(para ouvir Piazzolla)
Há algo que não se define
Que ficou suspenso
Em algum momento
Que perdeu peso e concretude
E não se projetou nem foi além
Para espraiar-se em objetivo ou realização
Mas está lá
Em algum lugar que não é lugar
Momento que não é momento
Nem preso nem solto
Apenas inerte
Em sua quase possibilidade
Estanque em vir a ser intangível
Sem perpetuar-se
Em instante de vácuo
De força em inação
Esperando...
mesmo em mistura perfeita de tango e flamenco
castanholas,
leque,
olhos frios e sedutores
tamancos no tablado,
dó sustenido de Piazzolla gemendo,
ardendo na alma
la sangre del toro derramada en la plaza,
estrugir de motores na pálida manhã,
rebentar de canhões que atropelam as almas,
paixão intensa e brutal dos amantes alucinados...
Hay algo indefinido
Preso na inquietude
De sonhos sufocantes
Brumosos y calientes
Esperando
como la sangre del toro derramada en la plaza
como la sangre del toro derramada en la plaza
fremente, dorida a cada gota espargida
em tímida unção,
viva, mas a morir.
Inquietos, expectantes, ansiosos
Inquietos, expectantes, ansiosos
Todos são mortos-vivos nesta cidade de aparências
Com a arrogância dos bêbados histriônicos
Pensam que são eternos em sua cansativa ebriedade,
Em sua necessidade infantil de trocar as máscaras
Que os unem na mesma perplexidade ante a morte,
Na mesma letargia estupidificada de todos os dias,
Que os faz traçar com rapidez seus caminhos rotineiros
Na tentativa de beber a mesma água da mesma chuva
Que ainda não caiu.
Há algo que não se define.
Como uma planta Há algo que não se define.
Em estado germinal,
Como a explosão de uma bomba
Ainda não fabricada
Ou um verso nunca tentado
De uma poesia que jamais será escrita,
Presa na eternidade de impossível ritmo,
Esperando.
como la sangre del toro derramada en la plaza
fremente,
dorida a cada gota espargida
como tímida unção,
viva, mas a morir,
hay algo indefinido,
preso en la calle por los pies
de los caminantes sufocados
por sus apresados miedos
da rotineira vida que os estrangula
a poco y poco.
O súbito enlouquecido grito daquele
Que todos matam de fome
Que todos matam de fome que todos matam de fome
Que todos matam
E mandam comer o lixo feito das migalhas
Das migalhas esquecidas pelo sarcasmo... O olhar perdido, parvo
Condenado à eternidade do desespero pelos olhares bem nutridos
Bem nutridos que alimentam e engordam a miséria
A miséria não provoca pesadelos nos sonhos dos diletantes
Pesadelos nos sonhos dos diletantes esguios
Esguios em sua filosofia de prazeres
Insensíveis
Fechados em casas, casulos, castas
Em grades contra os gritos da loucura
Da fome
Do desespero
Em ritmo estanque, assustado, mórbido
Em eterna pausa mortiça
Hay algo indefinido
Preso na inquietude
De sonhos sufocantes
Brumosos y calientes
Entorpecidos em momento de concha
E aquário
Esperando
em mistura perfeita de tango e flamenco
tamancos no tablado
Piazzola ardendo na alma
derramada en la plaza
na pálida manhã dos amantes
alucinados
em seu momento de concha
cansativa ebriedade de prazeres
Hay algo indefinido
Como se cautivo,
Parvo em la perplexidad letarga
De imposible cadencia
Esperando
o súbito enlouquecido grito
do condenado à eternidade
do esquecimento,
o olhar perdido
vagando na impossibilidade...
máscaras histriônicas
sucedendo-se no carnaval da miséria
em sádico divertimento
feito de migalhas de sonhos,
eternos em perplexidade,
imersos em esguios pesadelos,
sustentados em instante de vácuo
por medos represados... concha e aquário
esperando
Há algo indefinido
Preso nas gargantas de rios viscosos Há algo indefinido
Encobertos por neblinas de manhãs estranhas
A que sucedem tardes que se esgueiram,
Errantes em sua ânsia de caminhos,
E noites que revelam galhardia em sua escuridão,
Sempre misteriosa e sedutora,
Feita para o tatear de cegos
Em estradas escorregadias de esperanças,
Embrutecidas por pedras e desníveis,
Entorpecidas pelos inevitáveis tropeços
De instintivos passos em esquivas tentativas,
Na ambígua necessidade de ir além
E tentar espreitar.
...Y se queda involucrado en el aire
E não se decide a tornar-se em gotas
Ou pedaços,
Teoremas ou hieróglifos.
Não se faz determinado ou escuso,
Quieto ou instigante.
Apenas quase
Silente
Ominoso
Como fumaça despercebida
Que não se vê nem se desfaz
Em luxúria
De equívocas brisas
Trêfegas
Em seu bailar sorrateiro
A insinuar instantes
Imersos na volúpia
Da possibilidade
Como um staccato de Piazzola ao bandonion
Prestes
Casi
En la calle
Recuerdos de tus pasos
Un estupendo voltear en la memória
Las noches de nuestros corazones
Sequiosos y calientes
Súplices
A esperar
como rajadas de suspiros
transformados em murmúrios
que se revelam desnudos gritos
castanholas trepidantes
implacáveis
em sublime mistura de tango e flamenco
Há algo que não se define.
Como passos súplices,
Sequiosos,
Murmúrios implacáveis,
Rajadas de suspiros
Trepidantes, desnudos, a insinuar,
A espreitar
A memória de nossos corações.
A esperar
Equívocas brisas...
Passos imersos
Na volúpia da possibilidade,
Como fumaça despercebida
Em bailar sorrateiro...
Há algo indefinido
Que perdeu o seu momento de ser
De desnudar-se em perpetuidade
De desfazer a ansiedade de enigma
E permanece
Em seu deserto de esfinge...
Como sustenida nota
Perene
Inalcançável
Em estado de quase solidão
Como insensível dor
Em momento de quase
A espreitar
enquanto
corre
o
rio
em
desvairada
liberdade
de águas
paixão
total
fúria voluptuosa harmonia
sombras e reentrâncias
ruborizadas
flores a nascer
tímidas
inquietas temerosas
em destemor de vida
Ergo-me sobre meu coração
Volumoso impulso líquido
Desentranhar em etéreas espumas
Encachoeirar em súbitas águas
Desenfreada busca interna
Mansidão e espera
Lá! em mim
no aconchego
da pele
Sinto
Algo que não se define
Que não se decide a ser...
Como uma folha solta
A desfazer-se na ilusão
Da totalidade do pó,
Apenas um sopro...
A quase possibilidade
Da brisa
Do vento
Do redemoinho
Em louco movimento
De tango ou flamenco
Entorpecer de sonhos,
Inebriar...
Lá!
Onde finge o campo
De tecido verde
Ou de cortina sacra
Eu me deleito na suave
Solidão da espera
Imerso Solene
Solidão da espera
Imerso Solene
em meu
totalidade perfeito
de nadas estar
Embriagante quase...
Há algo que não se decide,
Embriagante quase...
Há algo que não se decide,
Não se define,
Que perscruta cada passo
De cada inquieta busca,
Como desnudada nota sustenida
Presa
Presa
Instigante
Desafiando eternidades
Desconstruindo-se em ritmo
Desatinada na sombra de sua mudez
Incrédula pela força interna informe
Desfazendo-se em sóbrios contrapontos
Desvendando extenuantes loucuras
Desabrochar de silêncios
Gota a gota
Pausa
Pausa
Ritmo
Tamancos no tablado
Força interna informe
Sóbrios contrapontos
Medos represados em concha e aquário
Sustentados em instante de vácuo
Em sublime mistura de tango e flamenco
Nas noites de nossos corações
Indefinido quase como o espreitar da flecha
Como rajadas de suspiros
Como passos súplices
Como fumaça despercebida
Como uma planta em estado germinal
Como a explosão de uma bomba ainda não fabricada
Como sustenida nota
Como sustenida nota
Como insensível dor
Como um verso nunca tentado
De uma poesia que jamais será escrita
Como um staccato de Piazzola ao bandonion
Lá!
Lá!
Onde finge o campo de tecido verde
Ou de cortina sacra
Eu me deleito na suave solidão
Imerso em totalidade de nada
Momento que não é momento,
Momento que não é momento,
Preso na inquietude de sonhos sufocantes,
Na eternidade de impossível ritmo...
Esperando...
Poema instigante este. Dá uma sensação de desconstrução do que se passa à volta; algo que não se define, principalmente ao som de Piazzola (imaginário). Valeu, Blogueiro!
ResponderExcluirLidia.
Onde finge o campo, também é me lugar. Obrigada.
ResponderExcluir