sábado, 14 de janeiro de 2012

A CONSPIRAÇÃO



Já desconfiávamos, havia uma quase certeza. Quase. Indícios sorrateiros apontavam para a possibilidade. Quando nos reuníamos, nos últimos lugares secretos da cidade, sempre nas noites de lua nova, que são as mais escuras, em nossa linguagem gestual discutíamos acerbamente sobre a Conspiração. Faltavam as provas, mas quem necessita de provas quando são tantos os indícios?

     Não estava a cidade sendo depredada a pouco e pouco? Não era notória a tristeza dos cidadãos que passeavam nas praças, tontamente, dando voltas e mais voltas, como em supremo desespero na tentativa última de esquecer como fora a cidade que se extinguia? Não ouvíamos gritos torturantes de jovens embriagados nas noites dos finais de semana, porque tinham perdido a referência e nada mais existia para eles senão os gritos, a embriaguez e a necessidade de expressão contida por muros que se perdiam infinitamente, esquinas que terminavam em esquinas, praças com árvores de acrílico e luzes que roubavam a beleza do céu?

     Quantas paixões não foram interditas naquelas noites de asfixia da alma!

     Começamos a observar os olhares e a pressa. As pessoas, antes tranqüilas, mesmo em sua pobreza solitária ou as que ostentavam a soberba de campos sem fim, olhavam de maneira arisca, fugidia, mal observando as coisas, quase não cumprimentando as demais pessoas que também se esquivavam como a desejar esconder-se ou buscar a invisibilidade das lojas, a avidez dos supermercados, a forçada alegria das indefinidas multidões em sua algaravia própria de bazares onde estão escondidos os milagres modernos, e sempre com muita pressa, como se perseguidas pelo tempo ou pelo destino, no soluçante ritmo da busca de necessidades forjadas, movidas pela eterna ansiedade que faz esquecer os sonhos.

     O que sonham os inquietos?

     Os mais moços - sabe-se - não sonham, saltitam. Os mais velhos, que trazem a sobriedade no olhar, mesmo quando a vida parece murchar e o tédio finge de companheiro caminham em nuvens de sonhos sem nenhuma urgência, mas os inquietos...

     Somos inquietos. Quando ousamos aparecer arriscando a nossa secreta identidade, até em noites de lua cheia ou em dias ensolarados, brindando com o cafezinho da intimidade nos quiosques onde se fala em futebol e não mais que futebol, buscamos os sinais da Conspiração. E estão todos à vista. Ou melhor, por não estarem à vista, por terem desaparecido, não devido ao tempo e suas iniqüidades, mas aos conspiradores e suas tramas é que temos a certeza da sua existência.

     Logo ali, onde agora se ergue um não sei que de concreto ou pouco além onde um nada de pequenos comerciantes agrícolas vende os seus produtos, havia o grande Mercado Público. Belíssimo! Foi destruído por promessas de progresso e uma pequena e estranha praça desprovida de árvores surgiu no lugar daquela beleza arquitetônica atestada pelas poucas e rasgadas fotografias que ainda restam - não no Arquivo Público, cemitério de saudades mortas, mas preservadas pelo nosso pequeno grupo, que nas solitárias e escuras noites incuba, lentamente, a desforra.

     Os teatros sumiram, um a um, devido a suspeitos incêndios. Os cinemas foram fechados ou transformados em lojas de departamentos, as casas mais antigas são alvo dos conspiradores. Lembram do Casarão? Em seu lugar cresce um detestável edifício. Lembram das árvores da Praça da Estação, da Praça de Desportos, das outras praças? Ficaram algumas árvores e não as mais antigas. Os verdes canteiros não são mais verdes. Nas árvores que restaram, caturritas espantaram os bem-te-vis e sabiás.

     Uma destruição gradativa e planejada, na ímpia tentativa de transformar a cidade que sempre amamos em outra cidade – uma cidade que eles, os conspiradores, desejam construir para os seus babélicos negócios.

     Mas estamos atentos. Até o bicho da Panela do Candal, depois de cansados anos de hibernação, veio juntar-se ao nosso grupo, desejoso de participar da resistência. Não agüenta mais olhar a cidade que se desmancha em falsos fulgores de festas de motociclistas e carnavais engaiolados em duas quadras de fingida alegria. Quer vida, mais vida. E nós queremos a nossa cidade de volta.

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