sexta-feira, 18 de maio de 2012

CONVERSAS DAQUI E DE LÁ




O escritor português José Solá, autor de “As Agruras do Mal”, “Contos Polêmicos” (em dois volumes) e “Ganância” – este último alcançando grande sucesso – além de inúmeras crônicas e contos publicados em jornais como o “Diário de Lisboa”, escreve-me pequena mensagem que eu publico com a sua licença:

     "Meu caro: a Europa está dominada por pantomineiros, vigaristas, aldrabões, nazis, assassinos e todo o genero de canalhada que imaginar se possa; essa gente está nos lugares cimeiros dos estados, (reis, presidentes da republica (?), primeiros ministros, segundos ministros e etc; dominam os aparelhos de Estado, a alta finança, e tudo o que dê dinheiro, e isso acontece porque sabem muito bem cantar canções de embalar aos povos que lhes garantem o poder e que os veneram como se fossem estrelas de futebol. É gente asquerosa que só pela força vão largar o osso! Veja que, em Portugal, nesta maravilhosa republica das bananas, possivelmente vão morrer pessoas por falta de medicamentos, (eu inclusive), e todos os responsáveis assobiam para o ar! Obrigado por me aturares de quando em vez! Um abraço!"

     Solá ficou doente depois de participar de uma daquelas gigantescas marchas de protesto que ocorrem seguidamente na Europa contra a tirania do capital. Os “responsáveis que assobiam para o ar” jogaram a sua polícia robotizada – com canhões d’água, gás de pimenta e balas de borracha - entre outros artifícios tecnológicos de repressão, contra os manifestantes que marchavam em Lisboa. As marchas continuam. “Navegar é preciso...”, como disse o Infante Dom Henrique, ou: “O povo unido jamais será vencido”, como dizia o velho Lula, quando era jovem e sincero.

     “Aturar” as mensagens de Solá é uma das bênções da minha vida. José Solá possui a arte de saber sintetizar em poucas palavras aquilo que todos nós pensamos e raramente sabemos dizer. Pensamos do Brasil – um país “dominado por todo genero de canalhada que imaginar se possa”. E percebemos que há uma diferença cultural gigantesca entre a maioria das nações europeias e o nosso povo encarnavalado.

     Lá, o povo sai às ruas para protestar contra o domínio dos banqueiros que torna os políticos vigaristas subordinados, ao ponto de tirarem da população direitos conquistados há mais de cem anos, provocando o desemprego que atinge mais de 17 milhões de pessoas na zona do euro, sufocando a produção, a indústria e os serviços. A grande maioria dos países europeus está entrando numa recessão que atinge principalmente o povo, da classe média para baixo, enquanto os ricos ficam ainda mais ricos.

     No entanto, lá o povo sai às ruas em marchas de protesto, destitui governos – como na Grécia – e não aceita a miséria como destino. É um continente que tem 80 milhões de pessoas pobres, aproximadamente 26 por cento da população total, como consequência da crise provocada pelos banqueiros e políticos. O diretor da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), Jacques Diouf, afirma que esse panorama é fruto de 15 anos de neoliberalismo, o qual jogou milhões no desamparo.

     Aqui, a classe média, não tão média assim, sai às ruas das grandes capitais para defender a descriminalização da maconha. É a grande bandeira de luta deste momento histórico, quando os índios pataxós da Bahia tentam resistir ao neocolonialismo invadindo áreas que sempre foram deles, as nações indígenas do Xingu preparam-se para enfrentar a polícia da ditadura disfarçada de democracia na defesa das suas terras que serão inundadas pela mega-hidrelétrica de Belo Monte e os restantes demais indígenas do Brasil tentam evitar o extermínio, mesmo que seja apenas através de palavras que nunca são reproduzidas pela mídia aliada ao governo.

     Mas a classe média (não tão média assim) dos brancos e dos negros com alma branca quer maconha, futebol e samba.

     O povo, a quase totalidade dos brasileiros, independente de cor ou origem, continua a ser enganado pelos aldrabões contumazes, através de promessas de melhorias sociais, não de transformações sociais. Os sindicalizados raramente protestam, um pouco porque os seus líderes são aliados do governo, pelegos assumidos; outro pouco porque formam uma casta à parte em relação à miséria que cada vez prolifera mais, apesar das chorosas promessas da Dilma e dos discursos roucos de Lula.

     12,9 milhões de crianças morrem antes de completarem 5 anos, no Brasil, enquanto 10% dos muito ricos detem quase toda a renda nacional. Não mudou muito, ou quase nada, desde a época da ditadura oficial fardada.

     Dia desses eu vi, na televisão, quatro ex-presidentes brasileiros: Collor, o que foi eleito e deposto pela rede Globo, e um dos donos de Alagoas; Sarney, o bom menino que escreve versos e é aliado de todos os governos, e dono do Maranhão; Fernando Henrique, que deu início à política de privatizações e consequente entrega do Brasil às multinacionais, e Lula, o maior exemplo de demagogia da história brasileira, que continuou a entregar o Brasil a bancos e empresários. Ao lado, Dilma, que o Lula elegeu. Era a cerimônia de implementação da Comissão da Verdade, que deverá investigar crimes políticos e militares de 1946 a 1988. Antes e depois dessas datas faz de conta que não houveram crimes. Todos sabem que a tal Comissão da Verdade foi criada para nada fazer e pouco dizer. Com certeza, alguns conhecidos criminosos daquela época serão novamente reconhecidos. Nada além disso.

     E a classe média, não tão média assim, quer maconha. Também quer outras drogas, mas, por enquanto, só faz marchas pela maconha.

     Enquanto isso, o Brasil vai sendo devastado rapidamente, agora oficialmente, através de um Código Florestal que beneficia latifundiários e grandes empresas – nacionais e estrangeiras – encarregadas do desmatamente e da desertificação da terra através da plantação de produtos transgênicos. Poucos falam a respeito, somente um punhado na Internet, que está sendo ameaçada de censura. Os ambientalistas que se revoltam abertamente são assassinados. Esses crimes a Comissão da Verdade não investigará.

     Outra comissão, formada por congressistas, investiga crimes de congressistas, e todos sabem que também nada resultará dessas investigações. Talvez role uma ou outra cabeça, em limpeza estratégica. É uma das maneiras que deputados e senadores brasileiros encontram para justificar os seus salários que, com todos os adicionais, chegam a mais de 150 mil reais por mês. Eles brincam de trabalhar.

     O povo brinca de esperança, já faz tempo. Sendo que a esperança do momento é que a seleção brasileira vença a Copa do Mundo de 2014, embora ninguém leve muita fé.

     Fé. Multiplicam-se os programas de rádio e televisão das igrejas evangélicas, e até da elitizada igreja católica. As igrejas estão cheias a qualquer hora. É necessário ter fé, acreditar que algum poder transcendental virá nos salvar, ou, ao menos, nos garantir que em outra vida a felicidade será permanente. Um pouco tediosa uma felicidade permananente, mas bem melhor que uma infelicidade constante.

     Jogar no bicho também pode dar certo. Talvez a sorte apareça e você acerte os números de alguma loteria. Talvez o seu time ganhe um campeonato. Talvez as eleições tão próximas revelem políticos menos corruptos. É tudo uma questão de fé.

     No Brasil, a cada cinco minutos morre uma criança. A maioria, devido a doenças provocadas pela fome. 36 milhões de brasileiros nunca sabem quando terão a próxima refeição. São dados da UNICEF.

     Mas a classe média, não tão média, quer maconha e outras drogas; os pobres vivem de fé e esperança e os dez por cento muito ricos pensam que são muito caridosos.

2 comentários:

  1. Muito boas essas conversas daqui e de lá. Mostram as diferenças da luta dos povos em suas reinvidicações. Matéria também com informações oportunas sobre nosso País. Parabéns, e obrigada.
    Lidia.

    ResponderExcluir
  2. Um abraço Fausto, e obrigado. Tudo indica que o Brasil e o mundo possam em breve ler a Ganância em formato Livro Digital. Depois informo, quando as coisas sejam concretas.Dentro de dias vou publicar nos Amigos de Cá e de Lá um pequeno trabalho, até lá, força. José Solá

    ResponderExcluir

Faça o seu comentário aqui.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...