sexta-feira, 26 de outubro de 2012

SEU CHICO E A DOSIMETRIA





Estava passeando nos mesmos lugares onde o povo passeia nesta cidade, quando me deparei com uma banca onde estava escrito: “VENDE-SE O MISTÉRIO DA DOSIMETRIA”. Sob o toldo, seu Chico, chimarreando. Ao lado dele, um guri vendia por 1 pila um pequeno texto sobre dosimetria. Uma fila gigantesca que dobrava a praça e subia pela General Osório a perder de vista, segundo me disseram, formada por pessoas pacientes e muito preocupadas com a situação política e jurídica do país, estava diante da banca. O guri se despachava, vendendo os papéis e recebendo o dinheiro. Seu Chico, entre um mate e outro, ia imprimindo e colocando em envelopes os papéis, onde estava escrito no cabeçalho: “DOSIMETRIA: UMA HISTÓRIA VERÍDICA”. Seu Chico me viu e convidou para entrar, oferecendo um banco ao lado do computador e da impressora. Estava afogueado, mas parecia feliz. Passou mais uma pilha de envelopes para o guri, um mate para mim e foi logo falando.

     - Pois veja o senhor que nestes últimos dias só o que se fala é sobre dosimetria.

     - Foi o que percebi, seu Chico. Em todas as rodas. Tentei até puxar assunto sobre futebol e novelas – coisas mais interessantes e alegres – e de nada adiantou. Sempre alguém voltava ao assunto, comentando sobre dosimetria e os demais se entusiasmavam, falando interminavelmente sobre o assunto.

     - O nosso é um povo muito politizado, como o senhor deve saber. Acompanha tudo, discute tudo e a tal de dosimetria é o assunto do momento, como não poderia deixar de ser. Me contaram – mas cá entre nós – que alguns casais estão até se separando por causa disso.

     - Mas qual o motivo, seu Chico?

     - Descobriu-se recentemente, logo após o advento da dona Dilma, que mulher é mais inteligente que o homem; além disso, todos sabem que as mulheres são bem mais práticas. Daí que com todas essas virtudes, algumas mulheres casadas ou muito bem acompanhadas quando lembravam ao marido ou companheiro certas praticidades da vida íntima, eles começavam a falar sobre dosimetria.

     - É dose, seu Chico! Bem que elas tem razão...

     - Pois não é? E eu ouvindo sobre essas coisas, e ainda outras que nem convém lembrar aqui, me resolvi a pesquisar sobre o tema, e da pesquisa veio a ideia de tentar esclarecer esse povo e uma coisa leva a outra e aqui estou, fazendo o que considero um dever cívico.

     - Ótima iniciativa, seu Chico. Pode ser que com os seus esclarecimentos as pessoas voltem a falar em futebol, novelas, coisas saudáveis, e deixem de lado mensalão, corrupção e suas dosimetrias – assuntos que nos levam a pensar que este não é um país sério.

     - O que é um pecado! Um país tão bonito... Cheio de praias... Poluídas, mas praias. Com imensas florestas... Estão sendo desmatadas, mas florestas. Ainda. Com governantes tão... Como direi?

     - Não diga que é melhor, seu Chico.

     - Então não direi. E o senhor? Passeando?

     - Passeando é força de expressão, não é seu Chico? Quem passeia neste país que não nos engana mais?

     - Tem os que passeiam. Tem os que passeiam muito. Com o nosso dinheiro, mas passeiam. E como passeiam!

     - Já que o senhor está com a mão na massa, me esclareça uma coisa. Como é que um bandido que leva quarenta anos de prisão, não pode ficar mais do que trinta anos na cadeia?

     - Coisas da nossa sábia lei... Mistérios impenetráveis...

     - E esse mesmo bandido, que pega uma pena de quarenta anos e, devido a esses mistérios impenetráveis da nossa sábia lei, ficaria apenas trinta... Esse mesmo bandido que ajudou a assaltar os cofres públicos, a roubar o nosso dinheiro, seu Chico!... Esse bandido ficará preso apenas um sexto da sua pena, ou seja, cinco anos. De quarenta anos para cinco, e talvez...

     - E talvez não fique nem cinco anos é o que o senhor quer dizer, pois não? Sendo amigo do rei e da rainha, ele ficará preso somente oficialmente.

     - E os que forem condenados a dez anos, seu Chico?

     - Pois veja bem: eu li num desses jornais do centro do país que pessoas de bens não devem ficar presas, que cadeia é coisa para bandido que anda armado. Os que forem condenados a dez anos, se forem pessoas mansas, que não usam armas, ficarão soltos. É o que eles chamam de regime semiaberto. Sem contar que existe o regime aberto.

     - Então, para que esse julgamento tão longo, seu Chico, se já se sabe de antemão que ninguém vai pra cadeia?

     - A nossa sábia lei exige o julgamento, exige que os culpados sejam condenados. Exige até que haja a tal de dosimetria, palavra que intimida, mas, quanto à punição... Não se pode prender pessoas de bens junto a bandidos pobres. No máximo, apreende-se os bens.

     - Não estou entendendo, seu Chico.

     - Não é tão difícil assim. Não é uma sociedade dividida em classes? Certas classes são punidas; outras não. Membros das classes mais altas, quando cometem algum tipo de delito, por mais grave que seja, sempre são considerados como travessos ou aloprados. Jamais como bandidos. Caso contrário, a classe que os pune estaria punindo a si mesma.

     - Mas não é a nossa sábia lei?

     - Não deixa de ser uma lei sábia, mas nossa...

     - Seu Chico, me deixe ver o que tem neste seu texto.

     Seu Chico me deu um dos papéis. Abri e ali estava escrito: “Mistérios insondáveis... Impenetráveis...” Olhou para mim e disse:

     - O que o senhor esperava por 1 pila?

Um comentário:

  1. Hilário esse diálogo de S.Chico sobre Dosimetria. Mas, verdade pura de como tudo funciona (mal) nesse País sério de nome Brasil. Parabéns, Blogueiro!

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