terça-feira, 3 de abril de 2012

GUSTAVO ADOLFO E DRICA DE BENFICA - PELO TELEFONE

- Gustavo Adolfo!

- Não precisa gritar, Drica. A cidade inteira vai ouvir.

- O que é um perigo, não é Gustavo Adolfo? Você viu o que aconteceu com o...

- Não diz o nome! Não diz o nome!

- Está bem, Gustavo Adolfo, não vou dizer o nome do...

- Não! De preferência não fala, se falar cochicha, se cochichar que seja bem baixinho.

- Credo, Gustavo Adolfo!... Você está com síndrome de pânico? Até parece que essa síndrome virou moda...

- Eu estou é com síndrome de guarda pretoriana, Drica.

- Preto, Gustavo Adolfo? Você não sabia que não pode dizer que preto é preto ou vai pra cadeia?

- Pretoriana, Drica. Não é preto.

- Mas começa com preto, não é Gustavo Adolfo? Onde é que você está?

- Eu estou numa reunião aqui no... na casa do...

- No partido, Gustavo Adolfo?

- Não fala em partido, Drica! De preferênca não fala em nada pelo telefone.

- Uai, mas não é um telefone celular? O que é que tem?

- O que é que tem? O que é que tem? O que tem é que hoje em dia até vídeo-game é perigoso.

- Mas eu não jogo vídeo-game, Gustavo Adolfo! Isso é coisa para adolescente que foge das aulas. E é tão ridículo! Mata isso e mata aquilo. Depois eles saem enlouquecidos e querem dar tiros nos outros.

- Não é isso que eu queria dizer, Drica. Estou tentando lhe falar que o silêncio é de ouro, entendeu?

- E agora eu vou ficar muda no telefone, Gustavo Adolfo? Me diz pra que o telefone serve? Não é pra falar?

- Drica, estamos vivendo momentos perigosos no nosso país.

- Grande novidade, Gustavo Adolfo! O que é que a Dilma fez agora? Se recusou de novo a dar aumento para os militares?

- Não fala o nome Dilma, nem menciona os militares, Drica! Se falar diz “a presidenta” e “os excelentes defensores da nação” – dá pra entender?

- Claro que dá, Gustavo Adolfo. Eu sou loura, mas não sou burra, viu! Já estou ficando com a língua engessada neste telefone. O que podemos falar? Ah, já sei... Lembra do meu colar de pérolas, aquele que tu me deste de Natal? Vou usar hoje de noite no nosso jantarzinho, só pra te alegrar. Pode ser que até lá você esteja melhor, Gustavo Adolfo. Toma um chazinho pra melhorar o humor.

- Não!!

- Não o que, Gustavo Adolfo? Não vai ter jantar? Tu não gosta mais de mulher bonita? Viraste gay?

- Não diz bobagem, Drica! É o colar. Sabe, na época de Natal eu estava com pouco dinheiro e pedi emprestado para um amigo para comprar o colar pra ti.

- Agora eu tenho certeza de que tu gosta de mim, Gustavo Adolfo, que tu me ama. Fazendo sacrifício, te endividando só pra me agradar!

- Na verdade, eu não me endividei, Drica. Foi uma troca de favores. Sabe aquele nosso amigo, aquele que não podemos dizer o nome?

- O...

- Não diz!

- O que foi, Gustavo Adolfo? Voltou a crise de pânico?

- Que crise, Drica? Não ouviu falar que o... o telefone é inimigo do homem?

- Só se for aqui no Brasil, Gustavo Adolfo, porque em outros países o telefone até que é um dos maiores amigos do homem. E da mulher também, não seja machista!

- Pois é aqui, Drica, é aqui. Há mais coisas entre o Brasil e o resto do mundo, Drica, do que sonha a tua vã filosofia.

- Ai, que bonito Gustavo Adolfo!... Eu não sabia que tinha uma vã filosofia, mas é bonito... Continua falando assim.

- Falar é que são elas – como diria o poeta mudo, espreitando as meninas na janela.

- Deu até rima, Gustavo Adolfo! Tu tá virando poeta?

- Se a coisa continuar assim, vai ser o único jeito de se comunicar, Drica.

- Que coisa, Gustavo Adolfo?

- A coisa que não podemos falar, Drica, os amigos que não podemos citar, os presentes que não podemos dar.

- Rimar em “ar” você já sabe, Gustavo Adolfo.

- Por falar nisso, vou desligar, Drica. Neste país que me engana nunca se sabe onde está a guarda pretoriana.

- Lá vem você com essa tal de pretoriana de novo, Gustavo Adolfo. Afinal de contas, o que é isso?

- Isso é o que não se sabe, Drica. Pode estar no ar, no mar, em qualquer lugar. Esta é uma época em que não é mais proibido proibir. “Atenção: tudo é perigoso”. Mas não é mais divino, maravilhoso...

- Por quê, Gustavo Adolfo? Agora você tá ficando depressivo?

- Só apreensivo, Drica. Ninguém escapa...

- Já sei: à tal de guarda pretoriana!

- Ao que tem censura e sempre terá Drica. E isso não tem sentido: afinal, éramos ou não uma democracia?

- Depende, né Gustavo Adolfo. Talvez falte um “r”.

- Como assim, Drica?

- Erramos! Acreditamos! Sonhamos! E acabamos com crise de pânico ou depressão.

- Drica, você às vezes...

- Te surpreendo, não é amor da minha vida?

- Drica!

- Não precisa gritar, Gustavo Adolfo.

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