Estava assistindo aos discursos de três senadores, porque só havia três senadores naquela ampla sala que foi construída com a suposta ilusão de que os representantes do povo representariam o povo.
Eles se revezavam na cadeira da presidência do senado. E falavam coisas bonitas e grandiloqüentes, fazendo pose para as câmeras da TV Senado, tentando conquistar futuros votos de mentes puras e incertas.
Os demais estariam fazendo campanha, supostamente, para os seus candidatos à presidência, nos seus torrões natais, nos seus currais eleitorais, no que eles chamam de base política. Imaginei-os curvados, sorridentes, com roupas surradas, fingindo descer do seu pedestal, atrás das pessoas que ainda não sabem em quem votar, fazendo promessas, dando presentes, tentando parecerem pessoas normais, apelando para todas as possibilidades sintáticas de um jargão mais comum, suados, esbaforidos na corrida pelos votos que são tão significantemente monetários para eles.
Cargos e pastas ministeriais sendo disputadas através do voto do povo, que se mostra ingênuo e quer acreditar que isso é democracia, que quer acreditar que o eleito com a sua aquiescência irá, de fato, melhorar o país e que não depende da sua ação qualquer mudança social, mas apenas do seu pequeno dedilhar na urna e pensei na possibilidade do povo acordar, perceber-se fraudado mais uma vez, como tornará a ser daqui a quatro anos se continuar mumificado na sua inação, apenas esperando que as pessoas que ocupam cargos importantes em Brasília façam por ele o que ele próprio – o Povo – poderia estar fazendo por si mesmo, se descobrisse a sua verdadeira força.
E imaginei o Povo dizendo “não!” a toda essa campanha eleitoral feita por ilusionistas, a esses dois candidatos que se revelam um o espelho do outro em suas propostas ocas de verdade.
E imaginei o Povo dizendo a eles:
“Já basta! Temos certeza de que os dois candidatos não tem toda essa importância para os brasileiros, a ponto de ficarmos presos a seus balbucios, palavras e gritos, às suas idéias – que são as mesmas – ou aos seus tiques e manias.
“Que se entredevorem! Vomitem a sua verborragia um para o outro, mas somente um para o outro. Não nos fustiguem mais com as suas propagandas descaradas, pedinchonas, com as suas melindrosas declarações de pureza, com os seus coquetéis de afazeres, com as suas entediantes frases vazias.
“Façam-nos o favor do total silêncio em seus horários eleitorais gratuitos, que muito custam a nós, os brasileiros enfastiados da senilidade dos seus pensamentos, dos seus planos retrógrados, das suas extensas prosopopéias que sabemos mentirosas.
“Um dos dois será eleito e isto não faz mais diferença, porque ambos são impuros e falsos e falso e impuro será o próximo governo que, mais uma vez tentará nos enganar; que, com certeza irá nos espoliar com a força do seu arbítrio travestido em leis, apoiadas pelos seus trogloditas oficiais fardados, redigidas pelos seus nunca pouco loquazes parlamentares, tão distantes de nós como estamos distantes do bem-estar e da tranqüilidade – defendidas pelos seus encarquilhados ministros togados.
“Deixem-nos em paz, já chega! Cansamos das suas declarações de perfeição que nunca irão se concretizar.
“Além do mais, vocês não são vocês. São apenas porta-vozes, de grupos, de coligações, de conchavos, de alianças entre partidos que estão mais partidos que os seus pensamentos e idéias e palavras decoradas.
“Nem as suas figuras hilárias nos comovem mais. Convençam-se: vocês nada sabem de nós, o povo. Não sabem o que é não ter casa, conforto, higiene, alimentação, saúde, enquanto vocês dormem muito bem em seus travesseiros de penas de ganso e sonham com o poder que somente terão com a nossa exploração.
“Estamos cansados do seu palavrório televisivo que nada diz de verdadeiro sobre a nossa realidade. A turma de vocês é outra. Procurem-na, mas não a nós. Decididamente, não somos iguais, por mais que vocês sorriam e peguem no colo as nossas crianças. Não nos convencem suas lamúrias atrás de votos. Sabemos para que vocês os querem... Com certeza, vocês não votariam em nós.
“Até fingimos acreditar. No nosso íntimo, numa espécie de auto-engano, de ilusão premeditada, de tentativa desesperada de fé... Mas sabíamos, também no nosso íntimo que, por mais desesperada que fosse essa tentativa, seria sempre uma fé frustrada, uma vã ilusão.
“Troquem telefonemas, e-mails, conversas secretas. Discutam cargos, alianças, dinheiro e possibilidades outras. Outras que não nós – sabemos. E decidam, finalmente, qual dos dois irá assumir o tão cobiçado cargo e em troca de quais favores. Isso já não nos diz respeito, porque não estamos representados. Para nós restarão as suas amáveis migalhas de fingido conforto.
“Nada mudará com a eleição de um de vocês. Por que ainda nos torram a paciência? Por que ainda fazem esses debates ridículos, quando se mostram tão iguais em suas convicções?
“Mas ainda resta uma esperança para vocês se mostrarem minimamente humanos. No próximo debate fiquem quietos, em absoluto silêncio, com as cabeças baixas, os rostos ruborizados. Nem uma palavra, por favor! Depois, nos últimos segundos, peçam desculpas ao povo brasileiro. Em conjunto, ao mesmo tempo. Dispam-se de suas máscaras embonecadas”.
Figuras hilárias é dizer pouco. Também eu juntamente com o povo brasileiro ( povo mesmo ), está farto desta comédia repetitiva e cansativa. Que haja mudanças, que o pensar para melhor se torne real, mesmo que homeopaticamente. Parabéns!
ResponderExcluirLidia.