domingo, 13 de maio de 2012

ZIS



Cerceis. Surgiu de uma poesia, talvez de um verso mal rimado, de um momento de abstração, se isso ainda existe neste mundo extremamente material, ou, talvez, no momento em que eu estava ouvindo uma milonga na hora do mate. O meu Word não reconhece a palavra milonga: é sudestino, feito para o Brasil ainda escravocrata até nas palavras.

     Estava ali e não fiquei assustado ou surpreso quando perguntou: “O que é Brasil?”

     – É um país ao qual estamos agregados à força, respondi sem ainda me dar conta da sua presença. Porque são tantas as revoluções, quando amanhece e ainda parece noite, que tudo é normal, até conversas com o silêncio.

     “Preciso de um número”, disse, quase a suplicar, “qualquer número”.

     – Serve uma fórmula? E = mc2 está bom?

     “Muito antiga, mas já é alguma coisa. Equivocada, é claro”.

     - Equivocada, Cerceis? Foi então que percebi que tinha pronunciado o seu nome, que talvez tivesse intuído naquele início de manhã, quando os passarinhos já chilreavam e o mundo nascia de novo. – Equivocada? Foi exposta pelo gênio da língua de fora, o gênio da bomba atômica, o gênio dos gênios - retruquei, indignado, e passei a tentar explicar a teoria da relatividade. Cheguei a falar sobre o trem que se move ou parece se mover, dependendo do ponto de vista de quem está dentro ou de quem observa o trem.

     Riu-se do retrato da língua do gênio, mas gostou dos cabelos, e insistiu: “Equivocada, porque quem observa os dois, talvez do alto, deve, necessariamente, ter outro ponto de vista. E quem observar o que observa... e assim infinitamente, como uma periódica”.

     – Mas a equivalência massa-energia não é verdadeira?

     “Óbvio. E massa-energia é igual a que? A mais massa-energia, a pontinhos fotônicos, à curvatura do tempo, a estrelas mortas que parecem vivas porque a sua luz ainda chega até aqui? Tudo é zis, em igual velocidade e sem tempo - que é uma ilusão da densidade afoita. Percebe?”

     Não percebi. Não parecia zis, mas zen. Tudo é e fim. Parmênides em demasia. Falei para ele sobre o Ser e o Não Ser; o rio que não é o mesmo quando se entra nele pela segunda vez; a tartaruga que vence Aquiles na corrida, todas aquelas coisas filosofistas ou filosofaicas ou filo de alguma coisa, talvez da Sofia imaginada pelos gnósticos. Expliquei que a nossa era uma civilização de sábios - embora também de suicidas - que tudo explicavam e que estavam descobrindo até a partícula de Deus. – A Partícula de Deus, Cerceis, entende?

     “O que é Deus?”

     Paciência tem limites, mas a minha era grande naquela manhã que crescia e trazia consigo um frio gostoso de quase inverno. Domingo é um dia em que o tempo parece não existir.

     - Deus é o ser que criou todas as coisas, todos os seres, todos os mundos e dimensões. Criou a natureza e o homem que está devastando a natureza. Esta é a teoria criacionista, adotada pelas religiões. Há outra, a darwiniana, ou evolucionista, que acredita apenas na matéria e descarta seres que não podemos ver ou provar a sua existência. Extremamente científica, diz que os seres foram evoluindo uns dos outros. A primeira molécula teria gerado aglomerados de moléculas, que, com o tempo, deram origem a todas as espécies, até chegar ao ser humano inteligente e que descobriu essa teoria. E antes da primeira molécula houve o primeiro átomo e antes do primeiro átomo a explosão – que chamam de Big-Bang – que originou tudo.

     “Mas não é a mesma coisa? O que houve antes do Big-Bang? A tal Partícula de Deus? E antes dessa partícula? Nada surge do nada e vocês complicam muito o que é simples: tudo é zis.”

     - Não estou entendendo, Cerceis.

     “É tão simples! Por que tantas teorias? Buscar o início é o mesmo que prever o fim. E não existe início nem fim. Eternidade – não é esta a palavra? Talvez infinito? O que os cientistas de vocês estão tentando provar é que existe um início e um fim para todas as coisas, e isso é um erro. Tudo se transforma infinitamente. O que parece ser o fim é o início de outros universos, de multiversos, de novas dimensões. E a teoria criacionista também está errada por essa mesma razão. Como poderia Deus ter um início se ele é tudo – expansão e contração ao mesmo tempo sem tempo? Neste caso, ele também teria um fim, o que não é concebível.”

     - O Todo é igual ao Nada?

     “Só por uma necessidade de expressão, de usar palavras. Tudo é uma só coisa em diferentes formas visíveis e invisíveis: zis.”

     - Não estou convencido, Cerceis. Tu me pediste um número, e se eu te desse o número 1 - ele não é a origem de todos os demais números? Sem o 1 não existe o 2, o 3, etc. Talvez não existisse nem a ciência. E o 1 significa início, criação, assim como Deus ou como o primeiro átomo, a primeira partícula.

     “Ora, que bobagem! Perdão, que mania de só olhar para um dos lados. Se o 1 existe, isso só significa que deve existir o menos 1, menos 2, e por aí vai. Sem esquecer o zero, que é a contração supostamente invisível de todos os números. Se há uma contração, necessariamente haverá uma dilatação expressa pelos números, para todos os lados, porque o zero é redondo e expressa finitude e infinitude: zis.”

     Simples assim? Tudo é zis?

     “Tudo é zis, mas vocês tem a mania da demonstração. Por isso são criadas coisas monstruosas, como as armas atômicas ou piores. Os cientistas costumam ser egomaníacos; não se preocupam com a vida, apenas com o seu limitado anti-zis.”

     - Antes de tu aparecer, surgir, sei lá, eu estava pensando em escrever uma matéria sobre o Dia das Mães. Dizer o quanto elas são importantes, necessárias, amorosas... Não só as que são mães, mas todas as mulheres, pois todas trazem em si o universo do apego e desapego ao mesmo tempo; sabem doar-se e sabem desfazer-se dos que amam, mesmo com muito sofrimento. Tudo devemos a elas; não só a vida – e a vida já é tudo – mas a sensibilidade, o carinho, a capacidade de percepção, a leveza, a suavidade. Acredito que só as mulheres podem evitar que o nosso mundo continue suicida.

     “As mulheres são muito zis!”

     - Zis?

     “Elas não precisam de números. São simplesmente zis.”

Um comentário:

  1. Matéria muito "Zis". interessantes abordagens sobre início e fim, criacionismo e teoria da evolução das espécies, toques de numerologia do blogueiro, e por aí vai. Singular homenagem às mulheres, mães ou não. Parabéns, e obrigada!
    Lidia.

    ResponderExcluir

Faça o seu comentário aqui.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...