quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

LUISA NÃO ESTAVA NO CANADÁ




“Luisa não estava no Canadá. Não a minha Luisa” – foi o que me disse um amigo meu do Orkut, que prefere continuar no Orkut, apesar dos scraps, e me mandou um longo e-mail explicando que Luisa, a sua Luisa, não estava no Canadá. Resguardando o seu nome, permitiu que eu publicasse.

     “Luisa nunca iria para o Canadá sem antes visitar a América Latina. E foi o que ela fez. Certa vez ela me disse que se tivesse que aprender alguma língua, seria o espanhol, que é tão universal quanto o inglês, sem os barbarismos que tornam esta língua demasiado sintética ideal para robôs.

     “Luisa detesta robôs; nunca iria à Disneylândia, jamais assistiu a uma festa do Oscar e certa vez me disse que considera o Canadá uma extensão dos Estados Unidos, com a diferença que lá também se fala francês, mas, em contrapartida, os canadenses ainda são submissos à Rainha Elizabeth II, embora se digam um povo independente.

     “Considera que o fato de eles falarem também o francês “já é alguma coisa” – disse Luisa, certa vez, quando conversávamos sobre geografia , costumes e idiomas. “Pelo menos o francês é uma língua derivada do latim. Uma língua que expressa algum sentimento de humanidade. Não é tão expressivo nem tem aquela fome de vida do italiano, mas é lindo de ouvir”.

     “Luisa gosta de coisas belas, de belos sons, de pessoas que trazem beleza interior. Por isso foi visitar os países andinos. Disse que gostaria de ouvir uma flauta andina tocada em plena cordilheira dos Andes e, quando Machu Pichu ainda não era moda, Luisa esteve lá, atenta, absorta, olhando os picos onde moram os últimos condores, tentando aprender o aimará – uma língua falada por mais de dois milhões e meio de pessoas, principalmente no Peru, no Chile, na Bolívia, na Colômbia e na Argentina. Luisa se apaixonou pela língua, que é considerada uma das mais belas e mais estruturadas. É muito semelhante ao quíchua. Os que defendem o parentesco entre as duas línguas citam como exemplo a palavra condor que é kuntura em aimará e kuntur em quíchua.

     “Naquela região habitaram os incas, uma das maiores civilizações das Américas. E o que sabemos nós sobre os incas, a não ser que foram destruídos pelos espanhóis e tiveram o seu último imperador, Atahualpa, assassinado em 1533? Muito pouco. No entanto, construíram pirâmides de até vinte e seis metros de altura, conheciam a agricultura irrigada, praticavam o comércio de trocas, porque não tinham moeda nem dela precisavam, conheciam música, culinária, artesanato, arquitetura, medicina e possuíam um regime social assemelhado ao socialismo, onde ninguém passava fome.

     “Entretanto, sabemos tudo o que é possível saber das antigas civilizações, mas muito pouco dos incas, dos astecas e dos maias, povos tão próximos e que nos deixaram um legado cultural que não sabemos aproveitar. Nós, os brasileiros, porque os demais povos à nossa volta procuram resgatar aquela cultura. E nada sabemos sobre o que realmente se passa aqui do nosso lado, como no Uruguai, Argentina e todos aqueles países, pequenos ou grandes que nos vêem de longe, porque não queremos aproximar-nos deles, temos um falso sentimento de superioridade que faz com que eles desconfiem das nossas intenções imperialistas.

     “Mas Luisa esteve lá. Passou dificuldades, andou por caminhos inóspitos, conviveu com pessoas que falam aimará ou uma mistura de quíchua com espanhol e aprendeu muito. Principalmente, aprendeu o que ela chama de “senso de latinidade”. Aprendeu a viver.

     “Agora ela quer visitar o Brasil. Isso de intercâmbio com países que passam por muito civilizados faz com que esqueçamos que moramos em um imenso país que só conhecemos – e muito mal – através da televisão.

     “Intercâmbio deveria haver entre os estados da nossa Federação e com os demais países da América Latina; na Europa, com Portugal. Ou vamos nos perder definitivamente em um mundo que não é o nosso, em uma cultura que nada tem a ver conosco, entre povos que pensam que toda latino-americana se chama Amparo e todo brasileiro necessariamente deverá se chamar José. E que fazem o possível para que esqueçamos a nossa verdadeira cultura.

     “Não. A minha Luisa não esteve no Canadá.”

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