quinta-feira, 21 de junho de 2012

AS CATURRITAS E OS LOBOS




Matéria no jornal Folha do Sul, de Bagé - ainda a minha cidade - revela que cortar árvores é uma prática justificada pela própria Secretaria do Meio Ambiente. Principalmente se o corte de árvores for uma solicitação de empresários, porque a Prefeitura de Bagé tem como principais aliados os empresários da cidade, obedece a tudo que esses senhores desejam. Cortar árvores é um dos seus desejos. A Prefeitura obedece.

     Diz a matéria, de 19 de junho, na página 11: “O biólogo Zeno Freitag, da secretaria, informa que a solicitação de corte foi feita por um empresário que irá desmanchar um prédio que está comprometido pelo seu estado de deterioração. No local, será construído outro”.

     Até aí, aparentemente tudo bem. Razoáveis motivos para o corte das árvores. Razoáveis motivos para eles, que se acreditam os donos da cidade, porque não existem motivos ou razões suficientes para algo tão anti-ecológico como cortar árvores.

     Uma única árvore pode transpirar por suas folhas até 60 litros de água por dia, formando um vapor que se mistura com as partículas de poluição do ar, acumulando-se em nuvens e provocando a chuva.

     Bagé é uma cidade que sofre com constantes e avassaladoras secas. Os dois últimos prefeitos, do mesmo partido muito amigo dos empresários, estão construindo uma terceira barragem emergencial há mais de seis anos. O povo e a natureza sofrem com a seca até no inverno. Quando um antigo prefeito, certa vez, durante uma dessas grandes secas, recebeu o conselho de que mais árvores deveriam ser plantadas na cidade, achou muito engraçado. Até mandou plantar algumas, mas depois desistiu. Era de outro partido, igualmente muito amigo dos empresários.

     Quem, despreocupadamente, lê a matéria que foi manchete no jornal Folha do Sul no dia 19, até pode achar suficiente a explicação do biólogo. Alguns vão achar estranho, no início da leitura; outros vão se apavorar ao ler a continuação. O biólogo explica que cortar as árvores da cidade é um projeto da Prefeitura, apoiado por sérias instituições.

     “A ideia é, com o tempo, ir substituindo as árvores de maior porte por outras mais adequadas. Em geral, de pequeno ou médio porte, sejam elas exóticas ou nativas”.

     Ou seja, continuar cortando as árvores. E substituí-las, ‘com o tempo’, por outras árvores – inclusive exóticas – desde que sejam do tamanho considerado ‘adequado’.

     O biólogo ainda diz que as árvores da cidade são velhas, colocando esse argumento como mais uma razão do corte de árvores. Leiam “Prefeitura”, quando eu escrevo biólogo. Não acredito que tenha falado aquilo conscientemente. Afinal, ele tem que defender o seu emprego e deve saber que uma árvore adulta recebe pelas raízes muitos nutrientes de matéria orgânica (como as fezes dos animais), que são absorvidos e transformados, através da fotossíntese, em alimento para toda a planta. Também deve saber que a camada de folhas que se forma embaixo da árvore, serve de berço para as sementes e para proteger o solo dos pingos de chuva, evitando a erosão. Além disso, folhas, frutos, madeira e raízes servem de alimento para diversos seres vivos. Uma árvore é um pequeno ecossistema; quando destruído, afeta todo o meio ambiente onde está inserido.

     Mas, aqui em minha(?) cidade, o que importa é o tamanho das árvores. Eles chamam isso de “revitalização”. Já revitalizaram algumas praças e as deixaram quase nuas de árvores e sem nenhum gramado. São loucos? Talvez sejam racionais em demasia, e é isso que eu temo. Tenho muito medo dos que esbanjam excesso de razão, porque costumam ser predadores. São estranhos seres insensíveis que acreditam que saber é poder, e que revelam esse poder de uma maneira absolutamente destrutiva.

     Um dos pensadores prediletos dessas pessoas que consideram a natureza alheia ao ser humano, de tal forma que existe somente para ser usada, é Francis Bacon. Em “Elogio ao Conhecimento” (1592), Bacon escreve: (..) “Será que não devemos perceber tanto a riqueza do armazém da natureza quanto a beleza de sua loja? Será estéril a verdade? Não poderemos, através dela, produzir efeitos dignos e dotar a vida do homem com uma infinidade de coisas úteis?”

     Com a filosofia de Bacon, o mecanicismo cartesiano era alimentado pelo utilitarismo e nascia o homem racional, acreditando que a natureza existe apenas para servi-lo.

     Algumas correntes de supostos pensadores e sociedades que se dizem discretas em seus aventais litúrgicos, afirmam que Bacon era Shakespeare. Que teria sido ele, Bacon, a escrever as obras de Shakespeare, em lugar do autor, que não possuía nem título de nobreza. Mas basta ler e raciocinar sobre as obras de Shakespeare, em seu extremo romantismo e amor à vida, para nos darmos conta que é uma afirmação, no mínimo, falaciosa. Houve quem chegasse a dizer, para rebater, que é mais provável que Shakespeare tenha escrito as obras de Bacon, do que o contrário. Também não acredito nisso. Shakespeare era muito inteligente e, antes de tudo, um artista, ao contrário de Bacon.

     Foi esse pensamento cartesiano-mecanicista-utilitarista, originado durante o Renascimento, que sustentou filosoficamente o surgimento da industrialização e do capitalismo selvagem, com todas as suas contradições e misérias, culminando com a destruição da natureza.

     Por isto também, a Rio+20 não vai dar em nada. É uma cúpula dos donos do poder (e mais algumas esforçadas ONGs) que simplesmente estão constatando o alto grau do seu poder de destruição. Mas como essa destruição gera lucros, nada será feito, além de uma carta de boas intenções.

     Aqui, na minha cidade, árvores são cortadas. Em seu lugar serão plantadas, inclusive, árvores exóticas, desde que tenham o tamanho adequado para a funcionalidade que a nova democracia formada por políticos e empresários exige.

     Já temos árvores exóticas no pampa, principalmente o eucalipto, plantado especialmente para fornecer madeira para as fábricas de celulose. Está comprovado que o eucalipto, que está se tornando uma rendosa monocultura para alguns, provoca a perda de biodiversidade, provoca erosão e mata as árvores nativas da região onde é plantado, devido ao seu grande consumo hídrico. As árvores nativas são desprezadas, porque o que interessa é o lucro.

     A Agência Internacional de Desenvolvimento do Canadá recomendou que “para retornar ao sequestro potencial de carbono de 1950 deveríamos restabelecer 500 milhões de hectares de florestas nativas”.

     Mas aqui se planta eucaliptos e em floresta de eucaliptos, geralmente só há formigas e caturritas. Tantas caturritas, que já invadiram a cidade.

     “Cinco por cento da área original do bioma pampa já foram perdidos para a monocultura do eucalipto e seus desertos verdes. Os impactos desse cultivo para o aqüifero Guarani, maior reserva de água doce do mundo, serão irreversíveis. Aumentará a desertificação em municípios como Alegrete e Bagé onde, aliás, as papeleiras já adquiriram áreas e estão principiando o plantio de mudas de eucalipto” – afirma o jornalista Cristiano Muniz, em seu blog “Não Deixe o Pampa Morrer” (salveopampa.blogspot.com.br). Isto ele escreveu no tempo de Yeda Crusius como governadora do estado. Agora os eucaliptos já cresceram.

     Mas não é somente Yeda Crusius a responsável, ou o grupo RBS ou quaisquer outros alvos mais visíveis. Para que esteja acontecendo a desertificação do solo e consequentes secas e desastres ambientais, é necessário, no mínimo, a complacência dos governos municipais. E em Bagé temos um governo demasiado complacente com o que acontece no município. Dentro da cidade, o corte desenfreado das árvores; no campo, a cegueira, a desinformação ou a ganância.

2 comentários:

  1. Bagé, também, ainda minha cidade, concordo em relação à empresários e prefeitura. Informações sobre ecologia valiosas, e o comentário sobre Shakespeare e Bacon: excelente. Parabéns!
    Lidia.

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  2. Como sempre, muito oportuno!
    E ultimamente sempre tenho me assustado ao não reconhecer mais minha cidade...A general Netto me deixou perdida, a General Osório também...a paisagem já não era a mesma....
    E quando lí a justificativa...não acreditei...empresários, construções....me poupem desses argumentos...muito triste.
    Tens toda a razão, Fausto! Ponto pra ti, vou compartilhar....Heloisa Beckman

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