sexta-feira, 28 de junho de 2013

SEU CHICO E A PASSEATA




Encontrei seu Chico dois dias após a terceira passeata dos 300 que os jornais daqui disseram que eram 1.500 “ou bem mais”, segundo um excitado repórter. Estava sentado em um dos tristes bancos da praça, olhando o movimento – carros passando e pessoas comprando entusiasticamente.

- E então, seu Chico, foi na passeata?

- Mas se fui! Isso é coisa que acontece uma vez na vida e outra na morte. Me pilchei e enveredei pra Praça da Matriz. Quando cheguei vi aquela gurizada e um que outro mais velho, meio deslocados como eu, e quando souberam que eu ia me manifestar junto, os guris me cercaram e alguém chegou a dizer que era a força do campo se fazendo representar e eu todo faceiro – o senhor imagine! – e logo me deram um cartaz e pediram que eu escrevesse ali a minha reivindicação e eu não sabia bem qual era, e olhei pra uns cartazes onde estava escrito “Abaixo a Corrupção” ou “Fora a PEC 37” e outros que tais e todo mundo apitava que era uma beleza de se ouvir, vi uns mascarados que nem no carnaval e um deles com uma máscara com uns olhinhos de finório e um cavanhaque sem-vergonha chegou pra mim e perguntou se eu queria comprar um kit-manifestação.

- E o senhor comprou?

- Tive que marchar com quinze pilas. Uma beleza de kit, nem lhe conto! Tinha apito, aquela máscara que depois me disseram que era anônima ou de um anônimo, não sei bem, bandeira do Brasil – e eu querendo a bandeira da República Rio-Grandense, veja só! – e mais umas coisinhas que não verifiquei direito, porque em seguida partiu a ordem de caminhar pela avenida Sete. Uns dois ou três daqueles mascarados e pintados comandavam e eu me deixei ficar mais pra trás pra terminar o meu cartaz, junto com um cidadão que escrevia o seu pedindo aumento pros aposentados – imagine se vão dar...

- E o que o senhor escreveu?

- Pois na hora, assim, me veio uma idéia, lembrei daquela celeuma sobre o novo salário e direitos das domésticas e escrevi, lembrando da peonada que trabalha por comida e casa e um troco qualquer no fim de semana: “Direitos Iguais Para Peões de Estância e Domésticas”.

- O senhor quer tirar o lucro da boca dos patrões, seu Chico?

- Não era a minha intenção. Os patrões que comam o seu lucro, mas vamos e venhamos que peão de estância é bicho xucro que não conhece seus direitos e está mais que na hora de reivindicar equiparação com as domésticas. Sem contar o Bolsa-Família e mais aqueles cinco mil que a dona Dilma está liberando pra avivar o mercado. Peão de estância também deve ter direito a casa e eletrodomésticos, o senhor não acha? É uma questão de justiça. Escrevi, peguei o cartaz e saí quase correndo atrás do bando que já descia a Sete. Quando chegamos ali pela praça onde a estátua do Silveira Martins um dia deu guarida pra um ninho de joão-de-barro a turma parou pra fazer pose pra televisão e gente da imprensa. Alguns deram entrevista e eu ali, que nem a estátua do político até que chegou um repórter e perguntou como é que eu estava me sentindo.

- O que foi que o senhor respondeu?

- Que estava sentindo frio, é lógico. Sabe aquela friagem da tardinha no inverno? Pois é. Sem contar que bateu um ventinho e ameaçou garoar e eu resolvi dar umas apitadas para aquecer as bochechas e bati com as botas no chão e não sei se foi por isso que em seguida liberaram a passagem, os repórteres se arredaram e todo mundo seguiu apitando e gritando. E eu atrás.

- Feliz da vida, seu Chico.

- Mas!... Quem não fica feliz da vida ao participar de uma passeata na hora do chimarrão e da música gaudéria sentindo o minuano arrepiar os cabelos? Tudo pela peonada, pensei, ao sentir saudades do mate, e continuei apitando até não ouvir mais nada, porque o senhor há de entender que quem muito apita pouco escuta, e lá pelas tantas quando eu já pensava em me retirar, depois de cumprir o dever cívico, eis que gritaram a palavra de ordem “Abaixo a Cura Guei” e eu gritei: Isso não!

- Seu Chico! Então o senhor não sabe que não pode ser contra os gays?

- Mas e eu lá sou contra alguém, seja guei, pirata ou nordestino? Muito pelo contrário! Defendo tudo e todos, e não tava lá defendendo a peonada que não sabe se defender sozinha? Mas isso de ser contra uma cura eu não sou. Pois não estavam gritando contra a corrupção, a favor da educação e da saúde? E como é que podem gritar a favor da saúde se são contra uma cura? E foi por isso que eu gritei aquilo e logo me cercaram aqueles mascarados e outros nem tanto e começaram a gritar que eu tinha medo dos homens.

- Gritaram que o senhor é homofóbico, seu Chico?

- Foi essa a expressão, que eu logo traduzi pra eles que parece que de tanto apitar perderam o dom da compreensão. Homo não significa o gênero humano e fóbico não vem de fobia, que é medo? Logo, homofóbico é igual a medo das pessoas, e eu lá sou de ter medo? Nem de mula-sem-cabeça em noite de lua cheia! Quanto mais de gente! Respeito a todos, desde que me respeitem, seja homem, mulher, criança, não interessa o credo ou orientação política. Todos têm direito a viver da maneira que quiserem desde que não incomodem os outros. Até veado eu respeito; não entendo, mas respeito, são coisas da vida, tem gente de tudo o que é tipo.

- Mas seu Chico, cura gay é justamente um projeto para curar o que o senhor chama de veados, que não devem mais ser chamados assim, porque agora virou moda ser veado ou gay e quem não for... Como é que eu vou lhe dizer...

- Não me diga uma coisa dessas! Acho que o senhor anda vendo manifestos demais na televisão. Isso sim virou moda. Tanto é assim, que eu estava lá participando, apitando, gritando contra a corrupção, a favor disso e contra aquilo, porque é uma beleza ver o povo gritando contra o governo que eles elegeram e vão acabar elegendo de novo por falta de opção. Votar em quem? Se bem que “povo” é força de expressão. Não vi nenhum trabalhador, com exceção daquele que já é aposentado e tava com uma cara de fome igual a todos os aposentados, acredito. Era mais uma gurizada. Filhos, netos, parentes de promotores.

- Parentes de promotores?

- E não estavam lá gritando contra a tal de PEC 37, que seria um projeto de lei para tirar o poder do Ministério Público, segundo me consta? Devem ser todos parentes dos promotores. Eu também gritei contra. Quero mais é que os promotores se mexam e façam alguma coisa contra a corrupção, mesmo sabendo que condenar não adianta nada, porque os juízes soltam ou deixam soltos os corruptos como foi agora a pouco no julgamento do Mensalão. Condenaram não sei quantos! E onde estão esses não sei quantos? Na cadeia? Que nada! Pra cadeia só vai pobre, neste país. Os corruptos ficam gozando a vida, amparados justamente em leis que favorecem a liberdade da corrupção.

- Corrupção agora é crime hediondo, seu Chico, e a PEC 37 caiu.

- Pois não era pra cair? Se não fosse não teriam gritado tanto. E tachar corrupção de crime hediondo será que vai adiantar alguma coisa? Se fosse assim, tinham que prender todo o mundo, a começar pelos bicheiros e pelos que jogam no bicho que são todos, ou o senhor nunca fez uma fezinha? Será que vão prender os comerciantes que aumentam os preços, os fabricantes que botam porcaria nos alimentos, os plantadores de soja e de arroz transgênicos que corrompem a natureza? Vão prender a dona Dilma que está construindo Belo Monte - uma bela corrupção contra a natureza e os povos indígenas? Eles fazem essas leis por desencargo de consciência e medo de serem apedrejados ou perderem a próxima eleição, que está muito próxima.

- Conte mais sobre a passeata.

- Pois é. Depois que eu falei aquilo pra eles, sobre a tradução correta da palavra “homofóbico”, os guris e gurias ficaram me olhando com uma cara assim, meio de apalermados, sem saber direito o que dizer, até que chegou um daqueles mascarados e perguntou se eu era louco. Tentei sair pela tangente e respondi que de nada até que eu podia ser um pouco louco, porque “de poeta e de louco todos temos um pouco” e de vez em quando eu escrevo lá as minhas quadrinhas. E – veja o senhor! – pararam ali mesmo e me pediram pra recitar uns versinhos. Imagine a situação! Mas quem tem santo forte não se aperta. Dei uma pensada e me saí com essa:

“Neste Brasil muito jovem
Que revela consciência
Todos estes que se movem
São contra a violência.”

- Uma boa quadrinha, seu Chico.

- Pois não é? E acho até que agradei. Me abraçaram, beijaram e até me ofereceram um mate, que não pude recusar, porque essa juventude protesta mas não esquece do que é bom. A continuar assim, estou quase acreditando que as coisas podem mudar de verdade.

- E a cura gay, seu Chico?

- Pois, pensando bem eu me dou conta de que às vezes eu sou um pouco reacionário. Os tempos mudam. Agora, quanto a aderir... Olhe, os muito veados que me perdoem, mas eu gosto mesmo é de mulher: a coisa mais linda que Deus já fez nesta terra de tantas maldades. Agora, se não querem ser curados, que se pode fazer? Cada um com seu cada um e viva as diferenças!, como diz o outro. Até os bichinhos de Deus não são todos diferentes uns dos outros? E ai de nós se não existisse essa diversidade...

- Então, tudo terminou bem?

- No final das contas, pra lhe dizer a verdade até que gostei. Lá pelas tantas, me queixei da dor nos calos e me retirei, porque o senhor sabe que eu não sou mais tão jovem assim. E fiquei olhando aquele pessoal caminhando e cantando e até lembrei outros tempos...

- Que bom, seu Chico. Até parece mentira.

- Pois não parece?

Um comentário:

  1. Como sempre, S.Chico e interlocutor nos seus conversês esclarecedores e hilários ao mesmo tempo. Parabéns! Disseram tudo.

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