domingo, 16 de março de 2014

PRIMAVERA NA CRIMÉIA... E NO VÊNETO




A extrema hipocrisia dos países liderados por Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos faz com que a mídia ocidental coloque a Rússia como a grande infratora dos direitos internacionais devido ao referendo que deu à Criméia a possibilidade de voltar a unir-se com a Rússia e desligar-se definitivamente da Ucrânia – um país atualmente governado por fascistas que tomaram o poder através de um golpe de estado apoiado pela União Européia e pelos Estados Unidos. 

No entanto, no mesmo dia 16 de março de 2014 outro referendo por independência ocorreu na região do Vêneto (região administrativa da Itália que engloba 7 províncias, incluindo Veneza, Verona e Pádua) e cerca de 65% da população da região apóia a sua separação da Itália. Segundo a lógica dos organizadores do referendo, como a região integrou outrora a Itália por referendo, é igualmente por referendo que ela pode se separar da Itália. O referendo terá uma votação complementar via internet no dia 21 de março, e não se sabe exatamente qual será a reação do governo da Itália no caso de ser declarada a independência do Vêneto.

O Partido Nacional Vêneto (Partìo Nasionàl Vèneto em vêneto, Partito Nazionale Veneto em italiano) é um partido independentista. Na manhã do dia 9 de maio de 2013, oito pessoas tomaram um "vaporetto" no Grande Canal e obrigaram o piloto a levá-las até a praça de San Marco. No principal ponto turístico de Veneza, desembarcaram e tomaram o campanário da basílica. Do alto declararam: "Depois de 200 anos, uma unidade regular do Exército da Sereníssima República libertou a praça de San Marco". Entregaram-se após cinco horas. Segundo eles, o Vêneto está sob domínio estrangeiro desde 12 de maio de 1797, quando Napoleão Bonaparte derrotou a outrora poderosa república. Depois dos franceses, foi a vez de os austríacos controlarem a cidade, seguidos pela unificação italiana, ou, como preferem os separatistas, submissão a Roma.

Submissão é o que sofre a Escócia, obrigada a pertencer ao Reino Unido (Inglaterra, Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales), a curvar-se ante a casa real inglesa e a pagar mais impostos que o resto da Grã-Bretanha nos últimos 32 anos, segundo o primeiro-ministro da Escócia, Alex Salmond, um dos defensores do referendo pela independência da Escócia, que acontecerá em 18 de setembro de 2014. Um referendo que dificilmente alcançará o seu objetivo: a Inglaterra não admitiria que saíssem de suas mãos as maiores reservas de petróleo da União Européia, localizadas no mar territorial adjacente à Escócia, no Atlântico Norte e no Mar do Norte. 

O mesmo acontece com a Catalunha, que buscará a sua independência da Espanha em um referendo anunciado para 9 de novembro de 2014. Região de grandes indústrias, bancos, portos, aeroportos, além de ser o principal ponto turístico da Espanha, ainda que tenha história, cultura, língua própria e direito civil, mesmo que o “sim” venha a ser majoritário no próximo referendo, o povo catalão não obterá “licença” da Espanha para se tornar independente.

Na Criméia, mais de 90% dos eleitores escolheram a união com a Rússia. As minorias tártaras e ucranianas tentaram boicotar o referendo; mesmo assim, 80% dos habilitados a votar compareceram às urnas. Em 1954, Nikita Kruschev deu a Criméia à Ucrânia que, então, fazia parte da União Soviética. Agora, a Criméia volta a pertencer ao território russo - para eterna ira dos países da União Européia que promoveram o golpe fascista na Ucrânia. Obama está desmoralizado e o povo norte-americano, que acredita em tudo o que a sua mídia diz, não consegue entender o que está acontecendo.

O máximo que os Estados Unidos e a OTAN podem tentar, a partir de agora, é promover uma guerra de desgaste na Ucrânia, mas as lições da derrota na Geórgia durante a guerra dos cinco dias em 2008 farão com que os donos do império pensem várias vezes antes de deflagrar uma guerra contra a Rússia. Além disso, não é provável que agrade aos Estados Unidos e seus aliados europeus a perspectiva de abrir várias frentes de batalha ao mesmo tempo, em lugares como Síria, Líbano, Irã, Coréia do Norte e Ucrânia – e a tentativa de golpe de estado na Venezuela.

Sanções econômicas contra a Rússia poderão e deverão acontecer, para tentar salvar os brios imperialistas. Mas a Europa falida depende em mais de 30% do gás e óleo proveniente da Rússia, e por mais irados que os países europeus fiquem com a derrota política na Criméia, por mais desmoralizado que o Obama esteja, os aliados do mundo ocidental tentarão outras maneiras para estrangular a Rússia.

Uma delas é a velha estratégia do cerco aparentemente pacífico. Anunciam-se bases militares na Turquia e na Polônia. Talvez na Romênia. Moldávia e Geórgia poderão ser admitidas na OTAN e a questão da Transnistría – que se tornou independente da Moldávia em 1990 com apoio da Rússia – poderá ser reaberta. O mesmo em relação à Ossétia do Sul e Abkhásia, que se tornaram independentes da Geórgia durante a guerra dos cinco dias, vencida pela Rússia, em 2008.  

Percebe-se, entretanto, que a Rússia tem tomado providências contra essa provável tentativa de “cerco”. O governo russo tem enviado tropas para lugares estratégicos dentro e fora do seu território e, nos últimos dias, cerca de 400 soldados e armamentos que incluem mísseis e artilharia foram desembarcados no Ártico, numa clara alusão a um possível ataque direto aos Estados Unidos e Canadá, em caso de guerra generalizada. 

Não é bom, para os que se consideram donos do mundo, provocar essa guerra. Em caso de vitória, seriam donos de escombros. Deveriam se preocupar, em primeiro lugar, em arrumar as suas casas. A recessão européia é uma realidade e ameaça claramente os Estados Unidos. Bravatas políticas, como o golpe de estado na Ucrânia, devem ser deixadas de lado, porque só podem ser sustentadas com um bom exército, o que implicaria no risco de uma guerra atômica. 

É primavera, verdadeira primavera na Criméia, que voltou a ser russa. Talvez também na região do Vêneto. Se a Itália deixar. Não se pode parar a História, fixá-la num determinado ponto, como um alvo morto e estático a ser desfrutado por abutres. Assim como a vida, a História é dinâmica e as transformações que podem parecer surpreendentes para cansados espectadores, revelam esse dinamismo, resultado da luta dos povos pela liberdade e autodeterminação. Apesar dos abutres, como disse “La Pasionária”: “Para viver de joelhos é melhor morrer de pé!”.

Um comentário:

  1. Excelente matéria! Complementou o que já sabia pelo blogueiro sobre a Criméia, Ucrânia e Itália. Valeu!

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