sexta-feira, 29 de junho de 2012

O PREFEITO E AS ELEIÇÕES






O prefeito estava em seu gabinete de secretário quando mandou chamar o seu secretário... Ou melhor, o prefeito estava no seu gabinete que desejava que fosse gabinete de prefeito, quando... Ainda melhor: o secretário do secretário que pensava que era prefeito foi chamado ao gabinete do secretário que só admitia ser chamado de prefeito. Entrou e foi logo falando.

     - Às ordens, companheiro secret... er... companheiro prefeito.

     - Nunca esqueça, companheiro secretário: quem já foi rei sempre será majestade. Tive a infelicidade de ser sucedido por um adversário político que faz questão de não reconhecer essa grande verdade e que pensa que quem manda agora é ele.

     - Mas companheiro prefeito, o companheiro prefeito que o sucedeu na prefeitura não é do nosso partido?

     - Siglas! Não me venha com siglas! Ideologias! Quem quer saber disso? Só ele, que ainda é um retrógrado!

     - Mas companheiro prefeito...

     - Nem mas, nem meio mas! Diga-me quem é o mais bonito: eu ou ele?

     - É o senhor que manda, companheiro prefeito.

     - E quem manda sempre é mais bonito, não é verdade? Já escreveu aquele texto, companheiro secretário?

     - Qual deles, companheiro prefeito?

     - Aquele para o meu jornal de Três Estrelinhas - a cidade onde eu fui, sou e serei prefeito!

     - Permite uma pequena correção, companheiro prefeito?

     - Só se for uma correção bem pequena. E cuidado com as palavras.

     - Bem pequenininha...

     - Está bem. Fale!

     - O senhor não poderá ser o próximo prefeito porque não é candidato. O candidato é o seu adversário político do nosso partido sem ideologia.

     - Santa ingenuidade! Então o companheiro entende que só porque eu não sou oficialmente o prefeito e porque não concorro às eleições para prefeito eu não vou mandar? E eu não sou o prefeito agora, mesmo que tenha aquele outro lá, ostentando o nome de prefeito? Ele não depende de mim, dos meus contatos partidários, da minha influência no governo do estado para receber verbas? Atenda, que o telefone está tocando.

     - É o governador, companheiro secret... er... prefeito.

     - Passe o telefone!

     “Pois não, companheiro padrinho... Beijo as suas mãos, companheiro padrinho... Os pés também... Eu sei que devo tudo ao senhor, companheiro padrinho... Tudo, tudo, tudo, até as calças que... Não preciso exagerar? Claro que não, companheiro padrinho... Perdão, companheiro padrinho, mas fazer campanha política com ele, subir no mesmo palanque... Perdão, companheiro padrinho... O que eu estava dizendo?... Nada, companheiro padrinho! Eu estava apenas pensando alto... Não é para pensar alto? As paredes tem ouvidos?... Os telefones também?... Eu sei, companheiro padrinho... Como quiser, companheiro padrinho... Fingir apoio... Chutar com as duas... É claro que eu sou esperto, companheiro padrinho!... O senhor é um gênio, companheiro padrinho!... Aquele jornal? Já mudei a direção, está tudo encaminhado, companheiro padrinho, não se preocupe. Obrigado, companheiro padrinho... Mil vezes obrigado... Não precisava tanto!... Quer dizer... nunca é demais... Obrigado, companheiro padrinho! Obrigado!!!”

     - Ele desligou. Será que eu falei alguma coisa errada?

     - O senhor falou o de sempre, companheiro prefeito. Ele é dado a esses chiliques, o companheiro sabe, liga e desliga o telefone quando quer.

     - Ah, o poder! Nada como o poder...! Poder ligar e desligar o telefone quando quiser... Poder dizer o que quiser... Poder fazer os outros se agacharem... Poder até exigir que os outros... Não! Eu não gosto de pensar nisso. São águas passadas. Foi um momento de volúpia de poder.

     - Como disse, companheiro prefeito?

     - Eu perguntei se o companheiro já escreveu o meu artigo para o jornal de Três Estrelinhas.

     - Qual dos dois jornais, companheiro prefeito?

     - Eu não vou dizer o nome, mas você sabe: o que mudou a direção, o novo, o que seria da oposição. Adoro oposição consentida! O outro já é meu há muito tempo...

     - Aquele que o senhor comprou?

     - Jamais diga isso! Nem mesmo pense! Eu nunca comprei jornal algum. Não no meu nome, entende? Eu sou apenas um servidor do povo. O que seria do povo daquela cidade sem mim? Eles me adoram!

     - O artigo está pronto, companheiro prefeito. Basta o senhor assinar. Mas se eles ganharem, companheiro prefeito? O partido perderá a prefeitura!

     - Somente oficialmente, companheiro secretário, e apenas por quatro anos.

     - E as rádios? Estão sob controle? Adoro a expressão ‘sob controle’!

     - Todas elas, companheiro prefeito. Inclusive eu fiz aquilo que o companheiro pediu: dois ou três programas que atacam o senhor, para depois serem desmentidos.

     - Você está aprendendo. Devagar e sempre. E os programas da televisão local?

     - Está um pouco mais difícil, companheiro prefeito. Parece que o outro companheiro prefeito, aquele da nossa sigla sem ideologia e que é o prefeito oficial, também está aprendendo.

     - Não fala a palavra ideologia! Por favor! É uma palavra que me lembra aquele outro que está na prefeitura e não quer obedecer à voz da razão. Ou seja, a mim! ‘Voz da razão’ é um chavão, companheiro secretário?

     - Dos mais chaveados, companheiro prefeito.

     - Então, faz de conta que eu não disse, companheiro secretário. Eu somente falo coisas sérias e inteligentes. Jamais digo chavões! Os blogs?

     - É claro, companheiro prefeito. Está anotado. Quando eu escrever a sua biografia, daqui a alguns anos, não haverá nenhum chavão. Quanto aos blogs, por enquanto temos um, companheiro prefeito. Tem até charges e histórias em quadrinhos. Está ficando caro...

     - Nada que não se possa bancar, não é companheiro secretário? Sabe-se lá de onde vem o dinheiro; o importante é saber para onde ele vai.

     - Essa é uma frase rara e inteligente, companheiro prefeito. Vou anotar para a posteridade.

     - Voltando ao artigo, como é que está? Eu estou escrevendo bem?

     - O melhor que eu posso, companheiro prefeito, de acordo com o rascunho que o companheiro me passou. Tenho certeza de que não está parecendo uma composição de criança de primeiro grau. Mas tudo isso para perder a prefeitura por quatro anos, companheiro prefeito...

     - Para voltar à prefeitura, companheiro secretário.

     - Voltar com outra sigla?

     - Diga-me quem é mais bonito: eu ou o candidato deles - talvez futuro prefeito, que comerá nas minhas mãos? E aquele outro sumirá! Desaparecerá! Como é bom o poder!

3 comentários:

  1. Nada mais fiel sobre eleições e outras cositas más que se passa em nossa "querida" Bagé. Um podre aqui, outro lá. Não é a Dinamarca, mas...
    Parabéns pela postagem!
    Lidia.

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  2. Chega a dar pena, se é que isso é possível, que ainda tenha políticos que acreditem poder enganar o POVO o tempo todo, graças a esses mesmos políticos o POVO aprendeu a não acreditar naqueles que fazem qualquer coisa pelo PODER, até mesmo descerem a principal avenida da cidade ABRAÇADINHO com o até então, INIMIGO DE MORTE,grças a DEUS temos cérebro!

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  3. Obra de ficção??????????????????
    HaHaHa pura realidade!!!!!!!!!!!!!!!!
    Muito legal, Heloisa

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