segunda-feira, 29 de abril de 2013

NOS TEMPOS DO 4-2-4




Nos tempos do 4-2-4, o Grêmio tinha Cleo e Sérgio Lopez no meio de campo e Babá, Joãozinho, Alcindo e Volmir no ataque. Um dia, os narradores esportivos descobriram que Joãozinho “descia” para apoiar o meio de campo, quando necessário, e ficaram muitos surpresos com essa grande inovação futebolística. Quase na mesma época em que os medrosos europeus, cansados de apanhar dos sul-americanos, “inventaram” o 4-3-3, para total deslumbre macaquístico dos futeboleiros de plantão, que foram avisar, correndo, os treinadores de futebol que a moda tinha mudado.

   Alguns anos depois a moda mudou novamente lá na Europa, do 4-3-3 para o 4-4-2, e o que era considerado retranca no Brasil, sinônimo de futebol feio e desprazer para a torcida – ainda formada pelo povo e não pela classe média massificada – foi imediatamente aplaudido e decantado como a última grande descoberta dos nossos colonizadores, imediatamente adotada em gramados brasileiros e alhures e o futebol ficou uma coisa muito estranha, com 10 ou 12 jogadores disputando a bola no meio do campo, cruelmente pisoteado para desespero dos amáveis quero-queros.

   Pior ainda depois da entrada do século e talvez como efeito das apocalípticas profecias que tem transformado milhões de agnósticos em devotados crentes de qualquer coisa, que pode ser, inclusive, o futebol. Inventou-se o 4-5-1 e, em seguida, o 3-6-1. O “1” é aquele desolado atacante que fica correndo para lá e para cá na esperança de grotescos erros dos defensores para se transformar em herói do acaso. Gols espetaculares tem sido feitos através do que os especialistas em futebol chamam de “bolas paradas”, o que é uma óbvia incongruência, e treinadores, agora chamados de “técnicos”, treinam jogadas no intuito de que essas bolas paradas se movimentem enganando a defesa adversária. Quando surge um jogador que faz um pouco mais que isso é apelidado de “craque”, porque quebra os paradigmas.

    Tanto que, com a exceção de Messi, esqueceu-se o que seja realmente um craque. Criaram-se preconceitos. Por exemplo, o centro-médio (detesto esta nova ortografia plastificada!) agora é chamado de volante que tem ao seu lado outros volantes, sendo que um deles, o assim denominado “volante de contenção” poderá ser qualquer atleta musculoso com uma distante ideia do esporte que está praticando e cuja única função é conter os adversários de qualquer maneira, e estará inevitavelmente destinado a receber cartões amarelos e vermelhos durante toda a sua carreira.

   Inventaram-se novas funções e atribuições. Sabe-se que desde a época do Coutinho e do Telê Santana os pontas foram abolidos do futebol. Pois bem, designou-se aos laterais a tarefa de fazer o papel de pontas, o que os faz correr muito mais que qualquer outro colega, subindo para atacar e descendo para defender, às vezes em inúteis esforços, tanto lá como cá, em esquizofrênicas e opostas funções laborativas.

   Como em toda a religião, superstições tomaram o lugar da provável verdade. Uma delas é o meia-esquerda, atualmente chamado de meia-armador. Sobre ele recai toda a responsabilidade de conduzir a bola, armar jogadas, juntar-se aos atacantes, bater faltas, escanteios, pênaltis... O único que pode criar. À sua frente estão esperançosos atacantes de ofício, e, atrás, volantes e zagueiros prestimosos. É o cérebro do time, aliviando os demais de exercer a função do raciocínio. (Dia desses assisti a uma partida em que o Dalessandro foi expulso e o time do Internacional parou de jogar, limitando-se a chutes e passes desequilibrados). A principal superstição em relação a esse especialista  – talvez o único que tente jogar futebol – é que não podem existir dois ou mais armadores.

   Não é uma superstição recente; perde-se nos tempos a sua origem, mas desde a época da fabulosa seleção de 1970, quando o time ainda estava sendo organizado pelo João Saldanha, inúmeros jornalistas e não jornalistas contestaram a presença de jogadores como Gerson, Rivelino, Tostão, Paulo César Caju, eventualmente Dirceu Lopes, no mesmo time. Além de Pelé, que sempre foi meia-esquerda e não por acaso vestia a camisa 10. Todos eles usavam o pé esquerdo (com a exceção de Pelé, que é ambidestro) e seriam, portanto, meia-esquerdas. Diziam os ilustres entendedores que a seleção ficaria torta, jogando somente pelo lado esquerdo (!). Alegavam, ainda, que somente um centro-médio (volante), o Clodoaldo, deixaria frágil a defesa, onde Brito era o único zagueiro confiável e o quarto-zagueiro ainda não estava escolhido.

    João Saldanha retrucava que a questão não era o pé ou a posição de origem dos seus selecionados, mas a qualidade. Os melhores deveriam jogar. E quando Saldanha, que era do PCB, foi substituído, a mando do general Médici, pelo Zagalo, às vésperas da Copa do Mundo, o novo treinador não só manteve o time de Saldanha como colocou na quarta-zaga um centro-médio, o Wilson Piazza e a questão da defesa ficou resolvida, porque o Piazza não poderia ficar fora da seleção. Os melhores entre  os melhores.

    Não se sabia exatamente qual o esquema daquela seleção. Por via das dúvidas, dizia-se que era o 4-3-3, mesmo que Piazza jogasse no meio de campo, Pelé ajudasse na armação, Gerson e Carlos Alberto por vezes atuassem como atacantes e Tostão fizesse de tudo um pouco. Não interessa, era 4-3-3 para a imprensa futebolizada: Félix; Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gerson e Rivelino; Jairzinho, Pelé e Tostão. E a seleção não ficou torta. Costumava atacar em leque. Sabem o time do Barcelona? Era assim. Para melhor, é óbvio.

   Tudo isso para dizer que sinto pena dos times maquinizados de hoje; dominados por treinadores que transformam jogadores em robôs. Exemplo claro é o Grêmio, que perdeu a sua alma em algum recôncavo do passado e esqueceu que é gaúcho. Não é de agora, nem é só culpa do Vanderlei, que nasceu em Nova Iguaçu e entende o futebol daquela maneira carioca que todos estão vendo. Pediu um grande time para ganhar campeonatos e preferiu perder.

   No primeiro turno do campeonato gaúcho jogou com os reservas e perdeu dois grenais. E há os que dizem que preferiu jogar com os reservas por medo de perder grenal com os titulares. A imprensa portoalegrense, muito alegre, afirma e reafirma que o Grêmio tem um grande elenco; mas, se isso fosse verdade, para que poupar jogadores? Um grande elenco não necessita ser poupado, porque sempre haverá um jogador do mesmo nível para substituir o jogador machucado ou expulso em partida anterior.

    No segundo turno, a torcida gremista - que sem avalanche não funciona e ainda está em fase de adaptação em um estádio que não pediu e que representou um grande negócio para os donos do futebol tricolor - exigiu mais seriedade e o Vanderlei escalou o time considerado titular. Apanhou mais feio ainda e desculpou-se – vejam só! – dizendo que era uma derrota já prevista, estava fazendo experiências para campeonatos mais importantes. Falou essas blasfêmias com o apoio da direção gremista que, pelo visto, desejaria muito ser estadunidense para apreciar aquele jogo onde a bola tem dois bicos.

    O que indica que a culpa não é do treinador, que prefere, em suas experiências, colocar o centroavante na ponta-direita, o meia-esquerda na ponta-esquerda, o lateral-esquerdo na meia-esquerda e escalar dois ou três volantes de contenção que nada sabem conter e deixam os adversários passar facilmente para encontrarem uma defesa desfibrada e apática. Com a honrosa exceção dos laterais que de tanto subirem para o ataque, driblando e tabelando com os inócuos atacantes, e descerem para a defesa, na vã tentativa de fechar o buraco que deixaram às suas costas, depois de meia-hora de jogo já estão exaustos e começam a errar devido ao cansaço.

    Não é culpa do Vanderlei tentar tantas experiências góticas e bizarras. Talvez seja culpa do momento histórico, da Dilma, do Lula, do Mensalão, do atrito entre os poderes ou até da Coréia do Norte. Erra-se agora para se acertar depois, diz o treinador gremista. Do que se deduz que, se continuar errando, maiores serão os acertos futuros.

    Tampouco ele tem culpa de não ser gaúcho e talvez preferir o sertanejão, o funk ou o samba à suave milonga. Não se pode exigir que ele vista pilchas ou tenha alma castelhana. Os cariocas foram feitos para o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor e as praias. São leves e suaves. Aqui, somos grossos e sinceros.

    Por isto, fico lembrando que, nos tempos do 4-2-4, com Babá, Joãozinho, Alcindo e Volmir no ataque; Cleo e Sérgio Lopes no meio de campo e Luiz Felipe Scolari na defesa o Grêmio era mais gaúcho. Não só o Grêmio. 

    O futebol é um aspecto cultural que se transformou em negócio para os grandes times da capital, assim como Porto Alegre está cada vez mais distante do verdadeiro Rio Grande. Penso que está na hora dos times do interior se unirem e organizarem um verdadeiro Campeonato Gaúcho, deixando àqueles grandes clubes que cresceram tanto a ponto de renegarem o nosso Estado a tranquilidade necessária para que possam disputar as suas grandes copas.

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