sábado, 17 de setembro de 2011

"MOSTREMOS VALOR, CONSTÂNCIA..."


[…] Regule V. S. suas marchas de maneira que no dia 14, às duas horas da madrugada possa atacar as forças a mando de Canabarro, que estará nesse dia no Serro dos Porongos. […] No conflito poupe o sangue brasileiro o quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. […] Não receia a infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um ministro de seu general-em-chefe para entregar o cartuchame sob o pretexto de desconfiarem dela. Se Canabarro ou Lucas forem prisioneiros deve dar-lhes escápula de maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar […]

(Assinado por Luiz Alves de Lima e Silva, Barão de Caxias. Reconhecido como documento autêntico pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul).


     Nos festejos dos 170 anos da Revolução Farroupilha muita coisa bonita é falada sobre aquele acontecimento, nos meios de comunicação gaúchos. Documentários sobre caudilhos como Garibaldi, Bento Gonçalves, general Neto, tomam conta das telas de televisão e as pessoas se ufanam como se estivessem em plena revolução. No entanto, nada se fala sobre as mais de mil famílias de agricultores sem terra que ainda esperam assentamento.

     Nem se comenta sobre o solo deteriorado, em pleno processo de desertificação, provocado pelo desmatamento, pecuária extensiva, monocultura de produtos transgênicos, como arroz e soja, e excesso de agrotóxicos.

     As terras gaúchas estão entregues aos grandes latifundiários, aos grandes agricultores e às empresas de papel e celulose. A Revolução Farroupilha nada adiantou porque nada revolucionou. Trouxe dinheiro para alguns – aqueles que venderam as suas almas – que já eram muito ricos antes do início da revolução e se tornaram milionários após o seu término, em 1845 e que, cerca de duas décadas depois, em 1864, estavam a serviço do Império na Guerra do Paraguai.

     Naquela revolução o povo foi traído por grupos elitistas de bacharéis e fazendeiros que se reuniram no sigilo das Lojas, primeiro para derrubar o governo do estado; depois, como a revolução se tornou inevitável, para propor uma república que eles sabiam impossível naquele momento histórico e, mais tarde, para pactuarem com os agentes do Império a melhor maneira de acabar com a guerra, através de um armistício espúrio, somente assinado por David Canabarro – que ficou famoso pela batalha de Porongos, da qual não participou, ocasião em que desarmou os Lanceiros Negros e os deixou à mercê dos soldados de Caxias.

     Para que houvesse o armistício era necessário acabar com o sonho de liberdade dos negros do Rio Grande do Sul. Os negros tinham recebido a promessa de libertação, desde que lutassem ao lado dos patrões brancos. Como os patrões brancos decidiram com os outros patrões do império que a revolução deveria ter um fim – mesmo que esse fim resultasse em um armistício e não numa rendição dos revolucionários – Caxias e Canabarro urdiram a extinção do batalhão dos Lanceiros Negros no que foi chamado, mais tarde, de batalha de Porongos - que, na verdade, foi o massacre de Porongos.

     Logo depois foi assinado o armistício, que foi chamado de “Paz de Ponche Verde”, e o que restava do exército riograndense era extinto, enquanto Neto e Bento Gonçalves iam para as suas fazendas no Uruguai.

     Não por acaso, Garibaldi ficou pouco tempo entre as tropas farroupilhas e preferiu participar de uma revolução libertadora de verdade, no Uruguai, liderando a coluna dos italianos.

     Não foram poucas as traições, e entre todos, tornou-se famoso Bento Manoel Ribeiro, que começou ao lado da Revolução, passou a apoiar o Império, voltou para a Revolução e terminou defendendo o Império e ajudando Caxias. Talvez fosse uma espécie de leva e traz entre os maçons dos dois lados.

     (Anos mais tarde, quando o Império se transformou em república, devido à quartelada dos generais, aconteceram as revoluções libertadoras – também chamadas de revoluções federalistas – entre maragatos, ou libertadores, e chimangos - que estavam do lado do poder. Mas foram cruelmente derrotadas).

     O povo não entendeu direito porque tinha perdido a guerra que não era guerra, a revolução que nada tinha feito de revolucionário. Mas foi domado aos poucos, com o passar dos anos, quando as glórias da revolução foram sendo lembradas pelos CTGs (Centros de Tradições Gaúchas), que insistiam que a revolução não tinha sido perdida, mas postergada para um futuro remoto e que a República Riograndense continua a existir, mesmo que sob o apelido de estado do Rio Grande do Sul, que pertence à República Federativa do Brasil – uma república dentro de outra república.

     Restaram as tradições gaúchas, a cultura gaúcha e o “sentimento de gauchismo”, que é uma espécie de sensação de liberdade dentro da prisão. A sensação de que vivemos em uma pátria gaúcha, embora presa ao Brasil. Os mais otimistas dizem que somos brasileiros por opção, mas a verdade é que somos brasileiros por obrigação.

     E essa obrigação faz com que tenhamos governos e governantes estaduais que pouco se interessam com a nação gaúcha e que são ligados estreitamente às tradições brasileiras que colocam a corrupção e o entreguismo em primeiro plano.

     Por isso temos tantos sem terra, quando a terra deveria ser de todos. E também por isso, essa terra que deveria ser de todos está sendo castigada, desertificada, tornada em pó.

     Nos festejos destes 170 anos que lembram a gesta farroupilha muita carne tem sido assada, mas o churrasco é para os que tem dinheiro. A grande maioria do povo apenas assiste pela televisão eles churrasquearem. No dia 20 de setembro teremos grandes desfiles, quando eles, os donos das terras, mostrarão os seus belos cavalos e as suas pilchas cada vez mais sofisticadas.

     O povo de verdade ficará olhando e aplaudindo, talvez com lágrimas nos olhos.

     Ao povo resta cantar o hino riograndense e lembrar que “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. E acreditar que tudo é possível, até uma nação justa e igualitária, desde que “mostremos valor, constância...”.

Um comentário:

  1. Excelente narrativa sobre a Revolução Farroupilha, desmistificando-a. Parabéns pelas informações, ignoradas pela maioria dos rio-grandenses. Valeu Blogueiro!
    Lidia.

    ResponderExcluir

Faça o seu comentário aqui.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...