sábado, 26 de abril de 2014

A UCRÂNIA COMO ARMADILHA




Na madrugada de 1º de setembro de 1939 a Alemanha invadiu a Polônia, dando início à II Guerra Mundial. Anteriormente, em 1938, a Alemanha anexou a Áustria, com a anuência dos austríacos. Em seguida, foi a vez da região dos sudetos, na Tchecoslováquia, que abrigava minorias alemãs. 

   Com o Tratado de Versalhes, imposto ao final da 1ª Guerra Mundial, a Alemanha tinha perdido a Alsácia-Lorena e a Prússia Oriental, ou seja, o acesso ao mar. Em 1919, a segunda república da Polônia foi criada quase artificialmente, com partes da Alemanha, Império Russo e Áustria-Hungria. Dentro dela, e pertencendo à Polônia, havia uma zona considerada “neutra”, mas habitada por alemães, Dantzig (hoje Gdansk), que ficou conhecida como o “corredor polonês”. 

   O governo alemão (o 3º Reich) tinha como objetivo unir a Alemanha, assim dividida desde 1919, incorporando ao seu território o corredor de Dantzig. Apesar de todas as demandas, A Polônia mostrou-se inflexível e há versões, inclusive corroboradas pela Cruz Vermelha, de que cerca de 58.000 alemães teriam sido assassinados por poloneses na região disputada, acirrando o ódio entre poloneses e alemães. Por seu lado, a Polônia assinara um tratado com a França e a Inglaterra, que previa a defesa do seu território em caso de invasão. A armadilha estava montada e a Polônia era a isca. 

   Dois dias após a invasão da Polônia, França e Inglaterra declararam guerra à Alemanha, toda a Europa foi convulsionada e a paz oferecida pelo governo alemão logo depois da vitória sobre as tropas francesas e inglesas - que ocasionou a famosa retirada de Dunquerque - não foi aceita. Nem mesmo o “misterioso” vôo de Rudolf Hess à Inglaterra para tentar a paz, em 1942, ajudou. A guerra estendeu-se pelo mundo. No oceano Pacífico, os Estados Unidos combatiam os japoneses e a União Soviética, invadida pelos alemães em 1941, ofereceu tamanha resistência que decidiu a guerra a favor dos aliados.

   Nesse meio tempo, os Estados Unidos já estavam com suas tropas na derrotada Itália (onde deixaram os brasileiros tomando conta), logo após o desembarque na Normandia, e rumavam celeremente para a Alemanha, apostando corrida com os soviéticos para ver quem alcançava primeiro a Alemanha. O resultado foi o que se viu. A Alemanha destruída e dividida entre dois impérios, e a Polônia, que servira de isca para a deflagração da guerra e conseqüente transformação da Alemanha em colônia, ficou do lado soviético. 

   A Europa e parte da Ásia foi repartida entre os dois grandes centros de poder – Estados Unidos e União Soviética – e iniciava-se a Guerra Fria que teve como resultado a dissolução da União Soviética nos anos 1990. Com essa vitória, Estados Unidos e aliados avançaram sobre o mundo. Não havia adversário a enfrentar, apesar da China sempre se mostrar respeitável, mas a colônia Japão, com milhares de tropas dos Estados Unidos, tratava de isolá-la. 

    A Rússia demorou quase 24 anos para se recuperar das conseqüências do fim do império soviético e, mesmo se tornando um país capitalista, logo após os governos entreguistas de Gorbachev e Bóris Yeltsin, retomou o crescimento, não aderiu ao capitalismo selvagem, não aceitou a globalização e colocou-se ao lado dos países que são atacados pelo eixo Estados Unidos-Inglaterra, como Irã e Síria, além de ser aliada da China. 

   Isso fez com que o império visse na Rússia o inimigo a ser destruído. Depois de algumas “revoluções coloridas” no norte da África, da invasão do Iraque e do Afeganistão, da tentativa de invasão da Síria, de transformar os palestinos em pessoas que moram em “campos de concentração” na faixa de Gaza e na Cisjordânia, assegurando o domínio do aliado Israel no Oriente Médio, de reiniciar a colonização da África, onde está a principal riqueza do momento – a água – e de dominar grande parte dos governos latino-americanos, decidiram-se a cercar, conter e subjugar a Rússia. 

    A estratégia foi a mesma empregada no norte da África e em outros lugares: a tentativa de uma “revolução colorida” coordenada pela internet contra o governo de Kiev, que preferiu uma aliança comercial com a Rússia, preterindo a União Européia. A praça Maidan, na capital da Ucrânia, foi o centro do espetáculo dirigido pela CIA, que manipulou grupos fascistas e neonazistas, agora transformados em partidos políticos, culminando em um golpe de Estado. O objetivo por trás do domínio sobre a Ucrânia e seu governo fantoche era cercar definitivamente a Rússia, controlar a rota do gás que passa pela Ucrânia para a Europa e, com o tempo, colocar forças da OTAN na Criméia, em confronto aberto com a frota da Rússia estacionada em Sebastopol. 

     A Rússia reagiu e, em tempo recorde, conseguiu a reintegração da Criméia em seguida ao referendo que revelou a vontade de mais de 97% da população crimeana. Estados Unidos e aliados europeus pasmaram. Nunca imaginaram que a Rússia fosse reagir com tamanha rapidez; esperavam, no máximo, protestos diplomáticos, queixas e resmungos, e se viram frente a uma situação concreta que poderá levar a uma guerra. Resolveram penalizar a economia russa com sanções comerciais que tem um indigesto efeito retroativo. Sanções pessoais a membros do governo russo foram alvo de deboche, e quase 200.000 cidadãos russos assinaram uma petição que será enviada aos Estados Unidos, requerendo que também sejam sancionados. 

    O raivoso governo da Ucrânia resolveu cortar a água da Criméia, fechando as comportas do canal Severo-Krimsky que fornece 85% da água doce que a Criméia necessita. O leste da Ucrânia, toda a região carbonífera e industrial, se rebelou contra o governo artificial da Ucrânia, e foi proclamada a República de Donetsk, que pede a integração ao território russo. O governo ucraniano começou o que apelidou de “operação anti-terrorista”, atacando com milhares de tropas os redutos dos rebeldes. A Rússia avisou que reagirá no caso de violação dos seus direitos ou morte de cidadãos russos. Algumas mortes já aconteceram.  
    A Ucrânia, neste momento, tem 15.000 soldados na fronteira com a Rússia, mais artilharia, aviação e - muito provável – o apoio da OTAN. Do outro lado, a Rússia dispôs cerca de 40.000 efetivos e poderá mobilizar o dobro imediatamente, se necessário. Enquanto isso, tropas da OTAN e dos Estados Unidos estão sendo colocadas em países limítrofes, como Lituânia e Polônia; grande número de aviões foram enviados para esses países e navios da OTAN acercam-se do Mar Negro. 

     Falhas as tentativas para cercar a Rússia através da Ucrânia, o império ostenta claramente a sua vontade guerreira. No entanto, a Rússia, em sinal de conciliação, devolveu à Ucrânia os navios de guerra que tinham sido tomados na Criméia. Não pode desejar a guerra um país que arma o seu inimigo. Provavelmente, o governo russo ainda conte com a possibilidade de paz na região e, no caso contrário, preferiria uma guerra de posições estritamente na Ucrânia e em defesa dos militantes separatistas pró-Rússia. 

     Mas dificilmente isso será possível. Estados Unidos e União Européia necessitam do conflito para tentar acabar de vez com a força e a influência da Rússia no leste europeu, e desejam, para isso, de uma guerra ampla, que envolva, de início, todo o leste europeu e não somente a Ucrânia. Quanto mais longa e abrangente for a guerra, maior será o desgaste do inimigo, ainda que este consiga algumas vitórias iniciais. 

    A mesma estratégia que foi adotada contra a Alemanha, na 2ª Guerra Mundial. Por seu lado, a Rússia talvez acredite na aliança com a China. Não deveria. A neutralidade chinesa é um mau indício. Resta saber se Estados Unidos e aliados estariam dispostos a agir agora, incitando uma guerra com a Rússia no momento em que têm sérios problemas com a Coréia do Norte, Síria e Irã – principalmente. Além da Rússia. Mas talvez se decidam: há muitos interesses envolvidos e, se desejassem a paz, não estariam provocando a Rússia de todas as maneiras imagináveis. 

     A isca? O povo da Ucrânia. A continuar nesse ritmo em que a diplomacia serve de fachada aos preparativos bélicos, restará à Rússia somente duas opções: a guerra – e,  necessariamente, uma guerra rápida, contundente e decisiva – ou a paz, que poderá equivaler a uma rendição.

3 comentários:

  1. O mais sério e responsável artigo que li até agora sobre as armadilhas que envolvem a Ucrânia. Grande maturidade. Uma visão política necessária para ainda tentar salvar alguma coisa nessa política atroz e imperialista vinda do nosso "irmão do norte". Deve ser publicado em algum jornal do centro do país com urgência, notadamente na imprensa alternativa.

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  2. Muito boa a continuação sobre a Ucrânia e países envolvidos. Aos poucos vou me inteirando. Parabéns!

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  3. Será que um futuro nebuloso se avizinha? Longe de mim o pessimismo mas devemos temer que este seja o estopim para a 3ª Guerra Mundial, haja vista que as chamadas grandes nações, em defesa de seus mesquinhos interesses queiram oportunamente exibir seu poderio bélico.

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