sábado, 19 de janeiro de 2013

SEU CHICO, O MARINHEIRO E O PAPAGAIO





Eu estava voltando de um passeio pela desfigurada Praça da Estação e resolvi visitar o seu Chico que mora ali por perto. Encontrei-o feliz, alegre, disposto, com cara de quem viu passarinho verde.

     - E vi mesmo! – foi logo confirmando. – Ou por outra: ouvi. E não era passarinho, mas papagaio.

     - Não me diga que o senhor ouviu de novo o programa “O Marinheiro e o Papagaio”?

     - É a diversão dos sábados. O Marinheiro falava e o Papagaio ali, de um ombro para o outro, imagino, só repetindo.

     - E sobre o que o Marinheiro falou desta vez?

     - Ciências ocultas. O Papagaio papagaiava muito e, por momentos, até parecia que ria aquele riso fininho dos papagaios bem treinados. E eu mal entendi o que o Marinheiro dizia. Fiz força pra adivinhar que eram coisas muito metafísicas.

     - Num programa radiofônico, seu Chico! Deviam proibir. Como é que o povo vai entender?

     - Ora, o povo... O senhor sabe que o Marinheiro não é muito chegado no povo. Deve ser trauma de infância. E desde que um certo juiz transformou os jornalistas em padeiros...

     - Estava tão ruim assim o programa?

   - Ao contrário. Muito divertido, quando se conseguia ouvir. Em determinado momento, o Marinheiro inventou de dizer que não é reacionário. E o Papagaio repetindo.

     - Um papagaio muito bem ensinado, seu Chico. Deu um ótimo repetidor. Então o Marinheiro não é reacionário? Será algum revolucionário desconhecido?

    - Não leva jeito. Mais provável que seja um  conservador esclarecido, primo-irmão dos antigos déspotas esclarecidos, que eram esclarecidos mas continuavam déspotas. O senhor sabe que conservador é aquele que ajuda a conservar a dor.

     - Pois é. Mas falando sério, seu Chico, o que será o conservadorismo? Uma espécie de morte em vida?

     - Ou de vida em morte, porque o conservador é aquele que considera que a vida deve continuar assim como ela está – porque está boa pra ele. Por isso não olha pros lados, para os demais. Apenas para si, para o seu grupo social, que costuma ser uma casta muito bem organizada em torno de interesses materiais.

     - Mas é uma tristeza viver assim, seu Chico.

    - Para o conservador é uma alegria, mesmo que viva com medo. Qualquer sinal de mudança na sociedade é uma tortura. Entenda que o conservador inevitavelmente é uma pessoa que tem privilégios sociais e os cultua – por isso o medo. Medo de perder os privilégios, de sofrer alguns estremecimentos na sua vida tão petrificada.

    - Fico imaginando como será o dia-a-dia do conservador...

    - Penso que é um noite-a-noite. Imagino que deverá ter uma grande preocupação com a aparência, não somente física, mas dentro daquilo que ele entende como sociedade, que é o grupo onde ele circula e considera como o único verdadeiro e merecedor de todas as benesses. Preocupa-se com valores tradicionais, e quanto mais tradicionais maior será a sua segurança interior. Deve pertencer a uma religião que dê guarida a esses valores; uma família obediente, onde ninguém pode criticar o previamente estabelecido; idéias imutáveis sobre o que é certo e o que é errado; é guiado por agendas e horários, somente se sentindo bem dentro do círculo conhecido. Enfim, um animal gregário, previsível e sonambúlico.

     - Credo!, seu Chico... O coitado do conservador não tem alegrias na vida?

     - Muitas. A principal delas é a certeza diária de que a sua vida continua a mesma. É claro que irá a festas programadas com antecedência e dirá as palavras esperadas e decoradas no momento oportuno. Até se mostrará simpático, bonachão, com prováveis sorrisos e gargalhadas para ditos e anedotas prováveis. Um boa praça.

    - Isso me alivia, seu Chico. Não gosto de pessoas tristes, agarradas em bens materiais. Mas, voltando ao Marinheiro e o Papagaio...

     - Pois o Marinheiro continua o mesmo, como bom conservador que é. Imutável dentro do seu rancor contra o povo. E olhe só: contra o nosso povo conservador, movido a pão e circo e seguindo líderes cada vez mais conservadores, quando não abertamente corruptos.

     - É uma decepção, seu Chico. Logo pessoas que se diziam revolucionárias, progressistas...

   - Chegaram ao poder e se bandearam; se entregaram pros homens na primeira oportunidade e a grande revolução que querem fazer é a do futebol. Tornaram-se conservadores e reacionários e dão o mau exemplo pro povo, que acaba pensando que mudança é carnaval e se torna igualmente conservador, como aqueles que elegeu e mitificou.

    - Não adianta, seu Chico. “Povo que não tem virtude acaba por ser escravo” – como diz o nosso hino. Breve teremos milhões de escravos iguais ao Marinheiro.

    - E, como ele, pensando que mudança social é sinônimo de eleições, e eleições dentro dos Estados Unidos, lugar onde ele seria, obviamente, do Partido Republicano.

     - Mas não existe nenhuma diferença entre aqueles dois partidos dos Estados Unidos. Ambos são imperialistas e demagógicos.

     - Sem contar que é um país fascista. O Marinheiro sempre fala nos Estados Unidos por força do hábito. É o seu ideal de país; gostaria de ter nascido lá. Os outros países não existem para ele, a não ser aqueles que seguem o mesmo modelo.

   - Até parece a nossa imprensa oficial, que dá notícias somente sobre alguns países, e sempre os Estados Unidos em primeiro lugar: o Obama isto, o Obama aquilo, a mulher do Obama, as filhas do Obama, a Dilma e o Obama...

    - Pois o Marinheiro tá ficando igualzinho. Com o detalhe de que ele fala de outros países que o incomodam. Cuba deveria afundar, Chávez só morto, Argentina e Brasil de volta para os militares, e por aí vai... Repete tudo que a imprensa conservadora e golpista escreve e diz.

     - E o senhor ainda acha engraçado...

   - Mas não é engraçado ouvir uma pessoa tão viajada como o Marinheiro repetir as mesmas palavras e as mesmas frases no mesmo dia da semana, à mesma hora? Às vezes eu o confundo com o Papagaio. E olhe que ele é um causídico!

     - Ele é advogado?

   - Isso eu não sei, mas gosta muito de contar causos, sempre os mesmos. Se bem que tem gente que afirma que ele anda com a Constituição embaixo do braço.

     - Vai ver que ele é, seu Chico.

   - Foram ver por mim. Não é a Constituição. Ele passa lendo uma compilação das frases e discursos de Carlos Lacerda, General Figueiredo, General Emílio Médici...

Um comentário:

  1. Esse S.Chico e interlocutor... Concordo com eles. Também ouvi o conservador e o papagaio no dito programa, e cada vez mais reacionarismo e absurdos. Haja paciência! Ótima matéria e análises sobre conservadorismo.

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