Mas a verdade é que os Estados Unidos e seus aliados entraram naqueles países para tomar os seus poços de petróleo e outras riquezas. A guerra civil na Líbia, que seria ‘contra a ditadura e pela liberdade’, está se transformando em uma descarada invasão daquele país para roubar petróleo e gás.

     Quando surgiram os militares como organização bélica em seus países, eles lutavam pela honra e pelo amor à pátria. Às vezes, individualmente, também lutavam por suas amadas ou pela conquista de um ideal. Tornavam-se exemplos de retidão, de boa conduta e de luta constante pelo bem da Humanidade.

     Ainda existem militares assim, principalmente nos pequenos países onde a luta é para preservar as raízes do nacionalismo. Talvez ainda exista esse tipo de militar até no Brasil. Aqui, tivemos grandes exemplos de idealistas que tiveram que se converter em militares para tentar realizar um país justo e humano.

     Na verdade, se pensarmos bem e com o mínimo de análise que requer este pequeno texto, até a primeira Guerra Mundial os militares de cada país lutavam pela honra e pelo dever de defender a sua pátria. O início do século vinte ainda continha um pouco do romantismo dos séculos anteriores, principalmente dos séculos dezoito e dezenove, quando houveram grandes guerras de libertação e os militares se distinguiram justamente por se constituírem em líderes dessas lutas.

     Na América Latina reverenciamos, com justiça, a libertadores tais como Artigas, Sucre, Martí, Che Guevara, Fidel Castro, Emiliano Zapata, Pancho Villa, Toussaint L’Ouverture no Haiti, Francisco de Miranda, San Martín, Simon Bolívar, Bernardo O’Higgins, e tantos outros que a memória agora me falha. O curioso é que não consigo lembrar nenhum grande libertador no Brasil.

     Aqui, houveram líderes de revoluções, que tentavam a separação do Império – como Tiradentes, em Minas Gerais, João Batista Gonçalves Campos, no Grão-Pará (atualmente Amazonas e Pará), Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, que liderou a Balaiada, no Maranhão, Ceará e Piauí; Francisco Sabino, que liderou a Sabinada, na Bahia; general Netto, Bento Gonçalves e Garibaldi, que lideraram a Revolução Farroupilha.

     Invariavelmente, movimentos que foram traídos e seus líderes assassinados ou cooptados para as forças do Império, como Bento Gonçalves e Netto, que lutaram, mais tarde, na Guerra contra o Paraguai. E no século vinte, já durante a República, Antonio Conselheiro, que não liderou nenhuma revolução, mas fundou uma cidade no Nordeste, chamada Canudos que teve todos os seus habitantes massacrados pelo glorioso exército nacional.

     E pensando um pouco mais, puxando pela memória, depois que os militares instalaram a ditadura, em 1964, líderes como Mariguella e Lamarca merecem ser lembrados. Além daquela centena de gloriosos brasileiros que morreram lutando no Araguaia. Na verdade, a maioria deles foi traída por pessoas que hoje são políticos - e torturados e assassinados, para alegria suprema dos militares.

     Na verdade, houve um grande revolucionário, chamado Luiz Carlos Prestes, que atravessou o Brasil de ponta a ponta, nos anos ’20, lutando contra militares e cangaceiros contratados pelo governo da época, com uma coluna que foi depois chamada de “a Coluna Invicta”, que jamais foi vencida em nenhuma batalha ou combate e acabou se internando na Bolívia, por absoluta falta de armas, munições e víveres. Prestes era um militar. Como Lamarca, desertou do exército para fazer a revolução. Eram tempos em que militares - alguns deles - também pensavam em termos de nacionalismo e lutavam contra as injustiças de armas na mão. Época em que não havia Mcdonalds no Brasil.

     E houve, depois, nos anos ’30 um grande brasileiro nacionalista – advogado e jornalista – chamado Getúlio Vargas que, por estar na política, rebelou-se contra os políticos corruptos e fez duas revoluções – em ’30 e ’32 – contra as oligarquias dominantes. Venceu e como ditador deu direitos ao povo trabalhador, mas foi deposto em 1945 pelo exército que voltava de uma guerra que não era sua, na Europa e que de tanto fazer a cobra fumar acreditou que o Brasil deveria ser uma extensão dos Estados Unidos.

     Depois, mataram Vargas em 1954, quando era presidente, golpearam João Goulart em 1961 e em 1964 e instalaram-se no poder até o momento em que acharam civis confiáveis para quem esse poder poderia ser passado. Nesse meio tempo, mataram todos de quem desconfiavam.

     Militares são assim. Obedecem a outros militares e mandam nos civis a quem fingem obedecer, como no Brasil de hoje. Tem um pacto de sangue entre si e querem dominar a todos e a tudo. O seu único medo é que o povo acorde e reivindique um pouquinho desse poder.

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